![]() |
Eu e meu primeiro violão aos 11 anos |
Por Hermes C. Fernandes
Há exatos 43 anos, eu deixava o ambiente acolhedor do ventre
de minha mãe para mergulhar de cabeça neste vasto mundo. Ao som de uma velha vitrola, meu primeiro choro quase não se
ouviu.
Não fui aparado num hospital ou maternidade, mas pelas mãos
de uma parteira numa casa modesta cercada de goiabeiras e mangueiras em um
bairro de São Gonçalo chamado Alcântara.
Mamãe conta que debaixo de uma dessas goiabeiras, em noites
estreladas, meu pai costumava contar-me histórias bíblicas, ainda nos meus
primeiros meses de vida. Quando perguntado sobre a razão disso, ele afirmava
que mesmo não entendendo uma só palavra do que dizia, aquelas histórias seriam
armazenadas em sua memória, e que um dia aquele nenê se tornaria num pregador
do Evangelho.
Desde que me entendo por gente, fui criança querendo ser
adulto. Culpa de minha tia Inês, que hoje, sofrendo de Alzheimer, aos poucos
volta a ser criança, amparada na casa de minha mãe. Foi ela quem, ao flagrar-me
chupando chupeta, censurou-me, dizendo: - Que coisa feia! Um homem desse
tamanho... Com apenas três aninhos, corri pelo quintal na direção dos fundos,
onde havia um matagal, e joguei fora o apetrecho infantil, para o desespero de
minha mãe, que, com razão, queixou-se devido ao cordão de ouro que foi
junto.
A partir do fatídico episódio, não quis ser mais criança.
Queria vestir-me como homem, falar grosso, imitar meu pai em tudo. O que me
devolveu a infância foi a nossa primeira televisão. Assistindo a seriados
japoneses (Ultraman, Speed-racer), desenhos de Hanna-Barbera, Capitão Aza, Rin-tim-tim, Sítio
do Pica-pau Amarelo, e outros, desenvolvi uma imaginação fértil que me fez desejar
ser um super-herói, mais precisamente o superman. Cheguei a improvisar
um uniforme, amarrando uma toalha nas costas e vestindo a cueca sobre a calça.
Criado muito preso, sem jamais ter brincado na rua, minha
fuga eram os gibis. Foi com eles que tomei gosto pela leitura.
Aos noves anos me apaixonei pela empregada de minha mãe.
Tinha surtos de ciúme toda vez que ela gritava histérica ao ver o Sidney Magal
nos programas de auditório da TV. Minha mãe teve que despedi-la para evitar dor
de cabeça.
Fiz muitas estripulias. Talvez a pior delas foi jogar pedras
nos ônibus que passavam em frente a nossa casa. Lembro-me da vez em que uma das
pedras atingiu um carro, despedaçando o para-brisa.
Levei uma coça inesquecível. rs
Jamais me esquecerei das noites em que meu sono era
interrompido pelas lágrimas de minha mãe, que percorria os quartos impondo as
mãos sobre os filhos e pedindo a Deus que os guardasse deste mundo.
Depois que meu pai passou a dedicar-se integralmente ao
ministério, coube a ela reunir-nos todos os dias (às vezes munida de cinto rs)
para orar, ler a Bíblia e cantar louvores a Deus. Chamávamos de “culto matutino”,
apenas de muitas vezes acontecerem à noite. Foi nesses cultos que peguei o
gosto pela leitura das Escrituras.
Ganhei meu primeiro violão aos nove anos. Foi amor à primeira
vista. Com ele compus minha primeira canção. Foi nesta mesma época que entrei
num curso de datilografia (isso existe ainda?). Ainda com nove anos preguei meu
primeiro sermão em uma igrejinha dentro de uma comunidade em Marechal Hermes,
subúrbio do Rio. Com treze anos tomei
emprestado de um amigo de escola um disco do Kiss. Influenciado pelo som pesado
da banda, adquiri minha primeira guitarra e comecei a aprender a solar. Com treze
anos montei uma banda de rock na igreja. Que fase! Quanto trabalho dei para os meus pais... Pulava o muro da escola para ir pra praia... Fugia de casa de madrugada... queria conhecer o mundo. Só não enveredei nas drogas, nem me afastei da igreja.
Próximo de completar catorze anos minha vida deu uma guinada. Fui eleito presidente da
juventude de minha igreja. Liderei-a por dois anos. Chegamos a ter mais de
duzentos jovens. Nesta mesma época, dirigi meu primeiro programa de rádio.
Aos 15, conheci aquela que seria a mulher da minha vida. Aos
17, recebi a responsabilidade de pastorear interinamente uma igreja no Engenho
Novo. Percebe-se que tudo em minha vida foi precoce. Graças à censura
que minha tia fez por chupar chupeta aos três anos... rs
Mas não me arrependo de nada (ou melhor, de quase nada). Se
pudesse viajar no tempo e reviver cada etapa de minha vida, acho que não
mudaria nada (ou quase nada).
Hoje, aos 43, aquele menino ainda sobrevive em mim. E tenho
aprendido que a vida é o que acontece entre o primeiro choro e o último
sorriso. E quanto a este, não tenho pressa de exibi-lo.
Obrigado a todos os que têm me acompanhado ao longo desta
jornada, ou pelo menos, em algumas de suas etapas. Sem a companhia de cada um de vocês, a vida não teria a mesma graça, e talvez, nem valesse a pena ser vivida.
Sobretudo, agradeço a Deus por este dom maravilhoso, e por permitir-me ser contemporâneo de tanta gente maravilhosa com a qual tenho aprendido a amar e a viver.