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Channel: Hermes C. Fernandes
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Carta de um gay expulso da igreja

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Prezado pastor,

Sou um rapaz inteligente, gentil, bem educado, sensível... e gay. Na adolescência tentei me interessar por garotas, mas não rolou. Toda vez que me aproximava de uma menina, sentia um misto de repulsa e nojo. E o pior é que elas se interessavam por mim. Sempre tive um bom papo, e isso deixava as garotas iludidas. Eu as queria como amigas, mas não como namoradas. Acabei me apaixonando por um colega de escola. Foi uma tortura. Não queria aceitar aquilo. Eu sabia do desgosto que daria à minha mãezinha. Por isso, jamais tive a coragem de me declarar a ele. As vezes penso que ele deve ter sacado por causa dos meus olhares.

Um dia resolvi entrar numa igreja. Gostei demais do culto. As pessoas eram tão alegres, simpáticas, receptivas. Pensei comigo mesmo: aqui eu serei aceito. Quem sabe eu possa mudar...

Fui me envolvendo com as atividades da igreja. O pastor parecia gente muito boa. Me chamou pra participar do grupo de dança, contanto que eu me batizasse. Como eu gostava muito de dançar, achei que seria legal ser batizado.

Comecei a ser mais cuidadoso pra não dar na pinta, entende? Tentei engrossar minha voz, evitar aqueles trejeitos típicos que denunciassem minha tendência.

Mas quando começava a dançar, eu me soltava. Quando dava por mim, já havia requebrado.

Um dia o pastor me chamou para uma conversa. Disse que percebera algo estranho em mim e que eu precisava me consertar se quisesse continuar na igreja. Eu disse que era impressão dele. Foi então que resolvi me aproximar de uma menina que era integrante do grupo de louvor. Começamos a namorar. O pastor demonstrava estar muito orgulhoso de mim. Ela era muito especial, bonita, inteligente e super-talentosa. A gente se beijava, se abraçava, mas aos poucos ela foi percebendo que eu não passava muito disso. Eu nem me sentia excitado. Mas tentava disfarçar. Dizia que eu não queria dar lugar à carne pra não pecar.

Um dia o pastor pregou uma mensagem sobre confissão dos pecados. Ele disse que se nós não confessássemos uns aos outros não poderíamos ficar curados. Aquela pregação me tocou muito. Chorava como criança. Depois da mensagem ele chamou quem quisesse ir à frente para confessar seus pecados. Foi o momento mais difícil da minha vida. Mas resolvi tomar coragem, me levantei e encarei a congregação. 

Disse mais ou menos assim: Irmãos, estou com vocês há vários meses e me sinto parte desta família. Vocês me acolheram, confiaram em mim, me fizeram sentir uma pessoa querida e amada. Por isso, acho que não é justo continuar escondendo algo. Irmãos, tenho tido uma luta muito grande com a minha carne. Evito pensar nisso. Tenho tentado mudar. Mas o fato é que eu sou gay.

O pastor me interrompeu e me mandou de volta ao meu lugar. Ninguém mais se atreveu fazer outra confissão depois da minha.

De repente, aquelas pessoas que pareciam me amar tanto revelaram um lado que eu desconhecia. Após o culto, se afastaram de mim. A única palavra que ouvi do pastor foi: Que vergonha!

Na outra semana recebi a notícia de que deveria me afastar de todas as atividades da igreja. Fui proibido de participar da Ceia do Senhor.

Não tive alternativa. Me afastei da igreja e voltei para o mundão. Já pensei em me matar. Minha mãe não sabe a razão porque saí da igreja.

Ninguém me visitou, nem me telefonou. Eu me senti um lixo.

Mas o que mais me revoltou é que descobri algo muito sério sobre meu ex-pastor. Um colega meu me garantiu que ele se envolveu em um caso com outro homem, que também é pastor e casado (a esposa dele é tão bonita!). Isso foi um choque pra mim. Ele parecia tão feliz com a esposa. Meu colega me contou que o casamento deles é só de fachada. Não há amor. Ela até disse pra alguém que sente nojo do próprio marido. A esposa dele sempre me pareceu muito masculina...deixa pra lá. Pelo jeito estão casados por conveniência. Tudo não passa de aparência.

Que hipocrisia! Me puseram pra fora da igreja porque confessei minha fraqueza. Mas este pastor continua enganando o rebanho. Parece que já teve caso com outro obreiro da igreja. Uma vez reparei um olhar que ele lançou sobre um irmão lá da igreja. Pensei que ele estivesse só brincando. Hoje vejo que era verdade.
Será que um dia ele terá a coragem que eu tive pra confessar sua fraqueza? E que direito ele tinha de me colocar pra fora ?

Não sei se devo procurar alguém e contar o que sei. Talvez pensem que quero me vingar pelo que ele fez comigo.

Ainda estou muito magoado, mas quero voltar pra igreja. Recentemente voltei a orar, e estou decidido que não vou me promiscuir. Tenho pedido a Deus pra me dar força pra vencer meus impulsos.

Minha ex-namorada andou me ligando e dizendo que me perdoou. Ela não tem esperança de voltar pra mim, mas gostaria de ser minha amiga. Achei isso incrível da parte dela. Ela admira tanto aquele pastor, mas não sabe que ele é um enganador.

Não vou enganar filha de ninguém. Quero apenas servir a Jesus com meus talentos, sem ter que usar máscaras. Obrigado por me ouvir, pastor. Ore por mim.

***
Lamentável saber que esta carta retrata o dilema de muitos. A igreja precisa redescobrir a graça, acolhendo indistintamente a todos com amor. Hoje, dia 17 de Maio, quando se celebra no Brasil o Dia contra a Homofobia, minha oração é para que sejamos menos hipócritas e mais complacentes, não apenas com os que vivem tal dilema, mas com todos os seres humanos, independentemente de sua etnia, comportamento, poder aquisitivo, ou credo religioso. 

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