Por Hermes C. Fernandes
A primeira verdade com que nos deparamos é que não somos melhores do que os bichos! E quem diz isso é ninguém menos que o sábio Salomão:
“Disse eu no meu coração: Isso é por causa dos filhos dos homens, para que Deus possa prová-los, e eles possam ver que são em si mesmos como os animais. Porque o que acontece aos filhos dos homens, isso mesmo também acontece aos animais; a mesma coisa lhes acontece. Como morre um, assim morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego, e nenhuma vantagem têm os homens sobre os animais. Todos vão para o mesmo lugar; todos são pó, e todos ao pó tornarão.” Eclesiastes 3:18-20
Somos feitos da mesma matéria prima que na Bíblia é chamada de "pó da terra". Ora, sabemos que os hebreus não conheciam partícula menor que isto. Por isso, as Escrituras o usam como metáfora do que hoje chamamos de moléculas, os tijolos de que somos constituídos. Não importa se mamífero, réptil, ave, anfíbio, e até vírus e bactérias, todos os seres vivos possuem a mesma composição genética. A diferença é como os genes são distribuídos no DNA. Portanto, no que diz respeito à composição orgânica, podemos afirmar que todos os seres vivos têm um ancestral comum, isto é, a mesma origem. Todos vieram do pó e para o pó retornarão.
Alguém poderá alegar que o que nos difere dos animais é que eles não possuem espírito. Se isso fosse verdade, então, Salomão teria errado feio ao afirmar que não haveria qualquer vantagem do homem sobre o animal. Veja o que ele diz mais:
“Quem sabe se o espírito dos filhos dos homens vai para cima, e se o espírito dos animais desce pra terra?” v.21
O vocábulo hebraico traduzido como "espírito" é ruwach, o mesmo usado em referência ao Espírito do Senhor no Antigo Testamento. Portanto, animais também são seres espirituais. Logo, se temos a mesma origem, a mesma composição e a mesma essência, teríamos também o mesmo destino?
Nem mesmo o amor de Deus é exclusividade do ser humano. Deus ama a todas as Suas criaturas, sejam racionais ou irracionais. Ele é quem “dá mantimento a toda a criatura, porque o seu amor dura para sempre” (Sl.136:25). Davi entendia isso perfeitamente, e declara de maneira poética em seu salmo de número 104:
“Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas. Há o mar, vasto e espaçoso, onde se movem seres inumeráveis, animais pequenos e grandes (…) Todos esperam de ti que lhe dê o seu sustento em tempo oportuno” Salmos 104:24-25,27
Até os leõezinhos “de Deus buscam o seu sustento” (v.21). Há momentos em que temos a impressão de que Davi havia mergulhado no fundo do oceano, maravilhando-se com o que vira ali. Quando Jesus nos conclama a observar os passarinhos, que nem trabalham ou fiam, contudo o Pai Celestial os alimenta, Ele está afirmando que tais cuidados revelam o amor de Deus por cada um deles. Apesar disso, Jesus diz nesse mesmo texto que temos maior valor que eles. E isso não se dá por termos alguma vantagem sobre eles, seja do ponto de vista orgânico ou mesmo espiritual. E sim por conta de dois fatos: 1. Por Ele ter imprimido em nós a Sua imagem e semelhança. 2. Pelo propósito estabelecido por Deus que alçou-nos à condição de guardiões e vice-regentes da criação.
Era sobre isso que Davi meditava quando declarou:
"Quando contemplo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que estabeleceste, que é o homem, para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Contudo, pouco abaixo de Deus o fizeste; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo, as aves do céu, e os peixes do mar, tudo o que passa pelas veredas dos mares." Salmos 8:3-8
Portanto, não é uma questão de vantagem, mas de propósito. Se fosse, como explicar o fato de muitos animais serem dotados de habilidades que faltam aos homens? Alguns enxergam cores que jamais contemplaremos. Outros voam, respiram sob a água, possuem faro apurado, audição extraordinária, etc. Em certos sentidos, tais seres têm vantagem sobre nós. Porém, Deus confiou à raça humana o domínio e os cuidados da criação.
A hostilidade que o reino animal nutre contra o homem se deve ao pecado. Deixamos de ser os guardiões do jardim de Deus, tornamo-nos predadores. Paulo diz que toda a natureza geme na expectativa de ser libertada do cativeiro imposto pela vaidade humana. Vaidade que degrada, que domina a seu bel-prazer, que devasta florestas, que extingue espécies inteiras através da caça esportiva, etc. Quando os filhos de Deus se manifestarem, a natureza será finalmente livre (Rom.8). A Terra não caminha para uma catástrofe final, como insistem alguns, mas para a libertação. Quando isso ocorrer, a hostilidade terminará, e o homem voltará a integrar-se harmoniosamente à criação.
Enquanto não chega o grande dia, devemos zelar pela vida de todos os seres com os quais compartilhamos a Terra. Deus no-los confiou. Tanto os selvagens quanto os domésticos. E de acordo com Salomão, “o justo olha pela vida dos seus animais” (Pv.12:10a). Quem ama o Criador, não pode ser cruel à criatura.
O Coral de todos os seres vivos
Uma das mais impressionantes imagens pintadas no livro de Apocalipse está registrada no capítulo 5, do verso 11 ao 14:
“Então olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos seres viventes, e dos anciãos; e o número deles era milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando com grande voz: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então ouvi a TODA CRIATURA QUE ESTÁ NO CÉU, E NA TERRA, E DEBAIXO DA TERRA, E NO MAR, e a todas as coisas que neles há, dizerem: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o poder para todo sempre. E os quatro seres viventes diziam: Amém. E os anciãos prostraram-se e adoraram.”
Repare a forma como o céu e a terra são apresentados unindo-se para formar um enorme coral em adoração ao Cordeiro. Gradativamente, todas as coisas vão sujeitando-se a Cristo. Não só as invisíveis, mas também as visíveis, tanto as pertencentes ao mundo espiritual (anjos, querubins e cia), como as do mundo animal.
Aos poucos o caos vai se tornando em harmonia; o barulho se transforma numa fenomenal orquestra! Cada evento vai encontrando o seu lugar na majestosa sinfonia composta pelo Cordeiro. Nada fica de fora de escopo desta restauração! O reino animal, o reino vegetal, e o reino mineral se unem para saudar o Rei dos Reis.
No capítulo anterior, João conta que viu um trono, e Alguém assentado sobre ele, e “ao redor do trono havia um arco-íris” (4:3). Este arco-íris nos remete ao episódio em que Deus fez uma aliança com Noé, e estabeleceu o arco-íris como símbolo dessa aliança. O que poucos observam é que aquela aliança de preservação não se limita ao ser humano, mas abrange toda a criação. Assim afirmou o Senhor: “Agora estabeleço a minha aliança convosco e com a vossa descendência depois de vós, e com TODOS OS SERES VIVENTES que convosco estão; assim as aves, os animais domésticos e os animais selvagens que saíram da arca, como todos os animais da terra (...) Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, POR GERAÇÕES PERPÉTUAS; O meu arco tenho posto nas nuvens, e ele será por sinal de haver uma aliança entre mim e a terra (...) O arco estará nas nuvens, e eu o verei, para me lembrar da ALIANÇA ETERNA entre Deus e todos os seres viventes de todas as espécies, que estão sobre a terra” (Gn.9:9-10,12-13,16).
Esta aliança jamais vai caducar. Não tem prazo de validade. Por ser eterna, não perdeu a validade com o lançamento da Nova Aliança, antes foi confirmada. Oséias, profetizando sobre a Nova Aliança, disse: “Naquele dia farei por eles aliança com os animais do campo, com as aves do céu e com os répteis da terra” (2:18). A Nova Aliança diz respeito à salvação do homem, e, por conseguinte, à restauração da ordem criada. O coral só estará completo quando as vozes angelicais, e as vozes humanas unirem-se às vozes de toda criatura, incluindo os pássaros, os répteis, os mamíferos e os peixes. "Tudo o que tem fôlego" deve igualmente louvar ao Senhor (Sl.150:6).
No próximo post vamos desenvolver um pouco mais o assunto e responder às eventuais questões que surjam a partir do que já temos colocado aqui.