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A polêmica sobre a cura da homossexualidade

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Por Hermes C. Fernandes

No último dia 27, a Comissão de Seguridade Social e Família debateu na Câmara um projeto de lei, apresentado pelo deputado tucano João Campos, de Goiás, apelidado de “Projeto da cura gay”, que quer suspender a resolução do Conselho Federal de Psicologia que, desde 1999, impede os psicólogos de tentar curar a homossexualidade. Segundo ele, a resolução extrapola as competências daquela instituição e fere o direito constitucional dos terapeutas e dos pacientes.   

João Campos é delegado de polícia e pastor. Preside a Frente Parlamentar Evangélica, cuja principal atividade no Congresso tem sido boicotar projetos de interesse de feministas e homossexuais. 

Os integrantes do Conselho Federal de Psicologia proibiram os tratamentos de cura da homossexualidade pelo fato de ela não ser mais considerada doença. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a retirou da lista de doenças mentais há 22 anos. O parecer dos conselheiros é que tratar uma doença inexistente, prometendo cura ao paciente e ainda cobrar por isso seria charlatanice.


A sessão teve a participação do pastor Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, e formado em psicologia. Silas tem se destacado na mídia evangélica e secular pelas polêmicas envolvendo causas homossexuais. Sem deixar-se intimidar pelas constantes vaias, ele chegou a acusar o Conselho Federal de Psicologia de promover o “ativismo gay”.Ativistas chegaram a estender uma faixa com o nome do pastor acompanhado de um símbolo nazista.A audiência também contou com a presença de Humberto Cota Verona, presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a psicóloga Marisa Lobo, e Toni Reis, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

Não se pode atribuir à psicologia o que está além de sua alçada. O psicólogo até pode ajudar a um homossexual a lidar com eventuais traumas, angústia, depressão, advindos de sua tentativa em largar a prática homossexual, porém, seria má fé se ele prometesse curá-lo de sua orientação sexual. Nem mesmo um pastor pode prometer isso. Ninguém tem o poder de transformar a si mesmo. Não se trata de engrossar a voz, mudar o penteado, abandonar os trejeitos efeminados. Há desejos, pulsões, que surgem independentemente de sua vontade. Cabem aqui as questões levantadas por Deus por intermédio de Isaías: Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas?”(Jr.13:23) Parafraseando o verso, poderia um gay reverter sua orientação sexual senão por milagre?

Tal mudança estaria no campo do milagre, o que, por definição, fugiria à competência de qualquer profissional ou sacerdote. Somente Deus é capaz de promover milagres. Quem tem poder para transformar água em vinho, pode reverter qualquer coisa, mesmo a orientação sexual de um indivíduo. Porém, milagres são exceções e não a regra.

Que há casos de homossexuais que deixaram tal prática, não há dúvida. Alguns aprenderam a sublimar suas pulsões. Outros direcionaram sua libido para atividades artísticas ou profissionais.  E alguns testemunham terem logrado redirecionar sua orientação sexual, tornando-se heterossexuais. Em se tratando de milagre, não há o que se discutir. O que seria desonesto é prometer o que não se pode cumprir. Jamais presenciei a transformação de homossexuais em série. Aliás, nenhum dos milagres ocorridos no ministério de Jesus pretendia alcançar tal escala. Ele operava no varejo, nunca no atacado. A maneira como Deus age é personalizada, e não padronizada, como querem alguns.Depois de transformar a água em vinho, Jesus não montou um rentável negócio de produção de vinho. Quando chegou ao tanque de Betesda, onde milhares de doentes esperavam ser curados pela chegada de um anjo que supostamente moveria as águas, Jesus curou apenas um paralítico. 

Nem sempre as coisas acontecem como gostaríamos. E não será um discurso moralista que vai resolver o problema. A homossexualidade é uma questão humana complexa. Não há respostas prontas e fáceis. É perda de tempo atribui-la ao demônio, ou classificá-la como doença ou falha de caráter. É preferível encará-la como resultado de nossa condição humana cheia de ambiguidades e idiossincrasias. Uma boa dose de compaixão nos ajudaria a compreender o dilema vivido por quem lida com tais paixões.

Há casos de pastores que descobriram que o filho era homossexual, e para salvaguardar a credibilidade de seu ministério, enviaram-no para o Exterior. O filho de um dos televangelistas mais famosos dos EUA, Oral Roberts, suicidou-se com um tiro no coração depois de ter sido condenado por seu pai por haver confessado sua homossexualidade.  

Como também há casos de pastores homossexuais que sublimam suas pulsões através de sua dedicação às atividades eclesiásticas. Alguns raramente procuram suas esposas, pois não se sentem atraídos pelo sexo oposto. Passam noites em vigílias pelos montes para disfarçar sua inapetência sexual. Usam a espiritualidade como subterfúgio. Jamais admitirão isso, mas sabem do que estou falando. Seria fácil julgá-los, chama-los de embustes, mas só eles sabem os conflitos e angústias que vivem, sem poder se abrir para quem quer que seja.  Amam a Deus e a sua obra. Prezam pela família. E para manterem-se fiéis, esmurram seu próprio corpo, reduzindo-o a escravidão, como dizia Paulo.

Ao converter-nos a Cristo, o espírito renasce, porém a carne mantém-se a mesma. Exorcismo não resolve. Jejuns, idem. A única saída é manter a carne com rédeas curtas, submetida ao Espírito. Porém, o espinho continua ali, incomodando, machucando, latejando. Orar é bom, mas não remove o espinho. Temos que aprender a depender da suficiência da graça. E não se trata só da homossexualidade. Refiro-me a toda e qualquer pulsão inerente à nossa natureza caída: desejos inconfessáveis, taras escondidas sob camadas de verniz comportamental, avareza, egoísmo, etc.

Em vez de oferecer a cura da homossexualidade, a igreja cristã poderia direcionar o seu discurso contra a homofobia, que tanto estrago tem feito, não apenas aos homossexuais, mas à sociedade como um todo. 

De fato, os homossexuais precisam ser curados. Eles necessitam curar-se de todas as feridas que lhes foram feitas pela sociedade, a começar pela própria família e pela igreja. Em vez de promessas de cura, ofereçamos apoio, suporte emocional, e um ambiente onde não sejam julgados, mas amados, acolhidos em vez de rechaçados.  Podemos até estimulá-los a abandonar a prática, porém, se desejarem renunciar suas pulsões, será por obra do Espírito Santo e não por pressão externa. Lembrando o texto bíblico que diz que não é por força, nem por violência, mas pelo Espírito de Deus.

Em vez de focarmos nossos ataques na prática homossexual em si, que tal apontá-los para a promiscuidade como um todo, inclusive a praticada por heterossexuais, que coisifica o ser humano? Sem trocadilhos, pau que dá em Chico, também dá em Francisco. Pecado é pecado, não importando a orientação que se tem. Tanto homos como héteros precisam aprender a lidar com suas pulsões e a viver uma vida regrada, renunciando a tudo o que atenta contra dignidade humana e ultraja o propósito do Criador.

A propósito, cá entre nós, parece-me sintomático que a igreja evangélica brasileira se preocupe tanto com a questão da homossexualidade, mas não demonstre a mesma preocupação com questões como o trabalho escravo, a exploração sexual de crianças, a corrupção política, e outras. Às vezes tenho a nítida impressão de que se trata de um boi de piranha, usado como bandeira política. Nem Freud explica...

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