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Que tal ser seu próprio pastor?

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Por Hermes C. Fernandes

Israel viveu um período caracterizado pela desordem social que precedeu o estabelecimento da monarquia. Vejamos algumas das características e fatos marcantes desse período anárquico.1
“Havia um homem da região montanhosa de Efraim cujo nome era Mica, o qual disse a sua mãe: Os mil e cem siclos de prata que te foram tirados, por cuja causa deitavas maldições e de que também me falaste, eis que esse dinheiro está comigo; eu o tomei. Então, lhe disse a mãe: Bendito do Senhor seja meu filho! Assim, restituiu os mil e cem siclos de prata a sua mãe, que disse: De minha mão dedico este dinheiro ao Senhor para meu filho, para fazer uma imagem de escultura e uma de fundição, de sorte que, agora, eu to devolvo...” (Juizes 17:1-3).
Repare na atitude incoerente da mãe de Mica. Ela consagrara ao Senhor o dinheiro que lhe fora restituído pelo seu filho, entregando-o para que fizesse uma imagem de escultura, um ídolo. Como se poderia conciliar o culto ao Senhor à idolatria? Ou nas célebres palavras de Paulo:“E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos?” (2 Co.6:16a). Tal confusão nada mais é que um dos efeitos colaterais advindos da ausência de liderança espiritual. Sem ela, o povo tende a se corromper.

Mica, vendo que o uso de todo aquele dinheiro para a confecção de ídolos seria um desperdício, “restituiu o dinheiro a sua mãe, que tomou duzentos siclos de prata e os deu ao ourives, o qual fez deles uma imagem de escultura e uma de fundição; e a imagem esteve em casa de Mica. E, assim, este homem, Mica, veio a ter uma casa de deuses; fez uma estola sacerdotal e ídolos do lar e consagrou a um de seus filhos, para que lhe fosse por sacerdote” (Jz.17:4-6).

Nosso amigo Mica resolveu entrar na dança. Aproveitou-se da idéia da mãe, e resolveu abrir sua própria “igreja”. Agora ele era seu próprio líder espiritual. Não teria mais que freqüentar o tabernáculo em Siló para oferecer sacrifícios a Deus, nem ter que prestar contas a ninguém. Finalmente, livre! Além de um templo improvisado, Mica consagrou seu personal priest, isto é, um sacerdote particular e que lhe fosse sujeito, seu próprio filho. Porém, de onde veio a autoridade para consagrar um sacerdote? Quem lhe outorgou tal autoridade?

Infelizmente, constatamos que o mesmo fenômeno tem-se popularizado em nossos dias. Homens sem qualquer escrúpulos impõem as mãos sobre sua própria cabeça, e se auto-consagram. E assim, surgem novos apóstolos, bispos, pastores, sem o respaldo de quem quer que seja. Eu chamaria isso de Síndrome de Napoleão, pois o mesmo não aceitou receber a coroa das mãos do Bispo, como geralmente requeria o protocolo, mas preferiu coroar-se a si mesmo.

À luz das Escrituras, só pode exercer autoridade, quem estiver sob autoridade. Nem mesmo Jesus escapou a regra. Por duas vezes o Pai bradou do céu: “Este é meu Filho”. Em uma das vezes, Ele disse: “...em quem me comprazo” (Mt.3:17). E na outra vez: “...a Ele ouvi!” (Mt.17:5). A menos que a mesma voz se faça ecoar dos céus, ninguém está autorizado a exercer autoridade, se ela não for respaldada por outra autoridade. Sem isso, o reino de Deus se tornaria numa anarquia.

O verso 6 nos revela a razão de tantas bizarrices:

“Naqueles dias, não havia rei em Israel; cada qual fazia o que parecia direito aos seus olhos.”

Sem liderança, sem autoridade, cada um faz o que dá na telha.


Em Busca de Legitimação

Pelo jeito, o ministério de Mica não decolou logo de início. Não havia credibilidade no sacerdócio de seu filho. Afinal de contas, ele sequer era da tribo de Levi.

A temporada de caça a um sacerdote de verdade estava aberta. A arapuca estava armada. Era uma questão de tempo...

O texto prossegue:
“Havia um moço de Belém de Judá, da tribo de Judá, que era levita e se demorava ali. Esse homem partiu da cidade de Belém de Judá para ficar onde melhor lhe parecesse. Seguindo, pois, o seu caminho, chegou à região montanhosa de Efraim, até à casa de Mica...” (Juizes 17:7-8).
Lá estava a presa perfeita! Qualquer um que se atreva a seguir seu próprio caminho será presa fácil nas mãos de quem tem sua agenda particular. Aquele levita tinha pedigree, e estava disposto a ficar onde melhor lhe parecesse. Só lhe faltava alguém que lhe fizesse uma boa oferta.
“...Perguntou-lhe Mica: Donde vens? Ele lhe respondeu: Sou levita de Belém de Judá e vou ficar onde melhor me parecer. Então, lhe disse Mica: Fica comigo e sê-me por pai e sacerdote; e cada ano te darei dez siclos de prata, o vestuário e o sustento. O levita entrou e consentiu em ficar com aquele homem; e o moço lhe foi como um de seus filhos. Consagrou Mica ao moço levita, que lhe passou a ser sacerdote; e ficou em casa de Mica. Então, disse Mica: Sei, agora, que o Senhor me fará bem, porquanto tenho um levita por sacerdote” (Juizes 17:9-13).
O jovem levita se entregou quando disse: “Vou ficar onde melhor me parecer”. Mica, sem perda de tempo, lhe fez a proposta: “Fica comigo!” O salário? Dez siclos de prata! Alguém ainda recorda quanto Mica recebeu de sua mãe? Mil e cem siclos de prata. Duzentos foram gastos na confecção dos ídolos. Ainda lhe restaram novecentos siclos de prata. Ele bem que poderia ter oferecido um salário mais digno ao levita. O que seriam dez siclos de prata por ano? Aquele jovem levita estava em liquidação! Era pegar ou largar.

A ausência de liderança pode resultar na ausência de senso de valores. Liderança é referência. E sem referência, a escala de valores se inverte.

Juízes 18 começa dizendo:“Naqueles dias, não havia rei em Israel”. Eis onde residia o problema! Naqueles dias não havia referência, ordem, autoridade, e isso provia a oportunidade pra todo tipo de exploração, desordem e descaso.

Enquanto Mica “assinava a carteira” do jovem levita, outra cena começava a se desdobrar do outro lado do reino anárquico de Israel.: “A tribo dos danitas buscava para si herança para habitar; porquanto até àquele dia entre as tribos de Israel lhe não havia caído em herança bastante sorte...” (Juizes 18:1).

Se não há liderança, aonde recorrer em casos de injustiça? Os filhos da tribo de Dã não estavam satisfeitos com a sua porção na distribuição da terra entre as tribos de Israel. Desde que Israel entrou na Terra Prometida, Deus havia levantado juízes aos quais Seu povo pudesse recorrer. Esses juízes serviram como líderes do seu povo durante alguns séculos, e tiveram papel importante em momentos de crise. Sansão havia sido o último deles até então. Sua morte abriu um hiato, que só seria preenchido com a chegada do último dos juízes, Samuel, que ungiria mais tarde o primeiro rei de Israel. Entre Sansão e Samuel, Israel viveu um tempo de completa anarquia. Além de não ter ninguém para liderá-los contra seus inimigos externos, as tribos de Israel começaram a guerrear entre si. E a mais importante questão que deflagrava a guerra civil em Israel era a distribuição de terras. Algumas tribos se sentiram injustiçadas, e queriam anexar novos territórios à sua herança. Entre essas tribos, estava a de Dã. Por que a tribo de onde viera o último Juiz de Israel, Sansão, o grande herói na resistência contra os filisteus, se daria por satisfeita com uma herança tão ínfima?

Nesse contexto, “enviaram os filhos de Dã da sua tribo cinco homens dos seus confins, homens valorosos, de Zorá e de Estaol, a espiar e rastejar a terra; e lhes disseram: Ide, rastejai a terra. E vieram à montanha de Efraim, até à casa de Mica, e passaram ali a noite...” (Juizes 18:2). Interessante notar a ordem dada àqueles valentes de Dã: “Ide, rastejai a terra”. Rastejar lembra a maneira como as serpentes se locomovem. Na bênção proferida por Jacó aos seus filhos antes de sua morte, encontramos: “Dã julgará o seu povo, como uma das tribos de Israel. Dã será serpente junto ao caminho, uma víbora junto à vereda” (Gn.49:16-17a). Isso nos remete à maldição de Deus proferida à serpente no Éden: “Sobre o teu ventre andarás...” (Gn.3:14). A conexão fica mais clara, quando o patriarca Jacó exclama: “A tua salvação espero, ó Senhor!” (Gn.49:18).

À semelhança dos filhos de Dã, Satanás é, por definição, aquele que se sente injustiçado por Deus. Para quem não basta ser “portador de luz”, tem que ser a própria fonte da luz. Assim como Dã cobiçou o lugar de outra tribo de Israel, Satanás é quem é capaz de cobiçar até a mais importante posição do Universo: o trono de Deus.

Deus disse a Josué que onde os filhos de Israel pusessem seus pés, o Senhor já lhes havia dado por herança. Por isso, os filhos de Dã rastejavam. Eles não poderiam colocar os pés naquilo que não lhes fora destinado.

Semelhantemente, o diabo rasteja. Ele não tem herança na Terra! A Terra e toda a sua plenitude pertencem ao Senhor, e nos foram entregues por herança.

Quando os espias de Dã chegaram à casa de Mica,“conheceram a voz do jovem, do levita; e chegaram-se para lá e lhe disseram: Quem te trouxe aqui, que fazes aqui e que é o que tens aqui? E ele lhes disse: Assim e assim me tem feito Mica; pois me tem assalariado, e eu lhe sirvo de sacerdote” (Juizes 18:3-4). Só faltava esta! Um levita dando sopa naquele território...

Embora estivesse no lugar errado, e na hora errada, ele tinha uma vantagem: era sacerdote. Independente da tribo a que pertencesse, qualquer filho de Israel respeitaria um levita sacerdote. Aproveitando sua presença inusitada, os danitas lhe pediram: “Ora, consulta a Deus a Deus, para que saibamos se prosperará o caminho que seguimos. Disse-lhes o sacerdote: Ide em paz. O caminho que seguis está perante o Senhor...” (Juizes 18:5-6).

O que se poderia esperar de um sacerdote vendido? Ele tinha que dançar conforme a música. Vendo o que os danitas pretendiam, o jovem sacerdote não pensou duas vezes. Para salvar sua pele, abençoou a empreitada dos danitas.

Muitos não buscam liderança, nem orientação, mas apenas a legitimação de seus atos. Não querem que alguém lhes diga o que fazer, mas apenas abençoe seus próprios empreendimentos. Agora, com o fôlego renovado depois da bênção proferida pelo sacerdote marionete, “foram-se aqueles cinco homens, e chegaram a Laís, e viram que o povo que havia nela estava seguro, conforme o costume dos sidônios, em paz e confiado. Não havia naquela terra falta de coisa alguma: era um povo rico e estando longe dos sidônios, não tinha relações com ninguém” (Juizes 18:7).

O preço do Isolamento

Os cidadãos de Laís formavam uma sociedade bem organizada, próspera, pacífica, porém, isolada. Adotavam o modelo e os costumes de Sidom, porém, não tinham qualquer compromisso com aquele povo. Eram apenas uma imitação da cultura sidônia. Viviam como os sidônios, mas não se relacionavam com eles. Eram, portanto, as vítimas perfeitas.

Mas faltava algo para que os danitas avançassem nas terras de Laís. Não bastava a palavra do sacerdote, eles queriam tê-lo do seu lado.
“Entrando eles, pois, na casa de Mica e tomando a imagem de escultura, a estola sacerdotal, os ídolos do lar e a imagem de fundição, disse-lhes o sacerdote: Que estais fazendo? Eles lhe disseram: Cala-te! Não digas uma palavra. Vem conosco, e sê-nos por pai e sacerdote. O que te é melhor? Ser sacerdote da casa de um só homem ou de uma tribo e de uma geração em Israel? Então o coração do sacerdote se alegrou. Tomou a estola sacerdotal, os ídolos do lar, a imagem de escultura e foi com o povo” (Juizes 18:18-20).
Déjá-vu! A sensação que temos ao ler este trecho é de que já vimos este filme antes. Alguém já havia feito oferta semelhante àquele jovem sacerdote: “Sê-nos por pai e sacerdote”. Até aí, nada de novo. Era a mesma oferta que Mica lhe havia feito. Porém, algo novo foi introduzido: “O que te é melhor?...” Ora, entre ser sacerdote de uma casa, e ser sacerdote de uma tribo e de uma geração, estava claro o que parecia melhor para aquele inexperiente levita. Sem pestanejar, o sacerdote tomou os ídolos de seu patrão, a estola que havia recebido dele, e partiu com os danitas. Ele não apenas virou a casaca, traiu seu chefe, como também saqueou sua casa. Mica ficou sem eira nem beira, sem sacerdote e sem seus ídolos.

Quem se vende uma vez, sempre estará disponível para a venda. Ou como disse alguém, quem serve a Deus por dinheiro, servirá ao diabo por um salário melhor. A oferta feita pelos danitas era irrecusável. Além de sustento, ele teria mais prestígio.

Pena que esta história não tem um final feliz. Pelo menos, não para os moradores de Laís.
“Então levaram o que Mica havia feito, e o sacerdote que tivera, e chegaram a Laís, a um povo pacífico e confiado. Feriram-nos ao fio da espada, e queimaram a cidade a fogo...” (Juizes 18:27).
E por que os cidadãos daquela cidade rica tiveram um fim tão triste?
“...Ninguém houve que os livrasse porque estavam longe de Sidom, e não tinham relação com ninguém” (Juizes 18:28a).
Não adiantava para eles, viver como sidônios, estando longe de Sidom. Aprendemos com isso que quanto mais isolados somos, mais vulneráveis nos tornamos. Se quisermos estar preparados para eventuais investidas do inimigo, não podemos abrir mão de dois elementos essenciais: liderança e comunhão.

1 - Anarquismo é uma palavra que deriva da raiz grega αναρχία — an (não, sem) e archê (governo). 

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