Por Hermes C. Fernandes
Deus não nos enviou ao mundo para convertê-lo, mas para amá-lo. Conversão são outros quinhentos e não cabe a nenhum de nós. Achar-se capaz de converter o mundo beira à presunção.
O amor deve ser totalmente despretensioso, entregando-se voluntariamente sem esperar resultado algum. De modo que, se não formos correspondidos, isso não nos afetará. Nem mesmo a ingratidão nos fará desistir de amar. O alvo supremo do amor sempre é o bem de quem se ama.
Qualquer coisa que se faz na expectativa de algum retorno não é amor, mas barganha, e, portanto, contrário ao espírito do evangelho.
Muitas igrejas têm promovido trabalhos sociais dignos de louvor. Todavia, o índice de frustração é muito grande, pois os mesmos não vêm acompanhados de resultados considerados satisfatórios.
A meu ver, precisamos rever nossos paradigmas.
Aproveitar a dor alheia para empurrar nossa visão religiosa não é evangelismo, mas proselitismo, do tipo adotado pelos fariseus; em vez de alívio, agrava o sofrimento, tornando-o insuportável. Jesus os advertiu, dizendo:“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós” (Mt. 23:15).
Nosso modelo de evangelização ainda está atrelado à visão colonialista europeia. Nossa abordagem está contaminada pela presunção de que temos algo que os outros não têm. Somos os civilizados, e eles, os selvagens. Somos os cristãos, e eles, os pagãos. Temos Cristo, eles não.
Oferecemos ajuda humanitária como uma moeda de troca, exatamente como os espanhóis e portugueses faziam com os índios ao oferecer-lhes bugigangas tais como espelhos e pentes.
É claro que almejamos compartilhar Cristo ao maior número possível de pessoas. Todavia, antes disso, devemos compartilhar nossa própria alma de maneira despretensiosa (1 Ts.2:8).
Por conta do forte proselitismo de algumas igrejas e instituições cristãs, as pessoas já estão escaldadas. Qualquer aproximação é vista com suspeita. Nossas obras sociais e humanitárias se tornaram a isca que camufla o anzol.
Jesus disse que faria de Pedro e André pescadores de homens. Todavia, o tipo de pesca que eles faziam era com rede e não com vara. Portanto, dispensava o uso de iscas.
Será que a intenção de Jesus ao multiplicar aqueles pães e peixes era meramente proselitista? Então, por que não houve um “apelo evangelístico” após alimentar a multidão?
E quando a igreja em Jerusalém resolveu assumir os cuidados das viúvas da comunidade, elegendo diáconos para dedicar-se a esse “importante negócio”, havia alguma intenção “evangelística”? Ou teriam sido movidos exclusivamente por amor?
Alguns poderão contestar dizendo: Se amamos as pessoas, queremos vê-las salvas. Concordo! Mas não me parece ético se aproveitar de uma necessidade material ou emocional para apresentar o evangelho. Seria mais ou menos como um político cheio de boas intenções oferecendo dentaduras e botijões de gás para quem lhe der o voto.
Repito: precisamos rever nossos paradigmas.
Quero propor aqui uma abordagem diferente. Em vez de presumir que levaremos Deus a eles, nossa visão será a de buscar Deus neles.
Haveria algum embasamento bíblico para isso?
Jesus disse que no último dia seríamos julgados pelo bem que houvéssemos feito a Ele próprio, isto é, pela comida com que O alimentamos, a roupa com que cobrimos Sua nudez, a visita que Lhe fizemos na cadeia, etc. E quando perguntássemos quando tais coisas teriam ocorrido, Ele responderia: Quando fizeram a um dos meus pequeninos.
Engana-se quem pensa encontrar Cristo na suntuosidade das catedrais. Ele está à nossa espera sob as marquises e pontes dos grandes centros urbanos, nas cadeias superlotadas, nos lixões e bolsões de miséria.
Em outras palavras, aquele gente sofrida tem muito mais a nos oferecer do que nós a ela. Seu sorriso é o sorriso de Cristo. Abraçá-la é sentir o calor dos braços d’Aquele a quem servimos.
Antes de querer convertê-los a Cristo, devemos descer de nosso pedestal religioso e converter-nos a eles. E quando, finalmente, buscarmos Deus neles, eles O encontrarão em nós.
O tipo de amor que devemos dispensar-lhes é aquele esboçado por Paulo ao declarar: “Eu de muito boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado” (2 Coríntios 12:15).
Não espere resultados! Apenas, ame. Gaste-se. Doe-se. Entregue-se por inteiro. E tudo isso só será possível onde houver a morte do nosso eu com todas as suas pretensões e presunções. Somente aí o fruto virá. Jesus diz que “se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto” (João 12:24). Talvez esta seja a razão pela qual os frutos têm sido escassos. O grão tem caído na terra, mas não tem morrido. Temos amado, mas quando não somos devidamente correspondidos, sentimo-nos frustrados e desistimos de amar.
Para reverter isso, a única saída é a cruz. Nosso “eu” não merece outro tratamento senão a morte. Então, o fruto virá em abundância. Colheitas ocorrerão naturalmente, sem que tenhamos que recorrer a expedientes mirabolantes. Deixemos nossas estratégias marqueteiras. Façamos com a mão direita sem que a esquerda tome conhecimento. Sejamos movidos exclusivamente por amor e não por interesses, ainda que os mais nobres. O máximo que conseguiremos através de nossas estratégias serão adesões. Entretanto, os frutos não permanecerão. Deixemos por conta d’Ele aquilo que só Ele é capaz de produzir: verdadeiras conversões. Quanto a nós, amemos... não só com palavras, mas de fato.
Em vez de evangelização ostensiva, proponho que promovamos uma amorização despretensiosa, cheia de compaixão e carinho, sem qualquer outra intenção que não seja o bem daqueles a quem devotamos nosso amor.
Abaixo, "Índios", uma das mais belas canções de Renato Russo que intui acerca do que trato neste texto.
Em vez de evangelização ostensiva, proponho que promovamos uma amorização despretensiosa, cheia de compaixão e carinho, sem qualquer outra intenção que não seja o bem daqueles a quem devotamos nosso amor.
Abaixo, "Índios", uma das mais belas canções de Renato Russo que intui acerca do que trato neste texto.