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Minha relutante resposta aos críticos do lava-pés

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Após lavar os pés, também os beijamos reverentemente com pedido de perdão


Por Hermes C. Fernandes

Hoje faz uma semana em que me envolvi numa polêmica em torno da cerimônia de lava-pés que fizemos em nossa igreja com a presença de uma equipe de jornalismo da Rede Globo. Prometi a mim mesmo que não responderia aos artigos escritos recentemente para criticar meu gesto. Mas, deixei-me vencer pela insistência de alguns em postar tais matérias em minha página dia após dia como quem exige uma resposta. Apesar de relutante, lá vou eu. 

Agradeço ao Pr. Renato Vargens pelo tom respeito com que apresentou as razões de sua discordância. Agradeço ao Pr. Ciro Sanches Zibordi por haver omitido o meu nome, talvez para me poupar. E estendo meu agradecimento ao Pr. Wagner Lemos e a todos que se dedicaram a escrever suas críticas sinceras. Estou convencido de que sua intenção foi a melhor possível.

O que deixou muitos constrangidos foi o fato de havermos lavado os pés de pessoas que representavam segmentos da sociedade vítimas de todo tipo de preconceito e intolerância. Meus críticos foram unânimes em dizer que o lava-pés teria sido desnecessário, e que, bastaria apresentar-lhes o evangelho, ponto. Pergunto: Alguém já experimentou lançar sementes no asfalto? Ora, o coração de muitos oriundos dos segmentos ali representados está endurecido graças às sucessivas camadas de piche que alguns setores da igreja insistem em lançar. Refiro-me ao piche do preconceito, da discriminação, da demonização, da falta de respeito, do desamor. Um simples gesto pode remover este piche e preparar o solo para receber a semente.

Vejam o caso em que Jesus se oferece para se hospedar na casa de Zaqueu. Os religiosos da época ficaram furiosos. Como Ele poderia entrar na casa de um publicano? Mas foi justamente este gesto que desarmou o coração do cobrador de impostos. Sem que Jesus lhe dissesse uma única palavra sobre arrependimento, ele se abriu à boa nova e deu demonstração disso ao decidir devolver quadruplicadamente tudo o que havia extorquido de seus patrícios.

Não sei como chegaram à conclusão de que o evangelho não foi pregado naquela manhã. Meus críticos deveriam ter visto os olhos lacrimejados da multidão que acompanhava a cerimônia. Mesmo os jornalistas se mostraram emocionados. A presença de Deus era notória em nosso meio. A cerimônia foi precedida de louvores e de uma palavra abordando a mensagem central do evangelho: o amor.

Fui acusado de dar um sentido distinto e praticamente antibíblico ao lava-pés. Ora, desde quando o lava-pés recebeu o status de sacramento? A lição que Jesus intentou dar aos Seus discípulos era de humildade. Alguns objetarão: mas eram discípulos, não pagãos! Ok. Mas respondam-me com honestidade: qual seria maior, a distância entre Jesus e os Seus discípulos ou entre nós e os que consideramos pecadores? Se Deus feito homem pode descer a ponto de Se fazer o serviçal da casa, por que eu, um mero mortal, cheio de pecados, não poderia descer de meu pedestal episcopal para lavar os pés de gente como eu, tão dependente da graça como qualquer outro?

Mesmo tendo visto Jesus entrar na casa de alguém como Zaqueu e ter Se oferecido para ir à casa de um centurião pagão, Pedro não quis ir à casa de Cornélio pelo simples fato de ser um gentio. Um santo como ele não poderia ser flagrado na companhia daquela gentalha. Foi necessário que Deus lhe desse uma visão e lhe advertisse: "Não chame impuro ao que eu purifiquei" (At.11:9).

Ora, Cornélio ainda não havia ouvido o evangelho! Não havia se arrependido de seus pecados. Nem confessado a Cristo como Salvador. Contudo, Deus o declara purificado. Será que Pedro se recusaria a lavar-lhe os pés?

O fato é que cansei de ficar desentulhando poços já cavados, como fez Isaque por um tempo (Gn.26). Dá um trabalhão remover o entulho, aí vem alguém e o lança de volta para interditar o poço. Resolvi abrir novos poços. Não vou ficar em Roma discutindo com judeus (Leia At. 28), enquanto há um mundo de gentios à nossa espera. Já que os convidados para ceia estão tão ocupados para comparecer, saiamos em busca dos excluídos, oprimidos, marginalizados. Ninguém naquela época daria um banquete sem que antes lavasse os pés dos convidados (Lc.14:23). Há lugar para todos. Se quisermos alcançar os que estão vacinados contra o evangelho, teremos que romper com este discurso exclusivista, construindo pontes em vez de escavar abismos.

Querem perder tempo discutindo o sexo dos anjos ou um gesto simbólico, que percam. Enquanto isso, uma guerra nada santa parece prestes a eclodir.

Fui acusado de ecumenismo. Houve quem dissesse até que eu não deveria ter recebido pessoas daquelas em nossa igreja. Sugeriram que receber uma mãe-de-santo me colocava na obrigação de corresponder à visita e, ainda por cima, submeter-me a algum ritual religioso.

Parafraseando Paulo, como ouvirão se não forem convidados? E quer saber? Se me convidarem a ir a um centro espírita, irei com o maior prazer. O Jesus a quem sirvo foi capaz de descer ao inferno e pregar aos espíritos em prisão (1 Pe.3:19). Por que eu me recusaria a entrar num ambiente onde as pessoas se dispusessem a me receber amorosamente? Perguntaram-me em tom jocoso se eu pregaria numa “igreja gay”. Ora, ora... o que haveria lá, senão seres humanos carentes da mesma graça que nós? E digo mais; convidem-me para uma mesquita, e irei com prazer. Convidem-me para uma missa, e lá estarei. Alguns dos paladinos da ortodoxia andam frequentando ambientes nada recomendados, e não o fazem com o afã de anunciar o evangelho... Deveriam se envergonhar de frequentar alguns gabinetes em busca de favores, negociando os votos de seu rebanho...

Pouco antes de meu pai falecer, ele entrou num centro espírita vizinho à sua casa e saiu abraçando todo mundo. Todos ficaram pasmos. Que pastor era aquele que não os discriminava? Quando seu corpo foi removido de casa, aquela família veio para a calçada despedir-se dele com um caloroso aplauso. No domingo passado, quando fui buscar minha mãe para trazê-la para o culto, deparei-me com um dos donos daquela casa saindo com uma bíblia debaixo do braço. Catorze anos se passaram. Aqueles abraços frutificaram. Sem dedos à riste. Sem condenação. Sem intolerância. Hoje aquela família abraçou a fé cristã. E ainda que não houvesse se convertido, jamais deixaria de ser amada.

Por fim, alguns demostraram incômodo pelo fato de tal gesto ter sido feito ante a câmera da Rede Globo. Recorreram à passagem onde Jesus diz que o que mão direita fizesse, a esquerda não deveria saber. Para os meus críticos, tudo o que fiz foi em busca de fama, de notoriedade, de aplausos. Para os tais, agi politicamente correto para ser aceito e aclamado. Definitivamente, não conhecem o meu coração. A mesma passagem pinçada do Sermão da Montanha, também diz que a nossa luz deve resplandecer diante dos homens, para que vejam nossas boas obras, e, assim, glorifiquem a nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16). E não é que funciona mesmo? Minha caixa de mensagem ficou lotada de manifestações de carinho e admiração que partiram de umbandistas, candomblecistas, homossexuais e até de ateus, além de inúmeros irmãos conscientes e solidários. 

O que Jesus diria se O criticassem por haver lavado os pés de pecadores? Não tenho dúvida de que diria algo do tipo: “Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt.20:15). Em nosso caso, devo admitir que não somos bons, nem tampouco melhores do que aqueles de quem lavamos os pés ou dos que nos criticam. Todavia, nosso amor não pode ficar restrito aos que nos amam. Como disse Jesus, "se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus" (Mt.5:46-48). O que motivou Jesus a lavar os pés de Seus discípulos não foi outra coisa se não o amor. Como diz o texto, "ele os amou até o fim". Que este mesmo amor nos impulsione, não apenas a lavar os pés dos que devemos amar, mas até a dar nossas vidas por eles. 


P.S. Tenho que dar as mãos à palmatória! De fato, Ele não lavou os pés de prostitutas. Mas teve Seus pés lavados pelas lágrimas e o perfume de uma delas. E foi severamente julgado pelo fariseu dona da casa.

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