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Projeto Lei contra piadas religiosas do Porta dos Fundos é votado no Rio de Janeiro

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Por Hermes C. Fernandes

A bancada evangélica do Rio de Janeiro pretende aprovar um projeto lei que criminaliza piadas envolvendo crenças religiosas. A votação da PL está programada para esta quarta-feira em regime de urgência e prevê multa de até R$ 270 mil para quem satirizar ou ridicularizar dogmas e crenças de todas as religiões. O projeto é de autoria do deputado Fábio Silva, filho do empresário e ex-deputado Francisco Silva, proprietário da Rádio Melodia FM. Caso seja aprovada, a lei proibirá  o uso de imagens de cunho erótico vinculadas a qualquer religião ou crença. Além da multa, quem descumprir a proposta de lei ficará impedido de realizar eventos públicos que dependam de autorização dos poderes públicos por cinco anos, e não poderá receber recursos públicos por dez anos. 

O projeto lei tem endereço certo e visa coibir grupos como o dos humoristas do Porta dos Fundos de fazer esquetes que brinquem com símbolos cristãos, bem como manifestações como a realizada na última Parada Gay em que uma transexual encenou a crucificação de Cristo. 

Já virou rotina os humoristas do Porta dos Fundos provocarem a ira dos evangélicos. Em um de seus vídeos, eles fazem escárnio explícito da mais popular festa cristã: o Natal.  Rapidamente, pastores e líderes vieram a público pedirem para que os crentes boicotassem seu canal no youtube

Concordo com meus colegas que o pessoal do Porta dos Fundos tem abusado de sua liberdade de expressão, desrespeitando a crença de milhões de brasileiros. Todavia, não comungo da ideia de que a melhor saída seja o boicote ou mesmo a promulgação de uma lei. A meu ver, isso só faz propagar ainda mais o canal. Creio ter sido esta a intenção dos humoristas. Pessoas que nunca tiveram qualquer interesse em conhecê-lo, certamente o farão quando ouvirem de seus líderes a recomendação de evitá-lo.

É preferível simplesmente ignorar. 

Ademais, se não demonstrarmos qualquer incômodo com suas piadas religiosas, eles provavelmente desistirão. Funciona mais ou menos como o bullying na escola. Se sentir-se ofendido, continuará até lhe tirar do sério. Se não importar-se, vai minguando até acabar. 

Apesar do admirável zelo demonstrado pelos defensores da fé, há algo que me deixa preocupado. Será que se eles fizessem piadas com os excluídos, os oprimidos, com os que não se enquadram nos moldes do sistema, demonstraríamos o mesmo zelo em defendê-los? Por que só nos manifestamos em causa própria? E se a brincadeira envolvesse símbolos de outras tradições religiosas? Isso não revelaria o quão corporativistas temos sido? 

Sinceramente, prefiro levar na esportiva. Confesso que, às vezes, até rio. Se não da piada em si, da ignorância de quem a contou. 

Outra questão que julgo relevante: até que ponto não somos nós mesmos os culpados por termos nossa fé alvo de tantas chacotas? Que tipo de cristianismo temos vivido? Talvez devêssemos aproveitar a ocasião para fazer uma mea culpa e reavaliar alguns de nossos posicionamentos junto à sociedade e às suas demandas. Se assim procedermos, talvez o que seja motivo de riso para alguns, se torne motivo de lágrimas para nós, conduzindo-nos ao arrependimento de nossa apatia e de nossa fé caricata. Não é a Cristo que atacam, nem mesmo os nossos mais caros símbolos, mas ao nosso cristianismo alienado e descomprometido com a ética do reino de Deus. 

Creio que no juízo haverá menos rigor com quem conta piadas sobre a nossa fé do que com quem torna nossa fé motivo de piadas. 


P.S.: No final dos anos 70, em duas ocasiões distintas, nossa casa e nosso carro foram apedrejados sob os gritos de "Tim Tones! Pastor ladrão!" Tudo devido a um quadro do programa de Chico Anísio em que ele criticava a atuação de pastores evangélicos através do personagem Tim Tones, uma sátira ao pregador norte-americano Jim Jones, responsável pelo suicídio coletivo de 900 fiéis. Lembro-me perfeitamente de todo bullying que eu e meus irmãos sofríamos na escola quando nossos colegas descobriam que éramos filhos de pastores. Numa das vezes, fui perseguido pelas ruas de Quintino por nove colegas que queriam me dar uma surra. Tive que me esconder atrás do balcão de uma farmácia. Tudo por causa de piadas religiosas. Apesar disso, sigo sendo a favor da total liberdade de expressão. Não venceremos o preconceito simplesmente por impormos nossa fé ou nossa cosmovisão. Isso só piora as coisas e nos faz cada vez mais motivo de chacota.



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