Quantcast
Channel: Hermes C. Fernandes
Viewing all articles
Browse latest Browse all 1313

De Letícia Sabatella a Ariovaldo Ramos: As novas vítimas da intolerância

$
0
0


Por Hermes C. Fernandes

Em tempo de polarização política, era de se esperar que voassem farpas para todo lado. O problema se agrava quando os que se apresentam como os paladinos da moral e da ética atacam injustamente seus oponentes. E o pior é que instigam outros a empreenderem uma verdadeira cruzada de ódio visando desmoralizar os que se atrevem a pensar diferentemente.

Quero tomar alguns exemplos, tanto do mundo artístico, quanto do mundo religioso, em especial, do mundo evangélico.

Recentemente o jornalista Rodrigo Constantino, ex-articulista da Veja, publicou uma lista de artistas que a seu ver deveriam ser boicotados por se pronunciarem contrários ao impeachment da presidente Dilma. Sua sugestão foi dada em tom imperativo: "Não comprem mais nada deles. Não assistam seus programas, não leiam suas colunas. Não comprem seus livros, não vão às suas peças de teatro, não comprem seus CDs. Eles precisam saber que não será impune atentar contra a democracia brasileira. Xô, petralha!"

Entre seus alvos estão grandes e reconhecidos talentos da música, do teatro, do jornalismo. Gente do quilate de Chico Buarque, Gilberto Gil, Wagner Moura, Gregório Duvivier, Jô Soares, Camila Pitanga, Marieta Severo, Luís Fernando Veríssimo, Alcione, Beth Carvalho, Tonico Pereira, Dinho Ouro Preto, Chico César, Marcelo Adnet e Letícia Sabatella. 

Letícia Sabatella e Wagner Moura, talvez devido à sua visibilidade e seu engajamento nas redes sociais, foram duas das principais vítimas desta caça às bruxas. O perfil de Letícia no facebook que chegou a ser suspenso, sofreu vários ataques de trolls que destilaram seu ódio injustificável com acusações infundadas, insultos e palavras de baixo calão. Quem a segue como eu faço já a algum tempo, sabe de sua postura aguerrida, porém, dócil e equilibrada, que não dá margem para este tipo de reação estúpida e estapafúrdia. 

Uma das acusações que seus detratores fazem diz respeito ao fato de Letícia e outros artistas que se opõem ao impeachment serem beneficiados pela Lei Rouanet, como se a mesma houvesse sido sancionada pelo atual governo. A tal lei foi sancionada ainda no governo de Fernando Collor de Mello, e nada mais é do que a concessão do direito dos artistas de recolher fundos privados com incentivo fiscal para possibilitar o desempenho de seu trabalho artístico, visando com isso, garantir que a população tenha acesso à cultura e à arte como sendo uma necessidade básica de uma sociedade democrática. Qualquer artista, independentemente de seu posicionamento político, tem o direito de recorrer a esta lei. Alguns dos artistas mais engajados em favor do impeachment também foram contemplados pela Lei Rouanet, dentre eles, o Lobão e o cineasta José Padilha. Nem por isso, o governo os impediu de serem beneficiados. 

Não importa de que lado da trincheira estão, e sim o talento que expressam em sua arte. Não é justo destruir a reputação de artistas que já nos brindaram com momentos inesquecíveis, quer com sua música ou com sua performance no teatro, no cinema ou na TV.  Eles deveriam ser o orgulho nacional e não motivo de chacota e ataques inescrupulosos de quem se morde de inveja de seu talento. 

O mesmo tem ocorrido no mundo religioso, e, em particular, no mundo evangélico.

Recentemente, Dom Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo, foi atacado por uma mulher durante a celebração de uma missa na Catedral da Sé. Além dos arranhões em seu rosto e derrubar sua mitra, Dom Odilo foi xingado de comunista. Aos gritos, ela dizia: "Você e a CNBB são comunistas infiltrados; não podem fazer isso com a minha igreja." Atitudes grotescas como esta são encorajadas por um discurso de ódio como o encontrado em um dos vídeos de Olavo de Carvalho em seu canal no Youtube, onde o filósofo que se tornou o guru da direita brasileira vocifera contra Dom Odilo, chamando-o de comunista excomungado, e dizendo não reconhecê-lo como bispo. Muitos dos haters que atuam na internet bebem desta fonte, usando palavras de baixo calão e outros insultos tão comuns nos vídeos de Olavo. Triste é saber que boa parte daqueles que o seguem é cristã protestante. 

No meio evangélico, o porta-voz deste tipo de postura é, sem dúvida, o pastor Silas Malafaia. Em vídeo recente, ele afirmou que os pastores que assinaram um manifesto contrário ao impeachment estariam recebendo dinheiro do governo. A partir daí, pastores como Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz, Neil Barreto e outros tornaram-se alvos de ataques por parte de "irmãos em Cristo". Foram chamados de "falsos profetas", vendidos, mercenários. Tudo por saírem em defesa do estado de direito e serem contrários à maneira como o processo está sendo conduzido. Trata-se de homens que não se enriqueceram com o ministério. Não são vistos cruzando os céus em seus próprios aviões. Ao contrário de alguns de seus detratores.

O próprio Silas que hoje faz campanha ostensiva para derrubar o governo, não faz muito tempo, surpreendeu seus telespectadores ao agradecer à presidente Dilma pela sanção da Medida Provisória (MP) 668 que, não só ampliou a isenção tributária de igrejas, incluindo as comissões pagas a pastores como ajuda de custo, como também livrou muitas denominações de multas milionárias. Silas Malafaia e o missionário R. R. Soares foram dois dos principais beneficiários da MP, graças à atuação de ninguém menos que Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Silas se livrou de uma multa de R$ 1,5 milhão, enquanto o presidente da Igreja Internacional da Graça se livrou de uma multa de R$ 220 milhões. Dentre os beneficiários, estariam Robson Rodovalho, bispo da Sara Nossa Terra e Mário de Oliveira da Igreja do Evangelho Quadrangular. À luz disso, não faz qualquer sentido atacar os pastores da Missão Integral acusando-os de receberem qualquer benefício do governo. 

Não expus tais fatos para credibilizar a uns ao custo do descrédito de outros, mas com o objetivo de demonstrar que não vale a pena recorrer à difamação para impor seu posicionamento em detrimento de outros. De ambos os lados da trincheira, há gente de bem, mas também há gente do mal, que só almeja se locupletar, nem que para isso tenha que ver o circo pegando fogo. 

O que atenta contra a credibilidade de um ministro ou de um artista não é seu posicionamento político ou ideológico, e sim o faltar com a ética, com o decoro, agindo de maneira incoerente com aquilo que professa. 

Viewing all articles
Browse latest Browse all 1313