Por Hermes C. Fernandes
Não é de hoje que a dança é um tabu entre os cristãos de diversas tradições.Há quem a admita apenas como expressão cultural ou de interação social, mas jamais como instrumento de louvor a Deus. E há quem faça o caminho inverso, usando e abusando da dança no ambiente de culto, porém, desprezando-a fora dali.
Pesquisando pela internet encontrei várias advertências quanto ao seu uso pelos cristãos. De acordo com o site Jesus Voltará, a igreja metodista condena a dança, alegando que ela é "prejudicial à vida cristã. O mesmo site afirma que para a igreja congregacional, "a prática da dança por parte dos membros de nossa igreja não condiz com a profissão religiosa, devendo ser tornada objeto de disciplina. A igreja presbiteriana consideraria "a prática de dança por parte dos membros da igreja como pasmosa incoerência", e alerta aos pais que enviarem seus filhos a escolas de dança de estarem cometendo um grave erro na disciplina da família. Para o bispo A. C. Coxe da igreja episcopal, "a dança é lascívia". O mesmo bispo advertiu aos dançadores a não participarem da mesa da comunhão. O bispo Hopkins, também da igreja episcopal, acrescenta: “A dança é responsável pela dissipação de tempo, a condescendência para com a vaidade pessoal e o incitamento prematuro das paixões, e artifício nenhum pode torná-la condizente com o pacto do batismo.” Nem mesmo a igreja católica romana se posicionou favorável à dança. O Concílio Pleno de Baltimore diz:“Consideramos ser nosso dever advertir nosso povo contra os divertimentos que possam facilmente tornar-se para eles ocasião de pecado, contra as modalidades de danças que, como praticadas presentemente, repugnam a todo sentimento de delicadeza e decoro, e se fazem acompanhar dos maiores perigos para a moral.”[1]
Apesar de todos estes posicionamentos contrários à dança, ela nunca esteve tão presente na vida eclesiástica quanto atualmente. Deixando de lado as opiniões denominacionais, verifiquemos o que dizem as Escrituras acerca desta prática que acompanha a humanidade desde os seus primórdios.
Apesar de todos estes posicionamentos contrários à dança, ela nunca esteve tão presente na vida eclesiástica quanto atualmente. Deixando de lado as opiniões denominacionais, verifiquemos o que dizem as Escrituras acerca desta prática que acompanha a humanidade desde os seus primórdios.
# Dança como expressão de louvor a Deus nas Escrituras
Não faz muito tempo que algumas igrejas resolveram adotar a dança em seus cultos. Porém, no afã de evitar escândalo, principalmente por parte dos mais conservadores, adotou-se a nomenclatura “coreografia” em vez de “dança”. A princípio, os grupos de coreografia apresentavam perfomances comedidas, com passos e gestos bem sóbrios.
Com o passar do tempo, alguns grupos aderiram ao mover conhecido como dança profética. O termo ‘dança’ em conexão com o termo ‘profética’ tornou a prática mais palatável entre os considerados mais espirituais, despindo-a de sua conotação mundana. Segundo os expoentes do movimento, a dança profética teria o objetivo de trazer mensagens à congregação, levando-a a uma adoração mais profunda. Deste mover, desenvolveu-se a adoração extravagante, em que os participantes expressam seu louvor a Deus com canções e danças improvisadas.
Já entre os pentecostais clássicos surgiu o movimento conhecido como re-te-té, em que as pessoas são tomadas por uma espécie de êxtase, rodopiando ou marchando pelo salão da igreja. Tais manifestações exóticas são consideradas por estes grupos como danças espirituais, embaladas pelo som de pandeiros e corinhos de fogo cujo ritmo e harmonia lembram pontos cantados em terreiros de religiões afro-brasileiras.
Apesar de nossas reservas devido aos abusos cometidos em alguns movimentos, não podemos negar que haja fundamentação bíblica para o uso da dança como expressão de louvor a Deus.
Lemos no relato do Êxodo dos hebreus, que após atravessarem o Mar Vermelho,“Miriã, a profetiza, a irmã de Arão, tomou o tamboril na sua mão, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris e com danças” (Êx. 15:20).
Alguns poderão alegar que Miriã provavelmente estava sob influência cultural egípcia, e que àquela altura o povo de Israel ainda não havia desenvolvido sua própria maneira de cultuar a Deus. Entretanto, encontramos outro episódio ocorrido vários séculos depois, quando Israel já estava devidamente estabelecido como nação, e o culto a Deus já havia sido normatizado. Trata-se da passagem em que Davi trouxe de volta a Jerusalém a Arca da Aliança. O texto diz que“Davi, vestindo o colete sacerdotal de linho, foi dançando com todas as suas forças perante o Senhor, enquanto ele e todos os israelitas levavam a arca do Senhor ao som de gritos de alegria e de trombetas” (2 Sm. 6:14-15). Censurado por sua própria esposa que o acusou de querer exibir-se perante suas servas, Davi se justificou: “foi perante Senhor que dancei; e perante ele ainda hei de dançar” (2 Sm 6:21). Aos que insistem em associar a dança com irreverência, pergunto: Estaria Mical com a razão? Teria Davi cometido algum excesso?
Não bastassem esses dois casos, encontramos uma orientação clara no livro dos Salmos, que, diga-se de passagem, foi fartamente usado pela igreja primitiva como base do seu culto a Deus:
“Louvai-o com o tamborim e a dança, louvai-o com instrumentos de cordas e com órgãos.” Salmos 150:4
A maioria que discorda do uso da dança como elemento de culto alega não haver no Novo Testamento qualquer orientação acerca disso. Porém, sabemos pelo próprio Paulo, que a igreja deveria usar os Salmos em seu culto a Deus. Confira:
“Falando entre vós em salmos, e hinos, e cânticos espirituais; cantando e salmodiando ao Senhor no vosso coração.” Efésios 5:19
Teria Paulo e os demais apóstolos censurado o Salmo 150 que nos orienta a louvar a Deus com danças? Recuso-me a crer nesta possibilidade. Imagine a cena: todos estão declamando este salmo, quando, de repente, alguns começam a dançar. Paulo, então, interrompe a leitura e diz: “Parem com isso agora mesmo! Que irreverência! Vocês podem ler, mas não praticar!” Ora, isso não me parece razoável.
E o que dizer dos Salmos 87 e 149? Também deveriam ser censurados?
“Com danças e cânticos, dirão: "Em Sião estão as nossas origens!”
Salmos 87:7
Salmos 87:7
“Louvem eles o seu nome com danças; ofereçam-lhe música com tamborim e harpa.” Salmos 149:3
A exigência neotestamentária é que o culto deve ter ordem e decência (1 Co.14:40). Porém isso, de maneira alguma, exclui expressões corporais, desde que não sejam apelativas e sensuais. Ademais, por que numa aliança caracterizada pela liberdade faltaria um elemento como a dança tão apreciada sob a primeira aliança? Seria, no mínimo, um contrassenso acreditar que os que vivem sob a égide da graça seriam privados de um bem tão comum aos que viveram sob o peso da lei.
Que tem havido abuso quanto ao uso da dança no culto, não me atrevo a discordar. Só não vejo razão para jogar fora o bebê junto com a água suja do banho. Basta que eliminemos os exageros para que encontremos um equilíbrio.
Penso que haja lugar tanto para danças ensaiadas (performáticas) como para danças espontâneas e congregacionais. Tudo dentro de um padrão descente e devidamente ordenado. Sem chocarrices. Sem histeria. Sem êxtases. Apenas corações tomados da alegria do Espírito, desejosos de expressar sua gratidão a Deus.
Décadas atrás, a igreja debatia se deveria ou não usar instrumentos musicais em seus cultos. Hoje, esta temática parece estar ultrapassada. Tanto órgãos como guitarras elétricas e baterias são facilmente encontrados em igrejas de praticamente todas as denominações. Acredito que o mesmo se dará com o uso de dança nos cultos.
Os pregadores podem ficar tranquilos que a dança jamais substituirá a pregação da Palavra, nem os louvores congregacionais. Se porventura isso ocorrer, compete ao ministro chamar a atenção de sua congregação para que reencontre o equilíbrio perdido.
No próximo post abordaremos a dança como expressão cultural e de interação social. É lícito ao cristão praticar ballet, dança de salão, valsa de debutante, etc?