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A vergonha de Deltan Dallagnol na Lagoinha e a tolice de André Valadão

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Por Hermes C. Fernandes

Que pastor midiático esperaria que seu rebanho virasse as costas e deixasse o recinto do templo no momento em que seu púlpito fosse entregue a um procurador da república responsável pela Lava Jato? Pois isso ocorreu na igreja da Lagoinha em Belo Horizonte no “culto fé” dirigido pelo pastor e cantor André Valadão. Pelo menos, de acordo com o próprio, em seu desabafo feito no mesmo culto na semana seguinte. Valadão fez críticas ácidas aos frequentadores de seu culto após a sua inusitada reação ao receber Deltan Dallagnol.

Segue abaixo o desabafo seguido de meu parecer sobre o episódio.

 “Eu falo com você esta noite: Chega de tolice! Vamos dizer? Chega de tolice! São 16 anos que Deus tem me dado a graça de estar aqui na igreja pastoreando voluntariamente e é um prazer muito grande. O “culto fé”, já são aí mais de quinze anos que este culto acontece e tem sido uma grande bênção. Mas os irmãos não entendem aqui, talvez, a força que eu tive que fazer para estar com vocês esta noite, devido à tristeza e a decepção que eu tive com vocês na terça-feira passada. Os irmãos não tem ideia da vergonha que eu passei com a movimentação no culto de tantas pessoas indo embora na terça-feira passada. A atitude da falta de educação de vocês, falta de respeito, falta de interesse. E eu não quero que ninguém saia, por favor. A atitude que vocês tiveram na terça-feira passada me fez repensar em ter o prazer está com vocês na terça-feira. Foi uma atitude completamente infantil, sem educação; uma atitude de desprezo. Uma postura que eu fiquei pensando comigo: quem são estas pessoas que frequentam este culto. Qual o seu interesse de estar aqui neste culto? Tu tá fazendo o que aqui nesta igreja? Eu falo com amor com vocês. Pode ter certeza que eu falo com amor. O que aconteceu na terça-feira passada nesta igreja eu espero que não aconteça nunca mais nos próximos anos na terça-feira. Vocês foram sem educação, desrespeitosos, absurdamente egoístas. Tiveram uma atitude completamente irreverente com a pessoa que veio nesta igreja. Em mais de quinze anos de culto fé, a pessoa mais importante humanamente dizendo foi a pessoa que veio a este culto terça-feira passada e subiu neste altar. É um procurador da república de 36 anos de idade, com uma formação em Harvard. Um cara que tem mudado a história do Brasil através da Lava-jato. Que é de interesse direto no teu bolso, meu irmão. Mais de 70% de vocês que estão aqui hoje estão passando dificuldade financeira e estão vindo na igreja pedindo a Deus ajuda. Estão com problema de dinheiro e estão vindo na igreja pedindo a Deus ajuda. Aí vem um cara, uma batista... quem aqui é batista? Eu sou batista. Vem um batista, crente, líder de célula, referência de Deus, 36 anos de idade, pisa neste alta e você levanta e vira as costas. Você é um tolo, meu irmão. Você é um tolo! Se você quer sua vida mudada, você tem que ouvir pessoas que não ficam apenas espiritualizando as coisas de Deus, mas traz para a realidade cotidiana da vida o que muda a história da humanidade. Eu falo com amor pra você. Eu falo com amor. Que isso nunca mais aconteça! Por favor! Por favor! Por favor! Não sei qual é a situação que você vive ou passa. Mas eu sei que cada um de nós, Deus pode nos usar para mudar a história desta nação. Mas pra isso, nós temos que sair de um posicionamento tolo, limitado, e entender que temos um papel importante. Talvez você hoje é um funcionário. Pode até estar desempregado. E vem uma pessoa com esta trazer uma palavra na igreja, um irmão em Cristo, alguém que está mudando, dando um sinal de mudança na história. A gente ora para mudar o Brasil e quando Deus traz alguém que pode estar sendo usado para mudar a nação, nós viramos as costas e vamos embora? Vocês estão achando que o evangelho é o quê? É contar anjinho? Um anjinho, dois anjinhos, três anjinhos. Tá achando que o evangelho é o quê? Fazer oração para Deus te dar a esposa ideal? Tá pensando que o evangelho é o quê? É na realidade a vida de Deus que transforma, transforma as pessoas. É o reino de Deus na terra. Enquanto nós estamos aqui olhando para o nosso umbigo, tem pessoas, trabalhos e leis sendo feitas, leis contra a família, leis que querem destruir as nossas vidas, leis com liberação de drogas na nação, leis com liberações onde seja proibido pregar o evangelho nas escolas,  nas faculdades,  coisas terríveis acontecendo, e nós estamos contando anjinhos na igreja?”

Antes de tudo, deixo claro que reconheço o constrangimento passado pelo pastor André Valadão. Talvez não tenha sido maior do que o meu quando me neguei a ceder meu púlpito ao deputado Eduardo Cunha numa visita surpresa que fez à nossa igreja tempos atrás. Dada a insistência de um de nossos membros que o estava assessorando, permiti, com muita relutância, que ele apenas saudasse a audiência. Confesso que meu arrependimento foi imediato, mesmo que ele ainda não estivesse envolvido nos escândalos de corrupção que estourariam posteriormente.  Foi a última vez que recebi um político em nossa igreja. Lá se vão uns dez anos.

Apesar de entender seu constrangimento, não o considero uma boa justificativa para ser tão deselegante com o seu próprio povo. Nenhuma autoridade, por maior e mais importante que seja, merece isso. Se o tal procurador tem feito algo de bom pelo país nos últimos dias, aquele povo tem sustentado seu ministério por dezesseis anos.

Creio que a atitude das pessoas que deram as costas no momento em que Deltan Dallagnol assumiu o microfone deve ser levada a sério, não como um desrespeito, mas, quiçá, como uma demonstração de conscientização. Em tempos de mídias sociais, as pessoas estão cada vez mais informadas, assumindo posturas que nem sempre convergem com a de seus líderes.

Qualquer pastor ou líder religioso deveria pensar duas vezes antes de franquear seu púlpito a um político. No caso de Dallagnol, ele não é bem o que poderíamos chamar de político, mas sua atuação, bem como a de seus pares (inclusive a do juiz Sérgio Moro) tem se revelado cada vez mais política (alguém ainda duvida disso?). Senão em sua intenção (queira Deus que não!), ao menos em seus desdobramentos.

Algumas coisas na fala de Valadão me provocaram reações adversas. Por exemplo: dizer que jamais aquela igreja havia recebido alguém tão importante quanto Dallagnol. Nem é preciso estar tão familiarizado com os ensinamentos de Jesus para perceber o quão distante isso está no espírito do evangelho. Repare no que o mestre nazareno diz aos seus discípulos:

“E houve também entre eles contenda, sobre qual deles parecia ser o maior. E ele lhes disse: Os reis dos gentios dominam sobre eles, e os que têm autoridade sobre eles são chamados benfeitores. Mas não sereis vós assim; antes o maior entre vós seja como o menor; e quem governa como quem serve." Lucas 22:24-26

Um procurador da república nada mais é do que um servidor público. Suas credenciais não o tornam melhor do que qualquer cidadão comum.

Veja que não era a primeira vez que esta questão surgia entre os discípulos (e pelo jeito, está longe de ser a última). Capítulos antes, lemos que “suscitou-se entre eles uma discussão sobre qual deles seria o maior. Mas Jesus, vendo o pensamento de seus corações, tomou um menino, pô-lo junto a si, e disse-lhes: Qualquer que receber este menino em meu nome, recebe-me a mim; e qualquer que me receber a mim, recebe o que me enviou; porque aquele que entre vós todos for o menor, esse mesmo será grande” (Lucas 9:46-48).

O fato de estar estudo em Harvard, não constitui ninguém mais importante que os demais. Nem mesmo o fato de ser considera um benfeitor do povo. A graça preconizada no evangelho nos nivela a todos. Entre nós, Dallagnol não é mais importante que uma empregada doméstica ou um porteiro de um prédio qualquer.

Bem faria Valadão se atentasse para a advertência de Tiago, um dos mais engajados discípulo de Jesus:

“Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória, em acepção de pessoas. Porque, se entrar na vossa reunião algum homem com anel de ouro no dedo e com traje esplêndido, e entrar também algum pobre com traje sórdido e atentardes para o que vem com traje esplêndido e lhe disserdes: Senta-te aqui num lugar de honra; e disserdes ao pobre: Fica em pé, ou senta-te abaixo do escabelo dos meus pés, não fazeis, porventura, distinção entre vós mesmos e não vos tornais juízes movidos de maus pensamentos? Ouvi, meus amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam? Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não são os ricos os que vos oprimem e os que vos arrastam aos tribunais?” 
Tiago 2:1-6 

À luz deste texto, deveríamos honrar a quem Deus estabeleceu como prioridade em sua agenda e não os figurões que se destacam sob os holofotes da mídia.

Quanto o restante de sua fala, tenho a impressão de que André Valadão fez uma crítica ao seu próprio ministério, bem como ao de sua irmã, a cantora e pastora Ana Paula Valadão, com sua mania de espiritualizar tudo, colocando tudo na conta dos principados e potestades de plantão (termos relacionados a entidades malignas que seriam responsáveis pelos males que assolam a humanidade).

Tantas “palavras proféticas” já foram liberadas daquele “altar”. Sem contar os "atos proféticos" (ou seriam patéticos?). Pena que as pessoas tenham memória tão curta. 

O que a igreja precisa não é de heróis, salvadores da pátria, “referências de Deus” como disse Valadão. A igreja precisa é de consciência política.

Espero, sinceramente, que o ocorrido na Lagoinha seja um precedente que leve os líderes a colocarem suas barbas de molho e a desistirem de manipular politicamente seus rebanhos. 

Abaixo, o vídeo do esculacho do pastor André Valadão no povo da Lagoinha.

 

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