Quanta pretensão a
minha!
Achar que detinha
o monopólio da
raça
Que estupidez a
minha!
Pensar que eu
vinha
com o portfólio da
graça
Eu com catequese
Tu com
hospitalidade
Um rio que não se
represe
desafia minha
vaidade
Eu, civilizado
Tu, selvagem
Eu, educado
Tu, à margem
Teu sorriso fez
calar o meu sermão
Onde piso não há
lama, não há chão
O meu siso já
nasceu, dói mais não
Meu juízo se
perdeu na razão
O que pensava te
levar
Tu trouxeste a
mim
O Deus que fui te
apresentar
Surpreendeu-me enfim
Minhas roupas,
meus costumes
Não parecem te
atrair
Tu me poupas de
queixumes
Te contentas com o
que vir
Não bastasse a
pretensão
de impor as minhas
crenças
Além da religião
Também trago-lhe
doenças
Pela fé no deus do império
Te escravizo, te anulo
Roubo todo teu minério
Te ironizo, te rotulo
Pela fé no deus do império
Te escravizo, te anulo
Roubo todo teu minério
Te ironizo, te rotulo
Com a cruz que se estampa
tanto escudos e brasões
Se conquista, se acampa
tantos mundos e rincões
tanto escudos e brasões
Se conquista, se acampa
tantos mundos e rincões
Se déssemos ouvidos
ao que diz nosso Senhor
Em vez de oprimidos,
gente livre em amor
Que vergonha, que
vexame
Deus não está nas catedrais
E quem sonha, busque ou ame,
Vai encontrá-lo
nos quintais
Sob pontes, a
relento
Em barracos de
sapê
Na favela ou assentamento
onde ninguém pode ou quer ver
Não te afrontes,
te apresento
Nosso Rei e
bem-querer
Autor: Hermes C. Fernandes