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"Não passará esta geração!" - O Sermão Profético e o Fim do Mundo

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Por Hermes C. Fernandes

Muito daquilo que se tem pregado acerca do fim do mundo, baseia-se no sermão profético de Jesus, registrado por Mateus, Marcos e Lucas. Uma má interpretação destes textos pode conduzir-nos a uma escatologia pessimista, e, por conseguinte, a uma atuação insípida da igreja no mundo.

Nosso propósito neste estudo é apresentar uma interpretação mais consistente e condizente com a esperança que temos de um mundo melhor, transformado pelo poder do evangelho, e submetido ao senhorio de Jesus Cristo.

De acordo com ambos os textos, Jesus estava saindo do Templo, quando os Seus discípulos, maravilhados com aquela suntuosa estrutura, foram surpreendidos com a seguinte declaração:
“Não vedes tudo isto? Em verdade vos digo que não ficará pedra sobre pedra, que não seja derrubada.” MATEUS 24:2
Jesus não estava se referindo aos prédios, e construções de todo o mundo, mas tão-somente ao Templo e aos edifícios que compunham aquele complexo. Entretanto, muitos encontram nesta passagem uma alusão à todas as edificações existentes no dia em que Jesus voltar. Isso realmente é forçar o texto e torcer o seu sentido original. “Não vedes tudo ISTO?” perguntou o Mestre aos Seus discípulos, apontando para o Templo construído por Salomão, reconstruído por Zorobabel e reformado por Herodes. Aquela profecia teve seu cumprimento literal no ano 70 d.C., quando Tito, o general romano que posteriormente se tornaria Imperador, invadiu Jerusalém, reduzindo seu templo, e toda a cidade a escombros.

Aquela afirmação profética foi suficiente para instigar a curiosidade dos discípulos. Marcos escreve que “assentando-se ele no monte das Oliveiras, defronte do templo, Pedro, Tiago, João e André lhe perguntaram em particular: Dize-nos quando acontecerão essas coisas, e que sinal haverá quando todas elas estiverem para cumprir-se” (Mc.13:3-4). De acordo com Mateus, eles ainda perguntaram: “Que sinal haverá da tua vinda e do fim dos tempos” (Mt.24:3).

O termo grego usado aqui e traduzido por “vinda” é parousia que significa aparição, manifestação ou revelação. Os discípulos queriam saber quando o Mestre Se revelaria ao mundo como Rei, e quando seria o fim dos tempos, ou em outra tradição, a consumação dos séculos, ou ainda, a plenitude dos tempos. Não está se falando aqui sobre o fim do mundo ou a destruição do cosmos.

Muito da confusão que há em torno da exegese que se faz de alguns textos bíblicos deve-se à falta de entendimento acerca de três palavras gregas que figuram nas Escrituras, e que às vezes recebem a mesma tradução. Trata-se dos vocábulos kosmos, oikumene e aión. Ambos são traduzidos por mundo, porém, possuem significados distintos.

Na passagem de Mateus, algumas Bíblias trazem a expressão fim do mundo. O fato é que a palavra usada neste texto é aións, traduzida ali por mundo; porém, seu significado mais preciso é eras. Os discípulos já sabiam que a manifestação de Cristo como Rei deveria se dar na consumação dos aións. Esta mesma conexão entre manifestação e consumação das eras é feita pelo escritor de Hebreus. Ele declara aos cristãos dos seus dias: “Agora, na CONSUMAÇÃO DOS SÉCULOS, uma vez por todas SE MANIFESTOU, para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hb.9:26). Portanto, ele chama aquela época de "consumação dos séculos".

Paulo fala da dispensação da plenitude dos tempos. De acordo com os seus escritos, tal dispensação começou com a encarnação de Cristo, passando pelo Seu ministério terreno, e alcançando o seu ápice em Sua crucificação, ressurreição e ascensão (Veja Gl.4:4; Mc.1:15; Ef.1:10). Ele escreve aos Coríntios afirmando convictamente que para eles já havia chegado “os fins dos séculos” (1 Co.10:11). Consumação dos séculos, plenitude dos tempos, e fim dos tempos possuem o mesmo significado. À luz disto, fica óbvio que para os apóstolos, a igreja primitiva estava vivendo o que eles chamavam de "tempo do fim".

Não era, portanto, acerca do fim do mundo que Jesus estava falando, mas do fim daquela era, que culminaria com a queda do templo e a tomada e destruição de Jerusalém. A partir daí, Jesus começou a expor-lhes esses sinais. Sabendo que era um assunto extremamente difícil, e ao mesmo tempo fácil de ser torcido, Jesus começa a Sua exposição exortando:
“Acautelai-vos, que ninguém vos engane. Pois muitos virão em meu nome, dizendo: Eu sou o Cristo, e enganarão a muitos (...) Surgirão muitos falsos profetas, e enganarão a muitos (...) Então, se alguém vos disser: Olhai, o Cristo está aqui, ou ali, não lhes deis crédito. Pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, e farão tão grandes sinais e prodígios que, se possível fora, enganariam até os escolhidos. PRESTAI ATENÇÃO, eu vo-lo tenho predito. Portanto, se vos disserem: Olhai, ele está no deserto! Não saias; ou: Olhai, ele está no interior da casa ! não acrediteis.” MATEUS 24:4-5, 11, 23-26.
Devido à dominação romana, havia por parte dos judeus uma grande expectativa em torno da aparição de um Messias que os conduzisse à liberdade política, e restabelecesse o trono de Davi. Para eles, o Messias (ou Cristo) deveria ser um líder arrogante, forte, carismático e estrategista. Pelo fato de Jesus não demonstrar nenhum tipo de arrogância ou pretensão política, muitos não conseguiam vê-Lo como o Messias prometido por Deus.

Jesus sabia que naqueles turbulentos anos que precederiam a queda de Jerusalém, muitos oportunistas se fariam passar pelo Cristo esperado por Israel. E de fato, pouco depois de Sua ascensão, muitos “cristos” surgiram no cenário judaico. Bastaria-nos o testemunho de João acerca disso, para comprovarmos tal fato. Verifique o que diz o apóstolo:
“Filhinhos, esta é a última hora; e como ouvistes que vem o anticristo, já muitos anticristos têm surgido, pelo que conhecemos que é a última hora (...) Amados, não creias em todo espírito, mas provai se os espíritos vêm de Deus, porque já muitos falsos profetas têm surgido no mundo (...) todo espírito que não confessa a Jesus não é de Deus. Este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e AGORA já está no mundo.” I JOÃO 2:18; 4:1,3.
O que João queria dizer com “última hora”? Se ele desejava afirmar que aquela era a última hora que antecedia o fim do mundo, da maneira como é concebido atualmente, teremos que admitir que ele estava redondamente enganado. Quase dois mil anos se passaram, e o mundo ainda não acabou! Se aquela era a última hora, então, estamos vivendo o último segundo do mundo.

Porém, sabemos que ele estava falando acerca da última hora daquela era que terminaria com a queda de Jerusalém. De fato, era o fim daquele aión. A chamada plenitude dos tempos havia chegado aos seus momentos derradeiros. Mais um pouco, e o velho tabernáculo se sucumbiria, dando lugar ao Tabernáculo de Deus com os homens, a Igreja (Veja Hebreus 9:8-9).

Por que João tinha tanta certeza que aquela era a última hora? Por causa das palavras que Jesus lhes havia dito no sermão profético. Aqueles falsos cristos (chamados por João de anticristos) já estavam nas ruas de Jerusalém enganando a muitos. A diferença entre os anticristos e os falsos profetas era que os primeiros tinham pretensões políticas, enquanto que os outros ludibriavam as pessoas através de uma falsa religiosidade.

Só no livro de Atos nós encontramos três falsos cristos: Teudas (5:36), Judas da Galiléia (5:37) e um tal egípcio (21:38). Este último, de acordo com o relato do historiador judeu Flavio Josefo, conduziu ao deserto cerca de trinta mil homens (dentre os quais quatro mil eram assassinos), prometendo-lhes liberdade, sinais da parte de Deus e fim do domínio romano. Depois de reunir uma grande multidão de revoltosos, marchou contra Jerusalém, com o fim de expulsar de lá os romanos e de se apoderar da cidade, estabelecendo lá o seu trono. Mas Félix partiu contra ele, com tropas romanas e um grande número de outros judeus, dizimando os que seguiam o falso cristo. Já Teudas persuadiu uma grande multidão a segui-lo até às margens do rio Jordão, afirmando que haveria de dividi-lo como fez Elias. Josefo diz em seus relatos históricos que ao tempo do reinado de Nero foram tão numerosos os falsos profetas e cristos que quase todos os dias pelo menos um deles era morto.

Lucas também nos fala de Simão, o Mago, que persuadiu os habitantes de Samaria de que era “o grande Poder de Deus” (At.8:9-10).

De fato, aquela era a última hora, o fim da dispensação da Lei, e o início da era do Reino dos céus.

Continua amanhã.

* Este é o primeiro post de uma série em que tratarei exclusivamente de escatologia numa perspectiva reinista.



A Vinda do Filho do Homem

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Por Hermes C. Fernandes

“Pois assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim será também a VINDA do Filho do homem. Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres.” Mateus 24:27-28 
Ora, se tudo o que Jesus predissera no sermão profético haveria de se cumprir ainda naquela geração, o quê dizer disso, afinal? Jesus não está falando de Sua vinda literal à Terra nesta passagem, e sim de Sua vinda em juízo sobre Jerusalém. Por favor, não pare sua leitura por aqui. Prossiga e confira as razões que fazem afirmar isso com tanta veemência.

Em Isaías 19:1 lemos: “O Senhor vem cavalgando numa nuvem ligeira, e VIRÁ ao Egito. Os ídolos do Egito tremem perante a sua face, e o coração dos egípcios se derrete dentro deles.” É claro que o profeta está falando acerca do juízo que Deus traria sobre aquela nação, e não sobre uma vinda literal de Deus cavalgando em uma nuvem. E de quê maneira Deus viria sobre o Egito? No verso 4 diz: “Entregarei os egípcios nas mãos de um senhor duro, e um rei rigoroso os dominará”. Esse rei, através do qual Deus viria contra o Egito, foi Nabucodonosor. Ezequiel profetizou sobre isso: “Eu levantarei os braços do rei de Babilônia, mas os braços de Faraó cairão. Então saberão que eu sou o Senhor, quando puser a minha espada na mão do rei da Babilônia, e ele a estender sobre a terra do Egito” (Ez.30:25). Semelhantemente ao que ocorreu no Egito nos dias de Nabucodonosor, Cristo viria em juízo contra Jerusalém na pessoa de Tito, general romano.

Podemos afirmar que Tito, filho do Imperador de Roma, tipificava Jesus, Filho do Deus Vivo. Era em suas mãos que estava a espada de Deus para executar juízo sobre a cidade que rejeitara Sua oferta de paz.

Tito atacou Jerusalém de forma repentina no ano 70 d.C., exatamente como Cristo profetizara. Ninguém esperava um ataque tão súbito. Foi semelhante a um relâmpago que sai do oriente e se mostra do ocidente.

E o que dizer da expressão: “Onde estiver o cadáver, aí se ajuntarão os abutres”? Muitos vêem aí uma alusão ao arrebatamento da Igreja. Porém, isto está muito longe do que o Senhor Jesus intentou dizer. Na verdade, trata-se de um provérbio muito popular nos dias de Jesus, cujo significado real é “Onde houver motivos para juízo, aí haverá juízo”. Neste caso, Jerusalém e os judeus seriam os cadáveres que teriam atraído as águias romanas (Os abutres eram considerados uma espécie de águia). Isso também é profetizado por Oséias, que diz: “Põe a trombeta à tua boca. Ele vem como a águia contra a casa do Senhor, porque transgrediram a minha aliança, e se rebelaram contra a minha lei” (Os.8:1). Não era por coincidência que a insígnia romana gravada nos escudos e estandartes do seu exército era uma águia.

Colapso Cósmico

“Logo depois da aflição daqueles dias, o sol escurecerá, a lua não dará a sua luz, as estrelas cairão do firmamento e os corpos celestes serão abalados.” Mateus 24:29.

Este versículo tem sido usado como base para a crença de que o retorno de Cristo se dará em meio a um colapso universal. Entretanto, precisamos entender estas afirmações à luz de outros textos bíblicos. Trata-se, na verdade, de uma linguagem figurativa. Com a queda do templo, o culto judaico chegaria ao fim. A ordem até então mantida, chegaria ao fim. O sol e a lua apontam para a Lei moral e cerimonial, enquanto que as estrelas correspondem ao povo da antiga aliança, ou seja, os judeus. O sol e a lua também tipificam o governo, que por sua vez era exercido através da Lei Mosaica, com os seus mandamentos e rituais. Com a queda do templo, cessaram-se os sacrifícios e o culto judaico.

Quando Deus prometeu que feriria o Egito pela espada de Nabucodonosor, Ele também disse: “Apagando-te eu, cobrirei os céus, e enegrecerei as suas estrelas; encobrirei o sol com uma nuvem, e a lua não deixará resplandecer a sua luz. Todas as brilhantes luzes do céu enegrecerei sobre ti, e trarei trevas sobre a tua terra, diz o Senhor Deus (...) Pois assim diz o Senhor Deus: A espada do rei de Babilônia virá sobre ti” (Ez.32:7-8,11). A destruição do Egito fez com que a ordem estabelecida naquela nação sofresse um colapso. Assim também foi em Jerusalém. A invasão romana provocou uma desordem social sem antecedentes na história daquele povo.

Se o sol realmente vai deixar de dar a sua luz algum dia, como afirmam os literalistas, logo, teremos que admitir que Jesus algum dia vai deixar de ser o Senhor do Universo. E sabe por quê afirmamos isso? Porque está escrito: “Ele permanecerá enquanto durar o sol e a lua, de geração em geração (...) Permaneça o seu nome ETERNAMENTE, que ele continue enquanto o sol durar. Todas as nações serão abençoadas nele, e lhe chamarão bem-aventurado” (Sl.72:5,17 / Última oração feita por Davi).

O Sinal do Filho do Homem
“Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem, e todos os povos da terra se lamentarão e verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, com poder e grande glória.” Mateus 24:30
A que céu Jesus se refere neste texto? Do céu azul que envolve o nosso planeta? Ou será do espaço sideral? Absolutamente. Jesus está falando do céu de glória. Daniel teve uma visão do que seria este acontecimento. Observe bem o que ele diz:
“Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e vi que vinha nas nuvens do céu um como o Filho do homem. Ele se dirigiu ao Ancião de Dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado o domínio, a honra e o reino; todos os povos, nações e línguas o adoraram. O seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino o único que não será destruído.” Daniel 7:13-14.

Há realmente um paralelo impressionante entre a visão de Daniel e o sermão profético de Jesus. Ambas as passagens falam de um mesmo evento: a entronização do Filho do Homem, Jesus Cristo. O problema é que muitos intérpretes vêem o Filho do homem vindo nas nuvens do céu em direção a terra; e não é isso que vemos ali. Ele vem sobre as nuvens do céu e Se dirige ao Ancião de Dias, que é Deus, o Pai, e Este Lhe dá o domínio sobre todas as nações. Logo, não está em foco o retorno visível de Cristo a terra, e sim a Sua ascensão e entronização no céu.

E o quê dizer acerca das tribos da terra se lamentando e vendo o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu?

Primeiro, na ocasião em que Jerusalém foi tomada, já havia se passado cerca de 37 anos desde que Jesus ascendera ao céu. Portanto, Ele já estava entronizado, e reinando soberanamente como Deus e Homem. Entretanto, a queda de Jerusalém seria o endosso dado por Deus de que Jesus havia recebido o domínio. Por isso, o sinal no céu seria a confirmação daquilo que Daniel havia visto. Talvez esse sinal tenha sido o cometa em forma de espada que pairou durante um ano inteiro sobre Jerusalém pouco antes de ser conquistada pelos romanos. Aquele poderia ser, sem dúvida, o sinal do Filho do Homem. Quanto às tribos da terra, trata-se de uma referência clara às tribos de Israel. Elas se lamentaram por ver a espada de Deus que vinha contra elas.

Em Apocalipse 14, do verso 14 ao 20 lemos:

“Olhei, e vi uma nuvem branca, e assentado sobre a nuvem um semelhante ao FILHO DO HOMEM, tendo na cabeça uma coroa de ouro, e na mão uma foice afiada ( como a espada que fora vista por um ano inteiro sobre a cidade ). Então outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice e ceifa, porque é chegada a hora de ceifar, pois já a seara da terra está madura. E aquele que estava assentado sobre a nuvem meteu a sua foice à terra, e a terra foi ceifada ( terra aqui refere-se à Jerusalém ). Outro anjo saiu do templo, que está no céu, o qual também tinha uma foice afiada. Ainda outro anjo saiu do altar, o qual tinha poder sobre o fogo, e clamou com grande voz ao que tinha a foice afiada, dizendo: Lança a tua foice afiada, e vindima os cachos da vinha da terra, porque já as suas uvas estão maduras. E o anjo meteu a sua foice à terra e colheu as uvas da vinha da terra, e lançou-as NO GRANDE LAGAR DA IRA DE DEUS. E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios.”


Quem é que estava sobre a nuvem e lançava a Sua foice sobre Israel? O Filho do Homem. Ele tem o domínio, e, portanto, compete-lhe a aplicação da justiça divina. E quanto ao anjo que tinha poder sobre o fogo? Vale lembrar que Jerusalém foi totalmente incendiada pelas hordas romanas. Flavio Josefo, historiador judeu contemporâneo de Jesus, relata como se iniciou o incêndio: “Um soldado, então, sem para isso ter recebido ordem alguma, e sem temer cometer um horrível sacrilégio, mas como levado por INSPIRAÇÃO DIVINA, fez-se levantar por um companheiro e atirou pela janela de ouro, um pedaço de madeira aceso no lugar, pelo qual se ia aos edifícios, ao redor do templo do lado do norte. O fogo ateou-se imediatamente; em tão grande desgraça, os judeus lançavam gritos espantosos” (Livro VI, cap.26: 466).

De fato, todas as tribos de Israel lamentaram, e isso, por não haverem recebido o Príncipe da Paz. Porém, tal lamento não foi maior do que o do próprio Jesus que ao aproximar-se da cidade, com lágrimas nos olhos exclamou: "Ah! se tu conhecesses, ao menos neste dia, o que te poderia trazer a paz! mas agora isso está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te apertarão de todos os lados, e te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo da tua visitação" (Lc.19:41-44). Em outra passagem, Ele lamenta: "Em verdade vos digo que todas essas coisas hão de vir sobre esta geração. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não o quiseste!" (Mt.23:36-37).

Ver o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do céu equivaleria a ser vítima de Sua foice afiada, e da espada indignada do Todo-Poderoso contra as injustiças cometidas ali por gerações.

Todavia, não podemos entender isso de forma literal.

Ao ser apresentado ao Sinédrio para ser sabatinado, o sumo sacerdote lhe perguntou: “Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus. Respondeu-lhe Jesus: Tu o disseste. Porém vos digo que EM BREVE VEREIS O FILHO DO HOMEM ASSENTADO À DIREITA DO TODO-PODEROSO, E VINDO SOBRE AS NUVENS DO CÉU” (Mt.26:63-64). Jesus estava falando com alguns que ainda estariam vivos quando a Sua foice passasse por Jerusalém. Em outra passagem Ele afirma aos Seus discípulos: “Em verdade vos digo, alguns dos que aqui estão não provarão a morte até que vejam o Filho do homem no seu reino” (Mt.16:28). Ao verem a espada de Deus vindo sobre a Jerusalém rebelde, os judeus se lamentaram profundamente. Aquele era o sinal de que o Filho do homem que eles haviam rejeitado estava reinando e derramando sobre eles a cólera divina.

Anjos e Trombetas
“E ele enviará os seus anjos, com grande clangor de trombeta, os quais ajuntarão os seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus.” Mateus 24:31 
A palavra traduzida aqui por “anjos” pode ser traduzida por “mensageiros” (angelos). Trata-se da Grande Comissão, que é representada em Apocalipse 14:6 por um “um anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para proclamar aos que habitam sobre a terra e a toda nação, e tribo, e língua, e povo”. Nós sabemos que a pregação do evangelho não é e nunca será incumbência de algum ser angelical. Pedro fala sobre isso em sua epístola. Porém, esse anjo representa a Grande Comissão dada por Jesus aos Seus discípulos de todas as eras. Além disso, podemos perceber que na linguagem apocalíptica, cada pastor é chamado de “o anjo da igreja”. Paulo testifica em sua carta aos Gálatas que fora recebido por eles como “um anjo de Deus” (Gl.4:14).

Em 1 Coríntios 14, Paulo, a fim de justificar a sua preferência em falar no seu próprio idioma a falar em línguas espirituais, diz: “Se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha? Assim também vós. Se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz? Estareis como que falando ao ar” (vs.8-9). A pregação do evangelho eterno de Deus corresponde ao clangor de uma trombeta de sonido certo. Quando proclamamos a verdade de Deus, os eleitos se ajuntam. Por isso, ao chegar a Corinto, sentindo-se tímido ante as ameaças dos judeus, Paulo ouviu da boca do Senhor: “Não temas, mas fala, e não te cales. Pois eu sou contigo, e ninguém lançará mão de ti para te fazer mal, porque tenho muito povo nesta cidade” (At.18:9-10).

Onde quer que esta trombeta se faça ouvir, os santos se reunirão, assim como aconteceu com Gideão, que ao tocar a buzina reuniu uma grande multidão para a batalha.

* Continua ao longo da semana. No próximo artigo, trataremos da Vinda de Cristo em Glória na conclusão da história. O dia pelo qual todos ansiamos.

A Segunda Vinda de Cristo e o Juízo Final

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“Porém, a respeito DAQUELE DIA e hora ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas unicamente o Pai.” Mateus 24:36

A partir do verso 36 de Mateus 24, Jesus fala acerca de Sua Vinda no último dia para julgar os vivos e os mortos. Do verso 1 ao verso 35, Jesus trata do juízo de Deus sobre Jerusalém, e isso pode ser comprovado pelo uso da expressão “naqueles dias”, e pela afirmação de que tudo aquilo aconteceria ainda naquela geração. Entretanto, ao chegar ao verso 36, Jesus entra em um novo assunto. Jesus já não estava falando “daqueles dias”, em sim acerca “daquele dia”, quando Ele vier em glória.

Convém ressaltarmos que Jesus só desconhecia o dia de Sua Vinda pelo simples fato de ter se esvaziado de Sua glória original durante o tempo de Sua encarnação; porém, uma vez tendo sido entronizado, seria ridículo afirmar que Ele ainda o ignore.
“Quando o Filho do homem vier em sua glória, e todos os santos anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória. Todas as nações se reunirão diante dele, e ele apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas.” Mateus 25:31-32
Esta passagem encontra seu paralelo em Apocalipse 20:11-15:
“Então vi um grande trono branco, e o que estava assentado sobre ele. Da presença dele fugiram a terra e o céu, e não se achou lugar para eles. E vi os mortos, grandes e pequenos, que estavam diante do trono, e abriram-se livros. Abriu-se outro livro, que é o da vida. Os mortos foram julgados pelas coisas que estavam escritas nos livros, segundo as suas obras. O mar entregou os mortos que nele havia, e a morte e o além deram os mortos que neles havia, e foram julgados cada um segundo as suas obras. Então a morte e o inferno foram lançados no lago de fogo. Esta é a segunda morte. E todo aquele que não foi achado inscrito no livro da vida, foi lançado no lago de fogo.”
É importante frisar que Cristo aparecerá segunda vez com o objetivo de trazer à luz todas as obras humanas (Hb.9:27-28).  Ele não vem para estabelecer o reino, como defendem alguns, uma vez que isso Ele fez em Seu primeiro advento. Agora Ele virá para julgar os vivos e os mortos. Em seu discurso na casa de Cornélio em Cesaréia, Pedro testificou: “Ele nos mandou pregar ao povo, e testificar que ele é o que por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos” (At.10:42). Paulo endossa: “Mas Deus, não levando em conta o tempo da ignorância, manda agora que todos os homens em todos os lugares se arrependam. Pois determinou UM DIA que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou. Ele disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At.17:30-31).

E quais serão os critérios desse julgamento?

Eis um terreno minado! Muitos não conseguem compreender os critérios que Cristo usará no Juízo Final. Basta uma leitura superficial de Mateus 25, a partir do verso 31 para concluir que Deus julgará os homens tendo por base as suas obras. De acordo com o texto, Ele dará boas vindas aos que estiverem à Sua direita, e apresentará as razões pelas quais serão bem-vindos às benesses do Reino Celestial: “Pois tive fome, e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era forasteiro e me hospedastes; estavas nu, e me vestistes; estive enfermo, e me visitastes; preso e fostes ver-me” (vs.35-36). Ao ser indagado pelos justos acerca de quando isso teria acontecido, Jesus dirá: “Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes” (v.40).

Quanto aos que insistiram em viver uma vida centrada em si mesmos sem ao menos se compadecer dos famintos e excluídos deste mundo, Cristo os julgará por sua apatia e egoísmo. Jesus conclui Seu sermão dizendo: “E irão estes para o castigo eterno, mas os justos para a vida eterna” (v.46).

Há ainda muitas passagens que comprovam que as bases do juízo serão as obras praticadas em vida. Por exemplo, em Mateus 16:27 lemos: “Pois o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará a cada um segundo as suas obras.”

E quanto a Paulo? O que teria dito o Apóstolo que ensinava a justificação pela fé à parte das obras? Será que seus ensinos contradizem o que fora dito pelo próprio Cristo? A resposta é um sonoro 'não'. Confira o que ele diz:
“Deus recompensará a cada um segundo as suas obras: Dará a vida eterna aos que, com perseverança em fazer o bem, procuram glória, honra e incorrupção. Mas indignação e ira aos que são contenciosos, e desobedientes à verdade, e obedientes à iniquidade (...) Isto sucederá no dia em que Deus há de julgar os segredos homens, por meio de Jesus Cristo, segundo o meu evangelho.” Romanos 2:6-8,16
O que houve com Paulo, afinal? Não é nesta mesma epístola que ele diz que ninguém será justificado diante de Deus pelas obras (veja Rm.3:20)? Terá Paulo incorrido em contradição? Óbvio que não! É justamente aqui que os escritos de Paulo e de Tiago se reconciliam. Paulo não ensinava uma “graça barata” como tem sido fartamente ensinada em alguns púlpitos. Ele defendia acirradamente que somos justificados pela fé somente. É mediante essa fé que temos paz com Deus, sendo aceitos como filhos em Sua presença. É também por ela que recebemos a justiça de Cristo em nossa conta, reconhecendo que os nossos pecados recaíram sobre Ele na cruz. Tudo isso é pela fé! Não é por obras! Neste exato momento, nossa situação com Deus está acertada. Já não nos resta condenação.

Não obstante, temos que verificar nos textos paulinos que a fé que o apóstolo pregava era uma fé operante. Esta fé não apenas nos faz aceitos aos olhos de Deus, como também produz as boas obras que a justiça divina requer de nós. Embora estas obras não sejam a causa da nossa salvação, elas serão a base do juízo de Deus.

A fé nos coloca em Cristo, e a natureza divina que recebemos d'Ele opera em nós as boas obras. É assim que a justiça requerida pela lei se cumpre naquele que está em Cristo (Rm.8:4).

Se não somos salvos mediante as obras, por quê o juízo de Deus será segundo elas?

Nossas contas com Deus já foram acertadas. Não resta condenação alguma para os que estão em Cristo Jesus. Ele mesmo afirmou: “Quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em juízo, mas passou da morte para a vida” (Jo.5:24). Já em outro texto, lemos que “todos devemos comparecer perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou mal” (2 Co.5:10). Como conciliar as duas afirmações?

Ora, se já passamos da morte para a vida, por quê, então, teremos que estar diante do tribunal de Cristo? Por que teremos de prestar contas de nossas obras?

Quero sugerir duas respostas:

1. Para recebermos os galardões provenientes das obras que praticamos. Embora estas obras sejam frutos do Espírito de Deus, ainda sim, mediante a Sua inefável graça, Deus deseja nos recompensar, apesar de sermos meros instrumentos de Sua justiça. Quanto a natureza de tal recompensa, teremos que tratar disso em outra ocasião. 

2. Deus deseja trazer todos diante do Seu tribunal, para que ninguém  jamais possa se queixar de não ter tido um tratamento justo. Há uma diferença entre entrar em juízo, e comparecer ao tribunal. Nós não seremos julgados, mas teremos que comparecer ante o Tribunal de Cristo. Ali ouviremos d' Ele o que o Espírito já tem testificado em nossos corações. Judas nos diz que “o Senhor vem com milhares de seus santos, para fazer juízo contra todos, e para fazer convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras ímpias que impiamente praticaram, e de todas as duras palavras que ímpios pecadores contra ele proferiram” (Jd.14-15). Observe que Ele não vem apenas para fazer juízo, mas também para fazer convictos todos os que viveram impiamente. Ao assistirem o pronunciamento do justo Juiz àqueles que foram salvos por Sua graça, os ímpios hão de se convencer de que a sentença de Deus para eles será justa. Ninguém será condenado sem ter a convicção de que aquela sentença é absolutamente justa. Não haverá quem possa recorrer dela, pelo simples fato de não haver instância superior àquela.

Quando se dará o Juízo?

Quando se dará tudo isso? Quando se instaurará o Tribunal de Cristo? Esta pergunta é muito pertinente porque, para alguns, a igreja será julgada numa instância superior, ao adentrar os portais da glória. Os que defendem tal tese afirmam que a Vinda de Cristo será dividia em duas etapas: O Arrebatamento e o Juízo Final. No Arrebatamento, os crentes em Jesus ressuscitariam e seriam levados ao céu, e lá chegando, seriam submetidos a um Tribunal que visaria apenas recompensá-los. Já no Juízo Final, somente os ímpios e os que se convertessem durante a chamada Grande Tribulação seriam ressuscitados e submetidos a um julgamento que ditaria o seu destino eterno. Esta interpretação carece de uma exegese mais acurada.

A começar pelo fato de não haver na Bíblia distinção entre o dia do Arrebatamento e o do Juízo. Na verdade, trata-se de um mesmo evento que vai acontecer no último dia da história humana. Depois daí, a criação entrará no Estado Eterno.

Em segundo lugar, não há na Bíblia nenhuma base real para se distinguir as ressurreições dos justos e dos ímpios como sendo dois acontecimentos separados por um espaço de tempo. Se for verdade que os justos vão ressuscitar no Arrebatamento, e os ímpios vão ressuscitar sete anos depois, como advogam alguns, então o que dizer da afirmação de Marta: “Eu sei que ressurgirá na ressurreição, no último dia” (Jo.11:24)? Se Lázaro ressuscitaria no último dia, logo, ele não estaria entre aqueles que seriam salvos! Se Marta errou ao afirmar isso, então, por que Jesus não a corrigiu? Porque Ele mesmo ensinara a Marta que todos, justos e ímpios, haveriam de ressuscitar no último dia.

Veja o que o próprio Jesus ensinou:
“Não vos maravilheis disto, pois VEM A HORA em que TODOS os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz e sairão: Os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida, e os que praticaram o mal, para a ressurreição da condenação.” João 5:28-29
Jesus não deixou dúvida de que tanto a ressurreição dos justos, quanto a dos ímpios ocorrerão simultaneamente.

Em nosso estudo sobre o Milênio, abordamos de forma mais esmiuçada este assunto, e tratamos daquilo que João chama de primeira e de segunda ressurreição.

A doutrina do Arrebatamento, como é concebida atualmente não possui respaldo bíblico. O que chamamos de vinda secreta de Jesus também não encontra respaldo bíblico. Quando se diz que Ele viria como um ladrão, refere-se ao fator surpresa que envolve a Sua Vinda. Quando Ele vier para julgar os vivos e os mortos, todos os olhos O verão. Definitivamente, não haverá uma vinda secreta, e outra pública como temos ouvido por aí.

Quando escrevia aos cristãos de Tessalônica, Paulo diz que “o Senhor descerá do céu com grande brado, à voz do arcanjo, ao som da trombeta de Deus, e os que morreram em Cristo ressurgirão primeiro” (1 Tess.4:16). É aqui que muita gente se confunde. Se pararmos aí, teremos a impressão de ter ouvido Paulo afirmar que os justos ressurgirão primeiro que os ímpios. Mas não podemos parar aí. O que Paulo está querendo dizer é que nós “os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não precederemos os que dormem” (v.15). Isto quer dizer que, antes de sermos levados às alturas, os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. “Depois nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim estaremos para sempre com o Senhor” (v.17).

Muitos encontram neste texto a indicação de que ao sermos arrebatados seremos levados para o céu, e lá passaremos sete anos com o Senhor, enquanto o mundo fica entregue nas mãos do anticristo. Esta passagem não fala nada disto ! Nós vamos ao Seu encontro para recebê-lO por entre as nuvens.

É provável que Paulo tivesse em mente o que acontecia quando o Imperador Romano voltava de uma batalha vitoriosa. Ao se aproximar dos portais da Cidade, o povo saía ao seu encontro para recebê-lo com honras e glórias.

Assim também, quando Jesus, o grande Imperador do Universo despontar no céu, nós e os santos de todas as eras iremos ao Seu encontro para recepcioná-lO, e então, Ele juntamente com todos os Seus santos e anjos pisará nesta Terra, e aqui, estabelecerá o Seu Juízo.


As Dez Virgens: Parábola usada para aterrorizar os crentes

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Por Hermes C. Fernandes

Uma das passagens mais usadas para aterrorizar os crentes é a parábola das Dez Virgens. De acordo com a interpretação de alguns pregadores, a parábola indica que apenas uma porcentagem dos crentes em Jesus participariam do Arrebatamento, e os demais seriam deixados para trás. Se formos um pouco mais literais, somente 50% dos crentes serão realmente salvos. Os demais estão entre os imprudentes, que serão pegos de surpresa, despreparados, e por isso, inaptos para subir com Cristo.


Será que tal interpretação faz jus àquilo que Jesus intentava dizer aos Seus discípulos?

Nessa parábola, Jesus está falando da chegada do reino, e não de Sua segunda Vinda. E o Seu reino foi inaugurado ainda em Seu primeiro advento. O texto diz que “o reino dos céus será semelhante a dez virgens que, tomando as suas lâmpadas, saíram ao encontro do noivo” (Mt.25:1).

Soa até estranho, se não atentarmos para o contexto cultural da época. Estaria Jesus defendendo algum tipo de poligamia? Por que “dez virgens”, em vez de apenas uma? Teria Jesus mais de uma noiva?

As virgens da parábola não seriam desposadas pelo noivo. Elas eram como “madrinhas” da noiva. Fazia parte do ritual de bodas judaicas, o encontro das “madrinhas” virgens com o noivo para acompanhá-lo até a noiva.

Ora, o noivo da parábola representa o próprio Cristo. E a noiva, embora não figure na parábola, é a Igreja. Quem seriam, então, as virgens? Elas representam o povo judeu.

É interessante que em outra passagem, João Batista se apresenta como “o amigo do Noivo”. Além das virgens madrinhas, o noivo também era assistido por um amigo, geralmente, aquele que fosse considerado o melhor amigo. Assim como não podemos confundir o noivo com o amigo do noivo, também não podemos confundir a noiva com as dez virgens.

Ao ser confundido com o Cristo, João respondeu: “Eu não sou o Cristo, mas sou enviado adiante dele. A noiva pertence ao noivo. O amigo do noivo, que lhe assiste, espera e ouve, e alegra-se muito com a voz do noivo. Essa alegria é minha, e agora está completa” (Jo.3:28b-29).

De acordo com o protocolo, as virgens madrinhas deveriam sair ao encontro do noivo, portando lâmpadas devidamente acesas.

Segundo a parábola, dentre as dez virgens, cinco eram prudentes, e cinco eram insensatas.

“As insensatas, ao tomarem as suas lâmpadas, não levaram azeite consigo. Mas as prudentes levaram azeite em suas vasilhas, com suas lâmpadas. Demorando o noivo, todas elas acabaram cochilando e dormindo” (Mt.25:3-5).

Repare no detalhe: todas elas acabaram dormindo. Ficaram desatentas, e cochilaram. A diferença entre elas era o suplemento extra de azeite que cinco delas haviam trago. Portanto, a questão não era apenas de vigilância, como bradam os pregadores, mas de prevenção e prudência. Ser prudente aqui, é ser precavido.

Por isso, não parece razoável usar esse texto para amedrontar os crentes, fazendo-os duvidar de sua salvação, temendo que o Senhor lhes flagre “dormindo”. Paulo escreve acerca disso em sua primeira epístola endereçada à igreja em Tessalônica:
“Mas, irmãos, acerca dos tempos e das épocas, não necessitais de que se vos escreva, pois vós mesmos sabeis muito bem que o dia do Senhor virá como o ladrão de noite (sem aviso prévio) (...) Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz, e filhos do dia. Nós não somos da noite, nem das trevas. Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios. Pois os que dormem, dormem de noite, e os que se embriagam, embriagam-se de noite. Nós, porém, que somos do dia, sejamos sóbrios (...) Pois Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação por nosso Senhor Jesus Cristo, que morreu por nís, para que, quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele” (5:1-2,4-8a, 9-10).
É claro que devemos “vigiar”, isto é, estar atentos, para que não sejamos surpreendidos. Entretanto, quer vigiemos ou durmamos, nosso encontro com o Senhor é garantido. O risco é o de sermos pegos de surpresa, e não o de sermos condenados. Voltando à parábola:
“Mas, à meia-noite ouviu-se um grito: Aí vem o noivo, saí ao seu encontro” (Mt.25:6).
Esse “grito-convocação” foi o grito dos profetas, dos quais, João foi o último expoente. Apenas parte do povo judeu deu ouvidos ao alarde profético. A outra parte se manteve surda e insensível ao apelo de Deus. Faltava-lhes o azeite, a luz, a revelação. Seu coração foi endurecido. Paulo compreendia bem tal situação, pois a havia testemunhado. Em sua última investida evangelística direcionada aos judeus, o apóstolo dos gentios se viu profundamente decepcionado com seus patrícios.

Segundo o relato de Atos, dentre os judeus que vieram ao seu encontro em Roma, “alguns foram persuadidos pelo que ele dizia, mas outros não creram” (28:24). Os que criam eram as virgens prudentes, e os que desdenhavam eram as virgens insensatas. Suas lâmpadas estavam apagadas. Lucas diz que eles “discordaram entre si, e começaram a sair, havendo Paulo dito esta palavra: Bem falou o Espírito Santo a nossos pais pelo profeta Isaías: Vai a este povo, e dize: Ouvindo, ouvireis, e de maneira nenhuma entendereis; vendo, vereis, e de maneira nenhuma percebereis. Pois o coração deste povo está endurecido; com os ouvidos ouviram pesadamente, e fecharam os olhos, para que jamais vejam com os olhos, nem ouçam com os ouvidos, nem entendam com o coração, e se convertam e eu os cure” (Atos 28:25-27).

Dentre os filhos de Israel, somente o remanescente pôde entrar no Reino de Deus. Quem são os remanescentes? Os que deram ouvidos ao grito profético, e foram ao encontro do Noivo. Isso é confirmado por outras passagens, como aquela que Paulo menciona aos Romanos: “Ainda que o número dos filhos de Israel seja como a areia do mar, o remanescente é que será salvo”( Rm.9:27).

Somente os que atentarem para as profecias, e se derem conta de que elas falam de Jesus de Nazaré, e confiarem em Sua provisão para a salvação, serão, de fato, salvos.

Ninguém será salvo por pertencer a uma etnia, ou por ter o sangue de Abraão correndo em suas veias.

É Paulo quem declara:“Tenho declarado tanto aos judeus como aos gregos que devem se converter a Deus, arrepender-se e ter fé em nosso Senhor Jesus Cristo” (At.20:21).

Por todo o livro de Atos encontramos o cumprimento da parábola das virgens. Em Antioquia, por exemplo, “muitos dos judeus e dos prosélitos devotos seguiram a Paulo e Barnabé, os quais, falando-lhes, exortavam-nos a que permanecessem na graça de Deus”(At.13:43). Esses equivalem às “virgens prudentes”. Mas logo abaixo no texto, lemos que“os judeus, vendo a multidão, encheram-se de inveja, e, blasfemando, contradiziam o que Paulo falava” (v.45). Esses equivalem às “virgens insensatas”.

A parábola prossegue:
“Então todas aquelas virgens se levantaram e prepararam as suas lâmpadas. E as insensatas disseram às prudentes: Dai-nos do vosso azeite; as nossas lâmpadas se apagam. Mas as prudentes responderam: Não seja o caso que nos falte a nós e a vós. Ide antes aos que o vendem, e comprai-o” (Mt.25:7-9).
De quem elas deveriam comprar o azeite? Onde encontrariam a luz de que suas lâmpadas necessitavam? Com a palavra, Simão Pedro, o apóstolo da circuncisão:
“E temos ainda mais firme a palavra dos profetas, à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma luz que ilumina em lugar escuro, até que o dia clareie, e a estrela da manhã surja em vossos corações” (2 Pe.1:19).
Revelação nãoé algo que se possa receber de terceiros. Não há como terceirizá-la. Tem-se que buscar na fonte. Podemos adquirir informação através de outros, mas só adquiriremos “azeite” para nossas lâmpadas, se buscarmos diretamente na fonte. Por isso Jesus insistia: “Examinai as Escrituras...”

Por muitos séculos, os judeus negligenciaram a Palavra. Por isso, foram incapazes de reconhecer o Messias, quando Ele apareceu nas ruas da Galileia.

Quando procuraram por Paulo em Roma, queriam um pouco de azeite para suas lâmpadas, mas a porta já se havia fechado. Como disse Jesus, o Reino lhes fora tirado, e entregue a um outro povo, a igreja. Somente os remanescentes “entraram com ele para as bodas”. Para esse “remanescente”, a porta sempre estará aberta. Como bem afirmou o apóstolo: “Assim, pois, também agora neste tempo ficou um remanescente, segundo a eleição da graça” (Rm.11:5).

Como vimos, a parábola das virgens jamais teve a intenção de causar pânico aos seguidores de Cristo. Não estamos nem entre as cinco prudentes, nem entre as cinco insensatas. Somos a única noiva do Cordeiro, aquela que está sendo preparada para ser apresentada “como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2 Co.11:2).

Christus Victor!

Nossos corpos ressuscitarão? Como?

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Por Hermes C. Fernandes

Assistir a um corpo descendo à cova não é nada fácil. Mais impactante ainda é assistir às cinzas de um corpo cremado sendo lançadas ao mar. O que será desses corpos? Digo, dentro da perspectiva cristã.

O credo apostólico é claro quanto à crença cristã histórica na ressurreição, tanto de Cristo, quanto de todos os homens. Nele se afirma que Jesus Cristo foi “morto e sepultado; desceu ao Hades; ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; subiu ao céu; está sentado à direita de Deus Pai Todo-poderoso, donde há de vir para julgar os vivos e os mortos .” Além de chancelar a crença “na ressurreição do corpo (1) e na vida eterna.” Mas como isso se dará?

O que dizer de corpos que foram reduzidos a nada? Seus átomos se espalharam pelo ar e hoje fazem parte de outros corpos e até de objetos inanimados. Como reagrupá-los? Que Deus é onipotente, todos concordamos sem titubear. Todavia, se um átomo que antes pertencia a um corpo, agora pertence a outro, a qual deles ele se ajuntará na ressurreição? E no caso de um órgão que tenha sido doado, em que corpo ressuscitará, no que doou ou no que recebeu?

Na fantasia de muitos, quando a última trombeta soar e Cristo surgir entre as nuvens do céu, os túmulos se abrirão, e os corpos se levantarão reanimados. Talvez uma leitura literal dos textos sagrados sugira isso. Porém, devemos cuidar para que não tropecemos numa literalidade radical, e, assim, exponhamos a autoridade bíblica ao desprezo de muitos desnecessariamente.

Obviamente que tal expectativa está embasada nas Escrituras, em pelo menos dois dos seus textos. Um deles está em Ezequiel 37:12-13, onde lemos: “Portanto profetiza, e dize-lhes: Assim diz o Senhor DEUS: Eis que eu abrirei os vossos sepulcros, e vos farei subir das vossas sepulturas, ó povo meu, e vos trarei à terra de Israel.E sabereis que eu sou o Senhor, quando eu abrir os vossos sepulcros, e vos fizer subir das vossas sepulturas, ó povo meu. Basta conferir o restante do texto para perceber seu caráter alegórico, apontando para a ‘ressurreição’ de Israel como nação, e não a ressurreição universal que ocorrerá no último dia. O outro texto é ainda mais contundente. Nele, o próprio Cristo declara: “Não vos maravilheis disto; porque vem a hora em que todos os que estão nos sepulcros ouvirão a sua voz.E os que fizeram o bem sairão para a ressurreição da vida; e os que fizeram o mal para a ressurreição da condenação”(João 5:28-29).

Repare que em momento algum Ele diz que os mortos sairão dos seus respectivos sepulcros. O que é afirmado ali é que aqueles cujos corpos estavam nos sepulcros naquele momento, um dia ouviriam a sua voz e ressuscitariam.

Se devêssemos fazer uma leitura literal, como ressurgiriam os que não houvessem sido sepultados? O que dizer dos que foram cremados? E os que foram vítimas da explosão de uma bomba? E os que tiveram seus corpos lançados ao mar e foram devorados por peixes? Estas questões demonstram o absurdo de se crer que a ressurreição tenha a ver com a reanimação de corpos.

Outra coisa que acaba por confundir a muitos é o fato de que a Bíblia garante que experimentaremos uma ressurreição semelhante a de Jesus. Ora, Ele ressuscitou com o mesmo corpo, embora glorificado. Então, conclui-se que também ressuscitaremos com os mesmos corpos. A base para tal conclusão está em Filipenses 3:21, onde Paulo declara que Cristo  transformará o corpo da nossa humilhação, para ser conforme ao corpo da sua glória, segundo o seu eficaz poder de até sujeitar a si todas as coisas.” Mesmo que o resultado seja o mesmo, o processo será diferente. Isto porque Jesus não viu a corrupção, isto é, Seu corpo não chegou a decompor-se (At.2:31). Apesar de que seremos ressuscitados pelo mesmo poder que O levantou dentre os mortos, recebendo corpos igualmente incorruptíveis e glorificados, passaremos por um processo diferente, pois nossos corpos terão sido decompostos.

Convém, ainda, salientar que, a Bíblia fala da ressurreição do "corpo" (soma), não da "carne" (sarx). Isso, porque "carne e sangue não podem herdar o reino de Deus; nem a corrupção herda a incorrupção"(1 Co.15:50).  O corpo espiritual de que fala Paulo será tangível, material, mas não carnal, sujeito ao desgaste do tempo e à morte. 

Ora, se não sairão dos sepulcros, de onde virão os corpos dos ressuscitados?

A resposta pode ser encontrada em diversas passagens, porém, quero destacar duas.

Em Judas 1:14 lemos que Cristo virá “com milhares de seus santos.” E em 1 Tessalonicenses 4:14, Paulo diz que “aos que em Jesus dormem, Deus os tonará a trazer com ele.”

Portanto, quando Cristo aparecer em glória, os santos de todas as eras virão juntamente com Ele em seus corpos glorificados.

Estes corpos não são a continuidade dos atuais. Pelo menos, não para os que houverem morrido. Paulo compara nosso corpo atual a uma tenda portátil, chamada ali de tabernáculo, enquanto nosso corpo celestial seria um edifício, reservado no céu para nós.  As moradas a que Jesus se refere como estando sendo preparadas para nós não são mansões literais, mas nossos novos corpos.

Tão logo deixamos este corpo, somos remetidos ao último dia, recebendo de imediato um corpo glorioso e imperecível, de modo que, jamais viveremos sem um corpo. Leia atentamente e confira se não é isso que Paulo nos garante:

“Porque sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos de Deus um edifício, uma casa não feita por mãos, eterna, nos céus.Pois neste tabernáculo nós gememos, desejando muito ser revestidos da nossa habitação que é do céu,se é que, estando vestidos, não formos achados nus.Porque, na verdade, nós, os que estamos neste tabernáculo, gememos oprimidos, porque não queremos ser despidos, mas sim revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida.2 Coríntios 5:1-4

Provavelmente o texto mais esclarecedor sobre o assunto, encontra-se na primeira epístola enviada por Paulo a esta mesma igreja, no capítulo 15. Ali, ele oferece resposta a várias questões relativas ao tema.

“Mas alguém dirá: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão?Insensato! o que tu semeias não é vivificado, se primeiro não morrer.E, quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas o simples grão, como de trigo, ou de outra qualquer semente.Mas Deus dá-lhe o corpo como quer, e a cada semente o seu próprio corpo.1 Coríntios 15:35-38

Sem uma compreensão ampla, podemos deduzir precipitadamente que Paulo estivesse afirmando que o novo corpo nada mais será do que a continuação deste, e que, portanto, nosso corpo atual terá que deixar a sepultura ao clangor da última trombeta.

Todavia, o que Paulo está dizendo é exatamente o oposto. “Quando semeias, não semeias o corpo que há de nascer (...) Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção.Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor.Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1 Co.15:42-44). Logo, o corpo que desce à sepultura não é o mesmo que se manifestará com Cristo em glória. 

Apesar de espiritual, ainda assim, será corpo. Não será uma fumacinha. Nem uma energia sutil. Mas, corpo tangível, tal qual o do Cristo ressurreto, que não apenas pôde ser tocado por Tomé e pelos demais discípulos, mas também processou alimento e conservou várias das características físicas, inclusive as cicatrizes.

Mesmo que não seja exatamente o mesmo corpo, creio que nosso corpo espiritual guardará várias de nossas características físicas, sobretudo, as fisionômicas. É como se Deus guardasse nos arquivos celestiais um backup com a sequência exata de nosso DNA, acrescido do código de nossa consciência, que preservará intacta a memória de todas as nossas experiências. Nada se perderá! A única coisa que será removida de nossa natureza será o pecado, causador da morte. Seremos nós, nosso código genético, nossa personalidade, nossa fisionomia, porém, aperfeiçoados, sem enfermidades ou deformações, sejam de caráter físico ou psicológico. Talvez, apenas algumas cicatrizes que serão como troféus, marcas de uma vida dedicada à causa do reino de Deus e de Sua justiça.

E quanto aos que estiverem vivos no momento em que Jesus Se manifestar em glória? Segundo Paulo, num momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados.Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, e que isto que é mortal se revista da imortalidade”(1 Co. 15:51-53).

Diferente de Jesus, cujo corpo não chegou a corromper-se, e daqueles que estiverem vivos no momento da parousia, os que já houverem morrido, terão que receber um novo corpo. Essa "tenda" é apenas o andaime que precisará ser removido para dar lugar ao edifício glorioso que emergirá. De uma maneira ou de outra, quer estejamos vivos ou mortos, o fato é que receberemos novos corpos, que, ao mesmo tempo, será continuação do atual no que tange à morfologia (forma), e algo totalmente novo no que tange à natureza.  Sem este novo corpo, jamais poderíamos viver no ambiente da eternidade, composto do novo céu e da nova terra, que nada mais são do que os atuais inteiramente restaurados à sua ordem original.

Fique tranquilo, que certamente nos reconheceremos lá, mesmo com as eventuais correções em nossa aparência. Nossa personalidade, e, por conseguinte, nossa memória serão preservadas. Nossa história jamais será esquecida. Caso contrário, não seríamos nós, mas outros. E não haveria qualquer razão para ações de graça.  Como agradecer por algo de que não temos qualquer lembrança? Como poderemos louvar ao Cordeiro, senão nos lembrarmos dos nossos pecados que O levaram à cruz?

Quando a Bíblia diz que não haverá mais lembranças das coisas passadas, não é no sentido de que seremos submetidos a uma espécie de amnésia. Mas no sentido de que não serão mais essas lembranças que determinarão nossa vida. Assim como Deus diz não se lembrar dos nossos pecados. Todavia, ninguém deduz daí que Ele sofra de alguma amnésia.


(1) O credo original traz "ressurreição da carne" em vez de "ressurreição do corpo", todavia, as Escrituras usam o termo "carne" como eufemismo do ser humano como um todo, material e espiritual.

A todas as mães, carinho e amor

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Às Mães que apesar das canseiras, dores e trabalhos, sorriem e riem, felizes, com os filhos amados ao peito, ao colo ou em seu redor; e às que choram, doridas e inconsoláveis, a sua perda física, ou os vêem “perder-se” nos perigos inúmeros da sociedade violenta e desumana em que vivemos; às Mães ainda meninas, e às menos jovens, que contra ventos e marés, ultrapassando dificuldades de toda a ordem, têm a valentia de assumir uma gravidez - talvez inoportuna e indesejada – por saberem que a Vida é sempre um Bem Maior e um Dom que não se discute e, muito menos, quando se trata de um filho seu, pequeno ser frágil e indefeso que lhe foi confiado.

Às Mães que souberam sacrificar uma talvez brilhante carreira profissional, para darem prioridade à maternidade e à educação dos seus filhos e às que, quantas vezes precisamente por amor aos filhos, souberam ser firmes e educadoras, dizendo um “não” oportuno e salvador a muitos dos caprichos dos seus filhos adolescentes; às Mães precocemente envelhecidas, gastas e doentes, tantas vezes esquecidas de si mesmas e que hoje se sentem mais tristes e magoadas, talvez por não terem um filho que se lembre delas, de as abraçar e beijar...

Às Mães solitárias, paradas no tempo, não visitadas, não desejadas, e hoje abandonadas num qualquer quarto, num qualquer lar, na cidade ou no campo, e que talvez não tenham hoje, nem uma pessoa amiga que lhes leia ao menos uma carta dum filho...; também às Mães que não tendo dado à luz fisicamente, são Mães pelo coração e pelo espírito, pela generosidade e abnegação, para tantos que por mil razões não tiveram outra Mãe...e finalmente, também às Mães queridíssimas que já partiram deste mundo e que por certo repousam já num céu merecido e conquistado a pulso e sacrifício... A todas as Mães, a todas sem excepção, um Abraço e um Beijo cheios de amor e de ternura! E Parabéns, mesmo que ninguém mais vos felicite! E Obrigado, mesmo que ninguém mais vos agradeça!

O Abominável Homossexual e a abominação que há em mim

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Por Hermes C. Fernandes

Recentemente, chamou-me a atenção um dos comentários feitos no facebook acerca de um post meu intitulado “Cristãos em defesa dos homossexuais”, segundo o qual eu estaria defendendo algo abominável. Obviamente que, em momento algum, saí em defesa da prática da promiscuidade, seja de natureza hétero ou homossexual, assim como Cristo não defendeu o adultério ao impedir que aquela mulher adúltera fosse sumariamente executada a pedradas em pleno pátio do templo. Pus-me a refletir: Se fosse um gay no lugar de uma adúltera, teria Jesus permitido que fosse apedrejado? Seriam os homossexuais uma classe abominável aos olhos de Deus? Em que se baseiam os que defendem tal coisa? Eis o primeiro verso bíblico que trata da questão:
“Quando também um homem se deitar com outro homem, como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue será sobre eles.” Levítico 20:13
Não me atreveria a remover este verso das Escrituras! Mas por que Deus classifica atos homoeróticos como abomináveis? Seria Deus um homofóbico? Antes de tirarmos conclusões precipitadas, vamos investigar outras passagens para entender o que significa ser “abominável”.

Em Deuteronômio 22:5 lemos que o homem não deve vestir-se com roupas femininas, nem a mulher vestir-se com trajes masculinos. “Qualquer que faz isto, abominação é ao Senhor teu Deus”. Baseadas nesta passagem, muitas igrejas mantiveram um regime rígido que proibia que as mulheres usassem calças. De um tempo para cá, a maior parte das igrejas aboliu tal regra. A razão pela qual Deus a estabeleceu  não tinha nada a ver com moral, mas com higiene. Os hebreus estavam em trânsito pelo deserto, vivendo em tendas portáteis. Tão logo a nuvem que os conduzia se movia, eles tinham que desarmar suas tendas imediatamente para segui-la. Nesta pressa, alguns vestiam as roupas de suas mulheres justamente quando estas estavam em seus dias de menstruação. Não havia nada que distinguisse uma da outra. Tanto homens quanto mulheres usavam vestidos que não se distinguiam nem pelas cores, nem pelos modelos. Geralmente, as roupas sequer eram tingidas. A única maneira de se resolver isso era manter as roupas em lugares separados. Não faria sentido manter tal regra em nossos dias. Naquela época a mulher menstruada tinha que se isolar, e caso se atrevesse a sair da tenda, poderia ser apedrejada. A lei a classificava como imunda e aquele em quem ela tocasse era considerado igualmente imundo (Levítico 15:19). Teria Jesus ficado imundo ao deixar-se tocar por aquela mulher cuja ‘menstruação’ já durava doze anos?

Muito do que era considerado ‘absoluto’ pelos judeus contemporâneos de Jesus, Ele relativizou: "Ouviste o que fora dito, eu, porém, vos digo..." Outro exemplo é quando Ele toca o esquife onde estava um morto. De acordo com a Lei, isso o tornava imundo, isto é, abominável aos olhos de Deus. O mesmo se deu quando tocou no leproso. Mas, de todos os exemplos, provavelmente o mais radical foi o episódio em que Jesus aceitou a oferta de uma prostituta. A Lei era clara: “Não trarás o salário da prostituta nem preço de um sodomita à casa do SENHOR teu Deus por qualquer voto; porque ambos são igualmente abominação ao SENHOR teu Deus” (Deuteronômio 23:18). Por isso, seu anfitrião pôs em xeque o ministério de Jesus. “Se ele soubesse quem é esta mulher, de maneira alguma aceitaria sua oferta”. Ele preferiu chegar à conclusão de que Jesus não era quem dizia ser a simplesmente aceitar que a graça prevalecia sobre o juízo estabelecido pela lei.

Repare que o mandamento põe a prostituição e a prática homossexual em pé de igualdade. Portanto, o que se aplica às prostitutas, aplica-se também aos homossexuais. Logo, se Jesus aceitou a oferta daquela mulher, certamente a aceitaria das mãos de um homossexual. Se Ele aceitou a companhia dessas, certamente não recusaria a deles. E veja que os "sodomitas" em questão eram prostitutos cúlticos, e não meramente homossexuais por orientação. Esses viviam de sua prática, como hoje vivem muitos travestis que se prostituem nas ruas de nossas cidades. Convém salientar que nem todo homossexual tem vida promíscua ou vive desta prática. Muitos cristãos preferem vê-los marginalizados, tendo que vender seus corpos para sobreviver, a dar-lhes o direito de constituir uma família ou mesmo viver numa relação monogâmica. Não estou aqui defendendo uma coisa ou outra, mas apenas expondo minha constatação.

Tenho sérias dificuldades para entender por que somos tão seletivos com as passagens bíblicas. Pinçamos as que parecem corroborar com nossos gostos e preferências, e fazemos vista grossa às demais. A mesma Bíblia que classifica a prática homossexual como abominável, também classifica como abomináveis as práticas apontadas abaixo:
·   *  Líderes gananciosos que se aproveitam da boa fé das pessoas para se locupletarem“Porque desde o menor deles até ao maior, cada um se dá à avareza; e desde o profeta até ao sacerdote, cada um usa de falsidade.E curam superficialmente a ferida da filha do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz.Porventura envergonham-se de cometer abominação? Pelo contrário, de maneira nenhuma se envergonham, nem tampouco sabem que coisa é envergonhar-se; portanto cairão entre os que caem; no tempo em que eu os visitar, tropeçarão, diz o SENHOR.” Jeremias 6:13-15
·   * Políticos corruptos“Abominação é aos reis praticarem impiedade, porque com justiça é que se estabelece o trono.” Provérbios 16:12. 
·   * O que se justifica a si mesmo, achando-se moralmente superior aos demais -“E disse-lhes: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações, porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação.” Lucas 16:15
Quero ater-me, em especial, a este último caso. O fato de ser heterossexual não me dá o direito de sentir-me moralmente ou espiritualmente superior ao homossexual. Todo preconceito é abominável aos olhos de Deus. Somos todos farinha do mesmo saco. Repare no que diz a passagem abaixo:

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce da mulher, para ser justo?Eis que ele não confia nos seus santos, e nem os céus são puros aos seus olhos.Quanto mais abominável e corrupto é o homem que bebe a iniquidade como a água?” Jó 15:14-16

Esta passagem é um raio x de nossa condição humana. Não importa a cor de nossa pele, nossa condição social ou orientação sexual. Ninguém escapa deste diagnóstico desesperador. Davi parece concordar com ele quando declara: “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Têm-se corrompido, e cometido abominável iniquidade; não há ninguém que faça o bem” (Salmos 53:1). Nas palavras de Paulo,“todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”(Rm.3:23). TODOS! Judeus e gentios. Homens e mulheres. Brancos e negros. Ricos e pobres. Héteros e gays!

Pena que os que querem colocar os gays numa classe distinta de pecadores só consigam enxergar o que Paulo diz no primeiro capítulo desta mesma epístola. Ali lemos que pelo fato de os homens terem mudado a verdade de Deus em mentira, honrando e servindo mais a criatura do que o Criador, “Deus os abandonou às paixões infames. Porque até as suas mulheres mudaram o uso natural, no contrário à natureza.E, semelhantemente, também os homens, deixando o uso natural da mulher, se inflamaram em sua sensualidade uns para com os outros, homens com homens, cometendo torpeza e recebendo em si mesmos a recompensa que convinha ao seu erro” (Rm.1:25-26). Observe que foi o próprio Deus quem os entregou às suas próprias paixões. Tudo“por que não se importaram de ter conhecimento de Deus” (v.27). Portanto, a depravação humana, independente da maneira como se manifeste, é resultante do juízo de Deus sobre a humanidade por ela lhe ter dado dado as costas.Todavia, isso não se limita à  prática homossexual. Paulo adiciona algumas práticas que preferimos abafar ou relega-las a um segundo plano. Por que será?

“E, como eles não se importaram de ter conhecimento de Deus, assim Deus os entregou a um sentimento perverso, para fazerem coisas que não convêm;estando cheios de toda a iniquidade, prostituição, malícia, avareza, maldade; cheios de inveja, homicídio, contenda, engano, malignidade;sendo murmuradores, detratores, aborrecedores de Deus, injuriadores, soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais e às mães;néscios, infiéis nos contratos, sem afeição natural, irreconciliáveis, sem misericórdia;Os quais, conhecendo a justiça de Deus (que são dignos de morte os que tais coisas praticam), não somente as fazem, mas também consentem aos que as fazem.” Romanos 1:25-32

Como somos tão hipócritas a ponto de condenarmos o homossexual e deixarmos impunes os “sem misericórdia”? Quem seriam estes senão os que hoje chamamos de preconceituosos? Não estariam entre eles os homofóbicos? Os que condenam os outros enquanto absolvem a si mesmos? Os duros quando julgam os semelhantes, mas condescendentes consigo mesmos?

Querem condenar os gays, condenem também os invejosos, os sonegadores de impostos, os desobedientes aos pais, os que quebram contratos, etc.

Convém, aqui, salientar que entre as coisas consideradas abomináveis por Deus está a prática dos dois pesos e duas medidas (Dt.25:15-16). Pau que dá em Chico, também dá em Francisco! Todos somos dignos de morte! Não fosse a graça redentora de Cristo estaríamos todos no mesmo inferno. Pertencemos a uma raça caída, entregue às suas paixões, suscetível a todo tipo de depravação e perversão. Só nos resta apelar à misericórdia divina. Foi a esta conclusão a que chegou Paulo:

“Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim.Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo.Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus;mas vejo nos meus membros outra lei, que batalha contra a lei do meu entendimento, e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros.Miserável homem que eu sou! quem me livrará do corpo desta morte?” Romanos 7:18-24

Antes de chamar um gay de abominável, eu deveria olhar para mim mesmo e encontrar em minha natureza as mesmas pulsões, ainda que nele se manifestem de maneira diferente de mim. “Miserável homem quem sou!”  Como posso apontar o cisco no olho do outro quando trago uma trave atravessada no meu? Careço tanto da graça quanto qualquer outro ser humano.

Abominável sou eu, não eles! Eu com meus preconceitos travestidos de piedade, com minhas presunções travestidas de crença, e com minha mania de me auto-justificar apontando os pecados alheios. Só em pensar me dá nojo... nojo de mim mesmo. Nojo da minha pseudo-santidade.

O pior travesti não é o que se veste como mulher, mas o que se traveste de religiosidade para esconder suas próprias misérias.

Que esperança haveria para um membro desta raça caída que somos nós?

Com a Palavra, o Deus de toda a misericórdia:

“Vinde então, e argui-me, diz o SENHOR: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã.” Isaías 1:18

Qualquer ser abominável como eu poderá ter os seus pecados purificados, tornando-se brancos como a neve. Lembrei-me até do “abominável homem da neve”...rs

Desarmemos nossos espíritos e acolhemo-nos uns aos outros da mesma maneira como Ele nos acolheu, perdoando-nos, fazendo-se “abominável” em nosso lugar para que fôssemos recebidos em Sua família como filhos amados.

O estado de saúde de minha filha Rayane

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O nosso Dia das Mães de ontem tinha tudo para ser perfeito, exceto pela amarga experiência que tivemos com a nossa filha primogênita. Rayane foi acometida por um vírus chamado Herpes Zoster que provoca bolhas (vesículas) e lesões que causam dores insuportáveis. Nunca vi minha filha sofrer tanto. O dia que começamos na igreja, terminamos no hospital. Peço aos amados que orem por ela. É triste a sensação de impotência ante o sofrimento de um filho, principalmente quando se trata de uma criança especial. A gente tenta adivinhar o que ela não consegue expressar em palavras. Orem por Tânia, minha esposa, que já tem passado várias noites insones por causa do estado de nossa filhinha. Meus outros filhos também estão bem abatidos com a situação dela. Se as bolhas não estourarem até amanhã, teremos que interná-la e submetê-la a uma intervenção cirúrgica para drená-las.

Um clamor pela Cura do Mundo

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Por Hermes C. Fernandes


O mundo está doente. Basta passar os olhos pelas manchetes dos jornais para constatar isso. E quem, por mais desumano que fosse, daria as costas a um paciente neste estado? Geralmente, ao menor sinal de enfermidade, corremos para o médico. Por mais romântica que seja a visão que tenhamos do céu, o fato é que ninguém quer morrer. O céu pode esperar. Na última noite, por exemplo, foi acometido por um mal estar súbito. Minha pressão foi a 19 por 11. Minhas mãos e pés ficaram gelados. Tive calafrios. A única coisa que ouvia dos lábios dos meus filhos era: pai, você precisa de um hospital urgentemente. Quem me conhece sabe o quanto evito ter que recorrer ao médico. Porém, o receio de que as coisas piorassem fez com que deixasse tudo e saísse às pressas para o hospital. Graças a Deus, sobrevivi. Foi um baita susto. Mas o Senhor, em Sua infinita misericórdia poupou meus filhos de ficarem órfãos a esta altura da vida. Agora, imagine se ao chegar ao hospital os médicos se negassem a me prestar socorro. Talvez eu não estivesse aqui agora digitando este post. Aliás, eu deveria estar de repouso, mas não quero desperdiçar a oportunidade de compartilhar o que o Senhor me permitiu compreender.

O fato é que a igreja tem se negado a prestar socorro a um mundo em estado terminal. Alguns, por se sentirem impotentes, achando que não há nada que possa ser feito para reverter o quadro. Outros, por simples negligência. Em outras palavras, uns até querem, mas acham que não podem. Enquanto outros, sabem que podem, mas não querem. Porém, a grande maioria ignora que o propósito de Deus seja o de curar o mundo.

É lamentável perceber que enquanto a igreja se distancia da realidade, profetas seculares emprestam os lábios à graça comum para expressar o anseio da criação por cura. Em sua canção "Heal the World" (Cure o Mundo), Michael Jackson diz: "Na graça, não podemos sentir medo ou pavor. Nós paramos de existir e começamos a viver (...) Então faça um mundo melhor (...) Cure o mundo! Faça dele um lugar melhor pra você e pra mim e toda a raça humana. Tem pessoas morrendo. Se você se importa o suficiente com os vivos, faça do mundo um lugar melhor (...) E os sonhos que foram concebidos revelarão um rosto alegre. E o mundo, uma vez que acreditar, vai brilhar novamente em graça. Então, por que continuamos estrangulando a vida, machucando a terra, crucificando sua alma? (...) Em meu coração, sinto que somos todos irmãos. Crie um mundo sem medo. Juntos choramos lágrimas de felicidade. Veja as nações transformarem suas espadas em arados. Nós podemos chegar lá!"

Este foi um dos últimos sucessos do cantor norte-americano antes de sua morte.

Outro "profeta secular" que se deixou instrumentalizar pela graça comum para expressar tais anseios foi Lulu Santos. Em sua canção "A cura" ele diz: "Existirá, em todo porto tremulará (se hasteará) a velha bandeira da vida. Acenderá todo farol. Iluminará uma ponta de esperança. E se virá, será quando menos se esperar. De onde ninguém imagina. Demolirá toda certeza vã. Não sobrará pedra sobre pedra. Enquanto isso, não nos custa insistir na questão do desejo. Não deixar se extinguir. Desafiando de vez a noção na qual se crê que o inferno é aqui. Existirá e toda raça, então, experimentará para todo o mal a cura."

Em minha opinião, de todas as canções seculares, nenhuma expressa tão bem tal anseio e esperança do que "Perfeição" de Renato Russo:"Venha! Meu coração está com pressa. Quando a esperança está dispersa, só a verdade me liberta. Chega de maldade e ilusão. Venha! O amor tem sempre a porta aberta, e vem chegando a primavera. Nosso futuro recomeça. Venha, que o que vem é perfeição.

Devo confessar que encontro mais conteúdo legitimamente cristão nas letras destas canções do que na maioria das que tocam hoje nas rádios evangélicas. Mas deixemos esta crítica para outra ocasião. Meu objetivo neste post é revelar a esperança que ainda há por parte da criação, mas que, infelizmente, boa parte da igreja parece ter perdido.

Na cabecinha de muitos crentes, nosso único papel é enviar pessoas para o céu. Para os tais, quanto pior estiver o mundo, melhor. Isso apressaria a volta de Jesus. Esta postura ridícula equivaleria estar à beira de um leito hospitalar torcendo pela morte do paciente.

Deus não desistiu da criação! Deus não desistiu da humanidade! Deus não desistiu do Seu mundo. Isso mesmo. Este é o mundo de Deus. Ele não é rascunho, mas um esboço prestes a ter seus traços reforçados pelas mãos do grande arte-finalista.

O pecado borrou a obra-prima de Deus. Mas não é nada que a borracha da graça não possa apagar e o pincel do amor não possa refazer.

O que a igreja parece ignorar é que ela faz parte do processo de cura deste mundo.

No próximo post falarei mais sobre isso. No mais, peço que orem por mim. Continuem orando por minha filha Rayane que está se recuperando da enfermidade que a acometeu. Obrigado pelo carinho demonstrado por ela nas redes sociais. 

A Árvore da Vida e a Cura das Nações

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Por Hermes C. Fernandes

De acordo com as Escrituras, a história da saga humana começa num jardim e termina numa praça. O que os difere é que o jardim era cercado de árvores, enquanto a praça é cercada de edifícios. No centro de ambos, a Árvore da Vida. Ora, a menos que a tal árvore tenha mudado de lugar, somos levados a crer que se trata do mesmo ambiente. O jardim do Éden foi promovido a praça da Nova Jerusalém. E ao redor da Árvore da Vida erigiu-se uma civilização. Uma sociedade formada de seres humanos regenerados. Gente que abriu mão de viver para si, para construir suas vidas ao redor do trono da graça.

O perímetro onde a Árvore da Vida está plantada representa a esfera relacional de plena comunhão entre o Criador e a criatura. O Éden, jardim das delícias, nada mais é do que isso. O pecado nos exilou da presença imediata de Deus. Alienamo-nos d'Ele desde o dia em que, ao comermos de um fruto que nos era vetado, tornamo-nos num ramo de outra árvore, a do conhecimento do bem e do mal. Nossa rebeldia não poderia ter custado mais caro. Fomos expulsos do paraíso de mala e cuia. Nossa nudez foi exposta. Queríamos ser como Deus e descobrimo-nos como animais. Se o fruto do qual comemos fosse apenas do conhecimento do bem, tudo seria mil maravilhas. Mas ele também nos introduziu ao outro lado. O mal se nos tornou familiar. Eis a razão pela qual o mundo está doente.

Sorte nossa Deus não ter desistido de Sua obra.

Desde então, a criação inteira ficou na expectativa de que esta sina seria revertida. Um dia a Árvore da Vida nos seria franqueada novamente. Porém, para isso, alguém teria que enfrentar a espada dos querubins guardiões do jardim. Aquela era a espada da lei. Quem se atrevesse a enfrentá-la, certamente morreria. Por isso, sobre a tampa da Arca da Aliança onde as tábuas da lei foram depositadas, havia dois querubins. O Santo dos Santos onde a Arca fora colocada representa o centro do jardim, lugar da presença imediata de Deus. Cristo enfrentou a espada da lei que bloqueava nosso acesso à Árvore da Vida. Apesar de inocente, tal espada não O poupou. Seu sangue pavimentou nosso caminho de volta ao paraíso, lugar que representa nossa comunhão com o Pai. Seu corpo foi depositado num túmulo emprestado e escoltado por dois anjos, os mesmos que guardavam a Árvore da Vida. Coube a eles anunciar às mulheres lá estiveram que Jesus já não estava ali. A última aparição destes guardiões se deu quando o mesmo Jesus foi assunto ao céu.

Sua morte vicária na cruz reinaugurou o paraíso. O ladrão que morria ao Seu lado foi o convidado de honra para cortar a fita. Os guardiões da Árvore da Vida foram promovidos a arautos do reino. "Ele não está mais aqui!", anunciaram à porta do sepulcro que ficava exatamente no centro de um jardim.

Todo aquele que n'Ele crê, alimenta-se do Seu fruto e recebe a vida eterna. Foi Ele mesmo quem nos afiançou: "Quem de mim se alimenta, também viverá por mim" (Jo.6:57).

Cristo é a Árvore da Vida. Como Deus e Homem, Ele é aquele que enfrenta a espada da lei para garantir-nos acesso a Si mesmo. E ao d'Ele nos alimentarmos, tornamo-nos ramos da Videira Verdadeira. Etimologicamente, "videira" significa justamente "árvore de vida".

Somos, portanto, ramos da Árvore da Vida que é Cristo, plantados à margem do Rio da Vida, que é o Espírito Santo, e temos um duplo objetivo: produzir frutos para Deus, e remédio para as nações através de nossas folhas (Ap.22:1-2; Ez.47:12). Sempre que me deparava com essas passagens em, me perguntava em que sentido nossas folhas curariam as nações.

Para que servem as folhas de uma árvore, afinal? Para produzir o oxigênio. Isso se dá através de um processo conhecido como fotossíntese.

Para que esse processo ocorra, é necessário a atuação de três agentes: o sol, com a sua luz (foton); o gás carbônico produzido por todos os que respiram, e que é considerado nocivo para nós mesmos; e as folhas, com seu poder de processar esse gás carbônico, devolvendo-o à atmosfera em forma de oxigênio.

Interessante essa analogia... Recebemos de Deus o bem, mas por causa de nossa natureza caída, o bem passa por nós, e transforma em algo nocivo aos nossos semelhantes e a nós mesmos. Recebemos da natureza o oxigênio, que depois de passar por nós, se transforma em gás carbônico. Nossa natureza caída transforma remédio em veneno, vida em morte, amor em ódio, justiça em vingança.

Não precisamos nos esforçar para isso. Está em nossa natureza. Por isso, Paulo dizia: "Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum. Com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem" (Rm.7:18).

Deus, em Sua infinita sabedoria, plantou no meio do Seu Jardim (humanidade) a Árvore da Vida. Aos nos convertermos a Ele, tornamo-nos ramos dessa árvore. E nossa suprema missão é reverter esse quadro danoso, esse círculo vicioso de ódio, rancor e vingança.

Mas não podemos fazê-lo sozinho. Não é na força de nosso braço. Como diz a Escritura, não é por força, nem por violência, pelo Espírito. Lá fora está o Mundo sem Deus, a humanidade caída, produzindo males para si mesma. Nosso papel, como Igreja de Cristo, é romper com o ciclo da maldade, e transformar o mal que recebemos em bem.

Como se dará essa "química"? Como processá-la? Que misteriosa alquimia é esta, capaz de transformar "ferro velho" em ouro?

Sozinhos? Impossível! E é aí que entra o único que pode produzir a síntese perfeita: Deus.

Tal qual o Sol na fotossíntese, é o Pai Celestial que origina todo o processo. Como vimos, a Árvore da Vida é Cristo, do qual somos ramos. As folhas representam a manifestação da natureza divina em nós, capaz de transformar o mal recebido em bem.

A Igreja de Cristo é como um poderoso reator, capaz de processar todo mal que recebe, e devolvê-lo ao mundo em forma de perdão e amor.
"Abençoai aos que vos perseguem; abençoai, e não amaldiçoeis (...) A ninguém torneis mal por mal (...) Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem." Romanos 12:14,17a,21
"Não pagueis mal por mal, nem injúria por injúria. Pelo contrário, bendizei, porque para isso fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança (...) Tende uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom procedimento em Cristo. Melhor é que padeçais fazendo o bem (se a vontade de Deus assim o quer), do que fazendo o mal." 1 Pedro 3:9,16-17
E é assim que o bom perfume de Cristo é extraído de nós, e exalado no mundo. Em vez de questionarmos a razão de sofrermos, devemos receber a injustiça, e devolvê-la ao mundo em forma de amor. E será assim que o mundo passará por aquilo que chamo de amorização. A Terra se encherá do conhecimento de Deus, e a fragrância de Seu amor reunirá todos os povos ao redor do Trono da Graça.

Santidade em seu devido lugar, sem frescuras e fricotes

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Por Hermes C. Fernandes

Devo confessar que minha relutância em tratar deste assunto se deve, antes de tudo, ao estigma que ele carrega. Todavia, senti-me desafiado a romper com meu próprio preconceito e a navegar nesses mares revoltos sob os auspícios da graça.

Haveria uma abordagem sobre o tema que não incorresse em legalismo, descambando numa tentativa humana de alcançar méritos diante de Deus através de seu desempenho? Estou convencido que sim. Urge buscarmos uma definição bíblica do que seja santidade, sem o pesado ranço religioso.

Ser santo não significa ser moralmente puro, perfeito ou dotado de uma espiritualidade madura. Os cristãos coríntios foram chamados por Paulo de “santificados em Cristo Jesus”e “santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1 Co.1:2). Não obstante, o mesmo apóstolo declara que não pode dirigir-se a eles como “a espirituais, mas como a carnais, como a meninos em Cristo”. Ele se justifica: “ainda sois carnais pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?” (1 Co.3:1,3). Quem jamais imaginaria que pudesse haver santos invejosos, contenciosos, carnais? Mas, há! E como há! Todavia, sua imperfeição não os desqualifica como santos.

Ser santo também não é atribuir poderes especiais a alguém como geralmente se faz no processo de canonização da igreja católica.

Então, que significado haveria por trás do termo “santidade”?

A palavra hebraica traduzida por “santo” é Kadosh, que significa tão somente “separado”.

Sob o pretexto de santidade, a igreja cristã tem se separado literalmente do mundo à sua volta, e desenvolvido uma cultura de gueto. Confunde-se santidade com alienação.

Foi a partir de uma compreensão equivocada que os protestantes de origem holandesa impuseram o regime do Apartheid na África do Sul. Originalmente, os motivos não eram étnicos, mas religiosos. Os cristãos brancos não queriam correr o risco de ter sua fé diluída no fetichismo religioso dos africanos.  Temendo ter a pureza de sua fé comprometida com o sincretismo, preferiram delimitar perímetros, onde brancos e negros viveriam segregados. Todos sabemos aonde isso levou.


Santificar tem muito mais a ver com “separar para” do que “separar de”. Pedro diz que somos geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para anunciar as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pe.2:9). Ora, como anunciaremos algo àqueles de quem fomos separamos? Que propósito haveria de anunciar algo aos de nosso próprio grupo? Para que sejamos ouvidos, temos que nos entrosar, ter vida social, transitar entre os homens, não como alienígenas, mas como um deles. Somos santos, porém, não somos ETs.

Santificar é separar no sentido de distinguir, não de apartar. E distinguir é atribuir significado exclusivo. Portanto, pode-se afirmar que santificar a algo ou a alguém é reconhecer o lugar peculiar que deve ser ocupado por ele.

Veja, por exemplo, a recomendação de Pedro:

 “Antes santificai em vossos corações a Cristo como Senhor; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós.”1 Pedro 3:15

Se dermos à santificação o sentido que geralmente se dá, esta recomendação não faz qualquer sentido. Como poderíamos santificar Àquele que já é o Santo dos Santos? Como torná-lO ainda mais santo do que já é? Se santidade tem a ver com perfeição, como poderíamos tornar a Cristo ainda mais perfeito? Além de ser o cúmulo da presunção, seria um paradoxo. Como torná-lO mais puro? Ou atribuir-Lhe mais poder? Porém, se considerarmos a definição aqui apresentada, a recomendação de Pedro se revestirá de um sentido muito especial.

Santificar a Cristo como Senhor em nosso coração nada mais é do que reservar a Ele um lugar especial. Ainda que haja em nosso coração uma cadeira cativa para tudo quanto nos é caro, como por exemplo, para nossos familiares e amigos, o trono de nossa vida deverá ser exclusivo do Senhor. Ele sempre terá primazia em tudo. Atribuímos a Ele um significado distinto, que jamais poderá ser compartilhado com qualquer outro ser.

A santidade da vida

O mesmo apóstolo nos adverte:

 “Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver; porquanto está escrito: Sede santos, porque eu sou santo. E, se invocais por Pai aquele que, sem acepção de pessoas, julga segundo a obra de cada um, andai em temor, durante o tempo da vossa peregrinação, sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais.” 1Pedro 1:15-18

Repare nisso: santidade tem mais a ver com comportamento do que com compartimento. Corro o risco de ser mal interpretado aqui e julgado como legalista. Não se trata disso. Não se trata de submeter-se a um emaranhado de regras, e sim de ressignificar a vida. Quem se apercebe de quão santa é a vida, jamais vai viver de maneira inconsequente. Nossos atos reverberam na eternidade. Fomos resgatados da nossa vã maneira de viver, herdada de nossos antepassados. Já não somos reféns do momento. Fomos conclamados a ir além, transcendendo o tempo e o espaço. Portanto, não faz mais sentido adotar como lema o refrão do samba que diz “deixe a vida me levar, vida leva eu...”

A santidade da vida reside em seu propósito. Nossa existência é muito mais do que um acidente de percurso. Fomos engendrados por Deus para o cumprimento de um propósito. Disponho-me a correr o risco de parecer piegas por esta afirmação. Mas, uma vida desprovida de propósito é igualmente desprovida de significado. Somos mais do que meros prontuários. Mais do que figurantes da trama da existência. Somos, cada qual, protagonistas, ou como diria Mandela, “capitães de nossa alma”.

Paulo expressou tal compreensão ao declarar: Mas de nada faço questão, nem tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira, e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus” (At.20:24). Em outras palavras, Paulo se dispunha a enfrentar o martírio, se isso, de alguma maneira, contribuísse pela execução do propósito de sua existência. Afinal, só vale a pena viver por algo pelo qual se disponha a morrer. A santidade da vida, portanto, consiste no significado que lhe atribuímos. Quando já não estivermos aqui, os passos que houvermos dado continuarão a ecoar, a fragrância do sacrifício que houvermos feito seguirá sendo exalada pelos que nos sucederem nesta jornada.

Dispensamos altares! Não se atrevam a nos canonizar! Nem se preocupem em esconder nossas idiossincrasias e contradições sob o verniz de uma biografia idealizada. Que nossas vitórias sejam celebradas e nossos equívocos sirvam de advertência. Mas que todos saibam que buscamos viver plenamente em função do propósito do qual fomos imbuídos, apesar de, às vezes, nos deixarmos distrair.

A biografia de um santo não é um mapa para as próximas gerações, mas tão somente um registro de quem buscou fazer valer a pena sua estada neste planeta. Viveu e deixou viver. Encarnou sua missão. Gastou-se e deixou-se consumir pela chama da paixão que o movia.



No próximo post, falarei sobre santificação e o processo de individuação.

Minha filha foi cheia do Espírito Santo em plena ala de isolamento do hospital

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Por Hermes C. Fernandes

Na terça-feira, dia 12 de Maio, nossa filha Rayane foi internada. Em seus 24 aninhos, mesmo sendo uma criança especial, foi a primeira vez que precisou ser hospitalizada. Confesso que ficamos assustados diante da decisão tomada pelos médicos de confiná-la numa ala de isolamento. A justificativa era que aquilo que a acometia era contagioso. O vírus conhecido como Herpes Zoster é o mesmo da catapora, porém, costuma se manifestar em pessoas acima dos cinquenta anos. Um caso como o da Rayane é relativamente raro, sendo, geralmente, atribuído ao estresse.

Nossa preocupação era como ela reagiria às medicações intravenosas e coletas de sangue. Todas as vezes que tentamos fazer exames de sangue com ela fracassamos. Ela, simplesmente, se recusava a deixar que a furassem. Nem mesmo quatro ou cinco pessoas davam conta de segurá-la. Quando um casal de enfermeiros entrou no quarto para o procedimento, eu preferi sair. Recusava-me a assistir à minha filha sofrendo. Enquanto aguardava no corredor, chorei. Imaginei como deve ter sido para Deus, o Pai, assistir ao sofrimento de Seu Unigênito na cruz.

Só voltei ao quarto, quando vi a enfermeira saindo com aquele olhar de vitória após uma árdua luta. Minha esposa foi bem mais corajosa que eu. Manteve-se ao lado de nossa filha o tempo inteiro.

Os remédios que lhe foram aplicados inicialmente tinham o objetivo de dopá-la para facilitar a coleta do sangue. Mas pareciam não fazer o efeito esperado. Ela se recusava a se entregar. De repente, algo inusitado aconteceu: Rayane começou a cantar espontaneamente. Não era uma melodia familiar como a que geralmente ela costuma balbuciar (nossa filha não fala perfeitamente). Ela se sentou no leito, e movia os braços como se regesse um coral. Minha reação imediata foi achar que ela estivesse delirando. Somente no dia seguinte, de cima do púlpito de onde tentava pregar, tive o discernimento de que Rayane fora cheia do Espírito Santo e de que aquela canção era, na verdade, o que Paulo chama de hino espiritual em Efésios 3. O fato é que a partir desta experiência, Rayane mudou completamente seu comportamento. Foi incrível vê-la tirar sangue várias vezes, desde então, sem esboçar qualquer reação adversa.

Na noite de quarta, tive que conduzir o culto de nossa igreja. Como foi difícil subir ao púlpito para pregar. Cada louvor me fazia embargar a voz e chorar. Ficava imaginando Rayane no culto, com as mãos levantadas, adorando ao Senhor como sempre faz.

Logo em sua primeira noite de internação, ouvimos dos lábios de uma médica que a situação dela era delicada. Uma bactéria aproveitou-se das lesões provocadas pelo vírus e se estabeleceu em sua mão direita, provocando bolhas enormes na palma das mãos, nos dedos e entre os dedos. Dois de seus dedos estavam pretos com sangue pisado. A médica nos disse que as bolhas estavam impedindo a circulação do sangue e que isso poderia, eventualmente, impor a necessidade de amputar as pontas dos dedos. Saí de lá desolado. Mas nunca vi minha esposa com tamanha fé. Assim que a médica deixou o quarto, ela disse: Nem uma unha da minha filha se perderá!

Na noite anterior à aparição das lesões, tive um sonho em que estávamos num restaurante e eu segurava a Rayane no colo diante de uma janela, mas suas pernas ficavam descobertas e do lado de fora tomando chuva. Portanto, uma parte dela estava protegida, a outra não. Pois é justamente isso que acontece quando se é vítima do tal vírus Herpes Zoster. Ele afeta apenas um lado do corpo. No caso dela, o braço direito.

Senti vontade de ungi-la, mas por alguma razão, não o fiz. Até que recebi uma mensagem da pastora Sara Catarino, uma irmã muito querida de Portugal, perguntando-me se já a havia ungido de acordo com Tiago 5. Resolvi, então, ungi-la na noite de quarta.

Além de ungi-la, ministrei uma santa ceia com minha esposa e filhos no quarto do hospital. A presença de Deus era nítida em nosso meio. Enquanto cultuávamos ao Senhor, Rayane chorava.

No outro dia pela manhã, quando liguei para saber como ela estava, minha esposa contou que ele teria tido uma noite tranquila e que as feridas no braço haviam se secado. Que vitória o Senhor nos havia concedido!

Hoje é o quarto dia desde que Rayane foi internada. Os médicos ainda não decidiram que procedimento tomar. Uns acham que devem submetê-la à drenagem das bolhas. Outros acham que isso é arriscado, pois as bactérias poderiam se espalhar. A decisão vai depender do resultado de um exame cujo resultado sai hoje. Também estamos esperando a visita de um infectologista. Peço a todos os meus amigos que continuem a orar pela minha filhinha. Ontem mesmo, eu dizia à enfermeira do turno da noite que há uma corrente de oração reunindo amigos em vários países do mundo. Tem gente orando por Rayane na América Latina, nos Estados Unidos, na Europa e até no Japão.

Estamos confiantes! Em breve ela estará novamente conosco nos cultos, contagiando a todos com sua alegria e amor. Afinal, aquele que começou a boa obra em nós é fiel para completá-la.

Orem também por mim, por minha esposa e filhos para que o Senhor continue a nos fortalecer. Tem sido realmente difícil para nós. Porém, temos a certeza de que isso resultará em glória para o nosso Deus, alegria para nós e esperança para muitos.

Abaixo, segue o vídeo em que conto como Deus me revelou a Sua graça através de minha filha desenganada pelos médicos. Se não assistiu ainda, aproveite para assistir.

 

Santificação, individuação e autenticidade

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Por Hermes C. Fernandes

A indústria religiosa patenteou o processo de padronização comportamental em série, nomeando-o dolosamente de santificação. O instrumento usado na produção de crentes em grande escala atende pelo nome de discipulado. Cada novo discípulo é conclamado a reproduzir-se, formando outros que sejam sua réplica. Assim, o que chamamos de discipulado está mais para clonagem.

Definitivamente, santificação nada tem a ver com a produção de soldadinhos de chumbo. O processo de santificação está estreitamente ligado ao de individuação.

Pedro nos insta a que cheguemos a Cristo, “pedra viva, rejeitada, na verdade, pelos homens, mas, para com Deus eleita e preciosa”.Semelhantemente, tornamo-nos “pedras vivas, edificados como casa espiritual”, para sermos “sacerdócio santo”, a fim de oferecermos “sacrifícios espirituais, aceitáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pe. 2:4-5).

Esta não é a única vez em que encontramos esta analogia nas páginas do Novo Testamento. Portanto, seus leitores provavelmente estavam familiarizados com ela, e compreendiam que o novo templo erigido por Deus era composto de gente e não de tijolos inanimados.  Bastava que Pedro se referisse a cada um de nós como “pedras” ou “tijolos”. Porém, ele, deliberadamente, acrescenta o adjetivo “viva”.  Não somos apenas pedras, mas pedras vivas. Qual a razão de ele ter acrescido o adjetivo?

Tudo o que vive está em constante movimento. Não se trata de algo estático, mas dinâmico, em contínua evolução e maturação. Assim somos nós. Nosso maior exemplo é Cristo, que sendo Deus, esvaziou-Se completamente,  para  submeter-Se ao processo de maturação. O escritor de Hebreus nos afiança que Ele, mesmo sendo Filho, “aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu; e, tendo sido aperfeiçoado, veio a ser o autor de eterna salvação para todos os que lhe obedecem” (Hb.5:8-9).

Todos igualmente estamos envolvidos neste processo de aperfeiçoamento, que deve durar “até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados ao redor por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor” (Ef.4:13-16).

Como tijolos vivos somos devidamente assentados numa das paredes do santuário de Deus. Portanto, não somos mais tijolos soltos, vulneráveis e suscetíveis a qualquer vento. Todavia, depois de assentados, não deixamos de crescer. Trata-se do processo de individuação, a que Paulo chamou de “chegar à estatura de homem perfeito”, ou, homem completo, maduro. Deixamos de ser meramente pessoas para ser plenamente indivíduos. O termo “indivíduo” quer dizer indivisível, inteiro, íntegro.

Uma das características deste processo de individuação é a autenticidade.

Pedro diz que Cristo, como pedra viva e preciosa para Deus, sofreu a rejeição dos homens. O preço da autenticidade é ser rejeitado pelos padrões vigentes no mundo. Por não nos dobrarmos à padronização, somos tidos por rebeldes, insurgentes, seres exóticos que devem ser empurrados para as margens da sociedade.

Já não somos definidos pelos papéis sociais que desempenhamos, nem pelo status que alcançamos, ou por qualquer outra coisa. O que somos deriva-se do que Ele é.  É de nossa relação com Ele e do lugar que ocupamos em Seu propósito que advém o significado de nossa existência.

Ao ser enviado por Deus para retirar o Seu povo da escravidão do Egito, Moisés perguntou-o: O que direi a eles? Em nome de que Deus me apresentarei?  “Respondeu Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos olhos de Israel: EU SOU me enviou a vós” (Êx. 3:14).

As divindades egípcias eram conhecidas por seus nomes. Mas o Deus de Israel não poderia ser definido pela junção e pronúncia de alguns fonemas produzidos por lábios humanos. Para além de todas as definições, Ele é o que é. Por isso, Deus proibiu que Lhe fizessem imagens. Por mais talentoso que fosse o artista, ele seria incapaz de representar o Deus Criador dos céus e da terra numa escultura.

Este mesmo Deus ordenou que fôssemos santos, porque Ele é santo. Portanto, não devemos nos deixar definir por coisa alguma, senão pela graça que nos foi concedida por este Deus. É esta graça que possibilita ao homem mortal relacionar-se com o Deus Eterno e que deveria pautar nossa relação com o restante da criação. Com isso em vista, Paulo declara:

“Mas pela graça de Deus sou o que sou; e a sua graça para comigo não foi vã, antes trabalhei muito mais do que todos eles; todavia não eu, mas a graça de Deus que está comigo.” 1 Coríntios 15:10

O que faço não me define, mas revela quem sou. Ainda que eu faça mais do que todos os que vieram antes de mim, devo creditar o meu desempenho à graça, pois ela que verdadeiramente define quem sou.  O que faço, faço porque sou. Mas não sou o que sou pelo que eu faço. Apenas cumpro o propósito de minha existência.

A santificação coloca cada coisa em seu devido lugar. Os fatores são devidamente ordenados para que não alterem o produto.  A santificação realinha o significado de cada coisa, e nos faz vê-la em perspectiva.

Havia uma discussão entre os religiosos dos tempos de Jesus em torno do que seria mais importante, o ouro ou o templo, a oferta ou o altar. Jesus colocou as coisas na perspectiva correta:

“Ai de vós, condutores cegos! pois que dizeis: Qualquer que jurar pelo templo, isso nada é; mas o que jurar pelo ouro do templo, esse é devedor.Insensatos e cegos! Pois qual é maior: o ouro, ou o templo, que santifica o ouro?E aquele que jurar pelo altar isso nada é; mas aquele que jurar pela oferta que está sobre o altar, esse é devedor.Insensatos e cegos! Pois qual é maior: a oferta, ou o altar, que santifica a oferta?Portanto, o que jurar pelo altar, jura por ele e por tudo o que sobre ele está;e, o que jurar pelo templo, jura por ele e por aquele que nele habita;e, o que jurar pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que está assentado nele.”Mateus 23:16-22

Em outras palavras, o todo é que santifica as partes e não vice-versa. A oferta é santificada pelo altar onde foi depositada. Fora do altar, ela deixa de ser oferta, isto é, perde o seu significado como tal, e passa a ser apenas dinheiro.

Como indivíduos, nosso significado advém de nossa relação com o todo. Não confunda individuação com individualismo. Nossa relação com o todo é sinérgica e recíproca. Assim como o todo santifica as partes, as partes devem atribuir santidade ao todo e reconhecer a santidade de cada parte individualmente. 

Não se trata de atribuir significado pela função que desempenha, e sim pela relação que se tem.  Ser pai, por exemplo, agrega significado à nossa vida. É muito mais do que, simplesmente, um papel social.

Uma mão deve seu significado à relação que tem com o resto do corpo. Ainda que, eventualmente, ela fique imobilizada, não deixará de ser o que é.

Nossa relação abarca ao mesmo tempo, o todo e as demais partes de per si, independente da função desempenhada. Pois assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma função,assim nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e individualmente uns dos outros” (Rm. 12:4-5). Repare no detalhe: somos membros do corpo, mas individualmente membros uns dos outros. Não se pode santificar o todo e desprezar as partes.

Não se trata apenas de ter consciência de sua existência e significado, mas também de se ver como parte de uma rede de cuidado mútuo. O que ocorre num extremo da rede, afeta o outro extremo. Estamos todos conectados.  Por isso, “se um membro padece, todos os membros padecem com ele; e, se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1 Co.12:26).

Somente poderemos oferecer e receber cuidado se admitirmos nossa interdependência. De sorte que “o olho não pode dizer à mão: não tenho necessidade de ti; nem ainda a cabeça aos pés: não tenho necessidade de vós” (1 Co.12:21). Todos, invariavelmente, dependemos uns dos outros. E esta interdependência nos faz santificar uns aos outros, honrando-os, isto é, atribuindo-lhes significado especial e intransferível.

Retomando a analogia do santuário: somos pedras vivas posicionadas em seu próprio lugar nas paredes do templo, e, assim, coletivamente, tornamo-nos habitação de Deus. Ninguém é habitação de Deus em seu isolamento. Carecemos da relação com o todo. Nem tudo o que somos em conjunto, somos em particular.

Paulo diz que “todo o edifício bem ajustado cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus no Espírito” (Ef. 2:21-22).

Muitos alegam terem deixado de congregar por serem eles mesmos o templo de Deus. Estes parecem ignorar a advertência bíblica de que “aquele que vive isolado busca seu próprio desejo; insurge-se contra a verdadeira sabedoria” (Pv.18:1).

A santificação visa nos preparar para a comunhão. Somos indivíduos aprendendo a nos relacionar com outros indivíduos, atribuindo-lhes significado, e respeitando e honrando seu próprio lugar no Todo. A santificação, portanto, é um processo que começa na individuação e culmina na comunhão.

Cada pedra viva é formada (individuação), depois encaixada em seu lugar (significação), e, finalmente, emboçada (comunhão). Todas as pedras juntas, unidas em amor, suportando umas às outras, formam o templo do Deus vivo. Todavia, nossa individualidade é mantida. Somos absorvidos pelo Todo, mas jamais dissolvidosPor trás da camada de massa que cobre a parede ainda há tijolos assentados cuidadosamente uns sobre os outros.

Qualquer proposta de espiritualidade que promova a diluição do ser não deveria nem sequer se levada a sério. Tudo neste mundo parece conspirar para que o indivíduo perca sua identidade e passe a agir de acordo com decisões tomadas por outros. E é assim que certos grupos se perpetuam no poder.

Quando se perde a individualidade, deixando-se diluir, a pessoa é capaz de fazer coisas que jamais faria em sã consciência. É como se seu senso crítico ficasse em suspensão por um tempo. Fazem o que der na telha. Paulo nos adverte a não andarmos “como andam também os outros gentios, na vaidade da sua mente. Entenebrecidos no entendimento, separados da vida de Deus pela ignorância que há neles, pela dureza do seu coração; os quais, havendo perdido todo o sentimento, se entregaram à dissolução, para com avidez cometerem toda a impureza” (Ef.4:17-19). A palavra chave desta passagem é dissolução, de onde vem o verbo dissolver. Nossos sentimentos são anulados. Nosso juízo é posto de lado. Agimos como que por instinto, mas, na verdade, apenas nos sujeitamos a uma consciência coletiva temporária.

Lemos em Êxodo 23:2 a admoestação que diz: Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda darás testemunho, acompanhando a maioria, para perverteres a justiça.” Jamais permitamos que pensem e decidam por nós, por mais cômodo que isso pareça ser.  Cada qual terá que responder diante de Deus por suas próprias escolhas. 

Esperar dissolução por parte dos que não conhecem a Deus pode parecer natural. O problema toma outra proporção quando os que se dizem porta-vozes da graça de Deus são os promotores da dissolução. Há que se redobrar o cuidado para que não sejamos enganados pela falsa espiritualidade dos tais. Desde os primórdios, a igreja tem tido que lidar com isso. Por isso, Judas denuncia os que se infiltram na igreja, e “convertem em dissolução a graça de nosso Deus” (Jd.1:4).

Nada mais contraditório do que usar a graça como pretexto para manipular as massas, levando indivíduos a abrir mão de sua individualidade, deixando-se dissolver.

Sejamos, portanto, sóbrios e atentos para que ninguém fale em nosso nome, usando-nos inescrupulosamente para atingirem alvos inconfessáveis. Comunhão, sim. Manipulação, jamais. Santificação, sim. Dissolução, jamais. 


* Caso não tenha lido ainda, leia o artigo anterior a este para uma melhor compreensão do tema. Em breve postarei a última parte desta reflexão. 

A banalização do sagrado e a santificação do profano

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Por Hermes C. Fernandes

Qual deveria ser a motivação correta para a busca da santificação? Para muitos, tem sido o medo; medo do inferno, do diabo, de perder a salvação, e por aí vai. Outros julgam acumular méritos diante de Deus. Para estes, a santificação é uma moeda de troca. Se me santifico, posso cobrar de Deus o que quiser.  Isto está mais para santiforçação. Santificar-se sobre tais bases equivale a construir sobre a areia movediça. A qualquer momento, tudo desaba.

A única motivação válida e aceita por Deus é o amor. Não nos santificamos por nós mesmos, visando algum benefício próprio, mas pelos outros.

Em Sua oração sacerdotal, Jesus rogou:

“Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade. Assim como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao mundo. E por eles me santifico a mim mesmo, para que também eles sejam santificados na verdade.”João 17:17-19

O mais santo dentre os homens, mesmo sendo Deus encarnado, precisou santificar-se. Não por Si mesmo, mas visando o bem dos que Lhe foram confiados pelo Pai. Devemos, portanto, seguir os Seus passos e buscar a santificação que visa o bem comum. Paulo expressa seu desejo de que o Senhor nos aumentasse, e nos fizesse “crescer em amor uns para com os outros, e para com todos”, para que assim, nos tornássemos “irrepreensíveis em santidade diante de nosso Deus e Pai” (1 Ts.3:12-13). Nosso amor não deve ser direcionado exclusivamente ao grupo a que pertencemos. Pelo contrário, deve ser inclusivo. Ninguém deve ficar de fora de seu alcance. Somente assim alcançaremos o padrão de santidade esperado.

Se a motivação para a santificação deve ser o amor, o resultado dela deve ser a justiça. Não custa lembrar que justiça é dar a cada um o que lhe é de direito. Quando reconhecemos o lugar do outro, sem cobiçá-lo ou invejá-lo, mas estimulando-o a ocupá-lo plenamente, estamos pavimentando o caminho para a prática da justiça do reino de Deus. Na mesma epístola em que Paulo fala sobre crescer em amor para com todos, ele também diz:

“Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, uns para com os outros, e para com todos (...) Abstende-vos de toda espécie de mal. E o próprio Deus de paz vos santifique completamente.” 1 Tessalonicenses 5:15, 23a

Como amar sem se dispor a beneficiar a quem se ama? Como amar sem ser justo? Sem seguir o bem, uns para com os outros e para com todos? Tornamo-nos irrepreensíveis em santidade quando amamos indistintamente. Mas, somos santificados completamente quando promovemos a justiça indistintamente. Amar sem praticar a justiça é como encher o tanque do carro para deixá-lo na garagem. 

Não basta ter disposição para fazer o bem. Há que se ter disponibilidade para tal. Os membros de nosso corpo, antes oferecidos como instrumentos de iniquidade (injustiça), apresentados “à maldade para maldade”, agora devem ser apresentados para “servirem à justiça para santificação” (Rm.6:19). Tiramos nossas ferramentas do almoxarifado da iniquidade para disponibilizá-las no balcão da justiça. 

Servir à justiça é levantar as mãos cansadas, os joelhos vacilantes, e fazer veredas direitas para os pés, “para que o é manco não se desvie, antes seja curado”. E assim, seguimos“a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb.12:12-14). 

Somos facilitadores. Em vez de dificultar o acesso, preferimos facilitar. Somos chamados a ser pacificadores, não agitadores. Buscamos e promovemos a paz. Todavia, a paz só é possível se precedida pela justiça. E a justiça só se estabelece quando precedida pelo amor. De trás para frente: o amor produz a justiça, e justiça produz a paz, e ambos pavimentam o caminho da santificação. 

O mundo é um terreno acidentado, cheio de montanhas e vales, altos e baixos. O plano de Deus é aplainar, endireitar e nivelar este terreno. Quando finalmente a justiça for estabelecida, não haverá mais ricos e pobres, grandes  e pequenos, dominantes e dominados; logo, não haverá luta de classes, nem injustiça social. Como profetizou Isaías: "Todo vale será exaltado, e todo o monte e todo outeiro será abatido, e o que é torcido se endireitará, e o que é áspero se aplainará. E a glória do Senhor se manifestará, e toda a humanidade a verá, pois a boca do Senhor o disse" (Is.40:4-5). Era com isso em mente que Jesus disse que sem a paz que é resultado da justiça e a santificação resultante do amor, ninguém verá o Senhor. O terreno precisa ser nivelado para que todos O vejam. Não se trata aqui daquela visão que teremos d'Ele no último dia, mas de discerni-lO no dia-a-dia, de enxergá-lO principalmente no outro, tanto no semelhante quanto no diferente, tanto no próximo quanto no distante. Para isso, temos que aplainar o caminho, remover as pedras, facilitar o acesso. "Passai, passai pelas portas; preparai o caminho ao povo; aplanai, aplanai a estrada, limpai-a das pedras" (Is.62:10). Como diz a  canção de Roberto Carlos cantada pelos Titãs: "Toda pedra do caminho você pode retirar. Numa flor que tem espinhos, você se arranhar. Se o bem e o mal existem, você pode escolher. É preciso saber viver."

Cumprir-se-á, então, o que fora profetizado por Isaías:

“E ali haverá uma estrada, um caminho, que se chamará o caminho santo; o imundo não passará por ele, mas será para aqueles; os caminhantes, até mesmo os loucos, não errarão.
Isaías 35:8

O imundo é o que insiste em atribuir profanidade à vida. É aquele cuja consciência não foi devidamente purificada. Afinal, tudo é puro para os que são puros, mas para os corrompidos e incrédulos nada é puro; antes tanto a sua mente como a sua consciência estão contaminadas”(Tt.1:15). O imundo não consegue discernir a santidade intrínseca da vida do outro. Ele a profana, a banaliza. Por isso, não consegue tratá-lo com justiça. A vida do outro nada vale. Portanto, que direito ele teria?

Uma vez mais, Paulo nos admoesta:

“Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus. Recebei-nos em vossos corações; a ninguém fizemos injustiça, a ninguém corrompemos, a ninguém exploramos.” 2 Coríntios 7:1-2

Da mesma maneira como devemos santificar a Cristo como Senhor em nossos corações, também devemos receber qualquer ser humano em nossos corações, garantindo-lhe cadeira cativa. Aos olhos de quem ama, todos são santos. Por isso é inadmissível que se faça injustiça a qualquer ser humano, ou que procuremos corrompê-lo ou explorá-lo visando nosso proveito próprio.

Ninguém deve ser reputado por banal, profano, comum, impuro. Como disse Jesus a Pedro: “Não chame impuro ao que Deus purificou” (At.10:15). Os europeus se acharam no direito de explorar os índios porque não conseguiam enxergar a sacralidade de suas vidas. O mesmo se deu com os negros feitos escravos. E com as mulheres ao longo de séculos. Elas nem sequer eram contadas nos censos. Visando corrigir isso, Pedro orienta aos maridos a tratarem suas respectivas esposas com honra, reconhecendo sua fragilidade, e vendo-as como co-herdeiras do dom da graça e da vida. Como se não bastasse, o apóstolo ameaça aos trogloditas de que suas orações não serão ouvidas, caso se neguem a atribuir à mulher o seu devido valor (1 Pe. 3:7). Leis como a “Maria da Penha” é uma tentativa de se resgatar o valor e a sacralidade da mulher. Documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente visam resgatar a sacralidade original da vida infantil. O trabalho infantil profana a mais bela das idades.

Quem percebe a santidade inerente da vida, recusa-se a usar quem quer que seja visando seus interesses. Usar alguém é coisificá-lo, vendo-o como um objeto que mais tarde poderá ser descartado. Quem assim age, atenta contra a sacralidade da vida, banalizando-a, profanando-a, aviltando-a.

Foi neste contexto que Paulo diz que a vontade de Deus é a nossa santificação, e que, portanto, devemos nos abster da fornicação (1 Ts.4:3). Engana-se quem pensa que fornicação seja sinônimo de sexo entre solteiros. O termo grego é “pornéia” que, em linhas gerais, significa impureza sexual, que pode ser claramente identificada como a coisificação do sexo. Mesmo casados podem estar fornicando quando se usam mutuamente na busca por prazer, sem considerar o sentimento e o prazer do outro.  Paulo arremata: “que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra; não na paixão da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus. Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos. Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (vv. 4-7). A questão não é o sexo em si, mas usá-lo com objetivo torpe de oprimir, enganar, lesar, tirar vantagem. Outras ferramentas além do sexo podem ser perfeitamente usadas para o mesmo intento.

Em Efésios 4:23-28, Paulo nos abre mais o leque:

 “E vos renoveis no espírito da vossa mente; e vos revistais do novo homem, que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade. Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros. Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira. Não deis lugar ao diabo. Aquele que furtava, não furte mais; antes trabalhe, fazendo com as mãos o que é bom, para que tenha o que repartir com o que tiver necessidade.”Efésios 4:23-28

Definitivamente, a mentira e o furto não combinam com o nosso novo ser, recriado de acordo com a imagem de Deus, em justiça e santidade.  Como poderíamos enganar a alguém sem que profanássemos a santidade das relações humanas? Como poderíamos lesá-lo sem antes lesarmos nossa própria consciência? Antes, preferimos a verdade ao engano, ainda que nos traga prejuízo. Arregaçamos as mangas e trabalhamos com o objetivo de termos o suficiente para repartir com o que nada tem. Dar lugar ao diabo nada mais é cometer o sacrilégio de permitir sua intromissão em nossas relações. 

Que seja o propósito de nosso coração que, “libertados da mão de nossos inimigos”, sirvamos a Deus sem temor, “em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida” (Lc.1:75). Que o inimigo de nossas almas jamais encontre espaço para profanar a santidade de nossa existência. Que deixemos de enxergar a vida sob a ótica do diabo (etimologicamente, aquele que divide, que compartimentaliza, que segrega), e passemos a enxergá-la da ótica divina, integrada, inteira, santa e repleta de sentido. 

* Caso não tenha lido os dois posts anteriores, sugiro que não deixe de lê-los para uma melhor compreensão do tema. 

Na presença dos deuses: A pregação do Evangelho e a intolerância religiosa

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Por Hermes C. Fernandes

Recentemente, a Rede Record ligada à Igreja Universal foi condenada pela justiça a ceder quatro horas de sua grade à exibição do direito de resposta de entidades ligadas à umbanda e ao candomblé devido às ofensas proferidas contra as religiões afro-brasileiras em sua programação. A decisão inédita da justiça trouxe a questão da intolerância religiosa para o centro das atenções.

O juiz responsável pela sentença citou algumas passagens da Constituição Federal, afirmando que o Estado deve garantir a todos “o pleno exercício dos direitos culturais, protegendo as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras” e “em caso de ofensa, é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo”.

O episódio suscitou debates calorosos nas redes sociais. Mesmo para alguns que não nutrem qualquer simpatia pelo trabalho da IURD, seria impossível pregar o evangelho sem confrontar outras expressões religiosas, ainda que isso não signifique sair por aí destruindo imagens, invadindo centros espíritas e agredindo física ou verbalmente quem quer que seja. Para quem pensa assim, o discurso evangélico em si já implicaria numa espécie de confronto. Afinal, se o nosso Deus é o verdadeiro, os demais só poderiam ser falsos. Seria esta a única abordagem possível?

Pode-se anunciar o evangelho sem atacar a religiosidade alheia?

Creio, piamente, que sim.

O problema é que estamos usando como abordagem evangelística a mesma usada por Israel em suas investidas militares. Com isso, mesmo que inconscientemente, reduzimos o nosso Deus a uma divindade tribal que deve ter sua primazia garantida pela destruição de qualquer outra entidade rival. Diferentemente das nações daquela época, vivemos sob a égide de um estado laico, em que o credo professado por cada cidadão deve ser respeitado.

Em vez de nos espelharmos em Jesus, temos tomado o profeta Elias como referência, incorrendo no mesmo erro dos discípulos ao sugerirem que se orasse para que Deus enviasse fogo do céu e consumisse os que se interpunham ao avanço da boa nova. A resposta dada por Jesus deveria ecoar continuamente a cada nova geração de cristãos: Vós não sabeis de que espírito sois.Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las” (Lc.9:55-56).

Se tivéssemos que buscar referências no Antigo Testamento, ninguém seria mais indicado do que Daniel e seus amigos Sadraque, Mesaque e Abede-nego. Apesar de não se dobraram à idolatria vigente na Babilônia, também não atacaram a religiosidade alheia.  Portanto, não se pode ignorar a possibilidade de que convivamos amistosamente sem com isso violar nossa consciência.

Se vivesse em nossos dias, Daniel certamente seria acusado por muitos cristãos de ser ecumênico. Ele não apenas coexistia pacificamente com indivíduos que cultuavam a outros deuses, como foi promovido pelo rei como mestre dos magos (Dn.5:11). Todavia, em momento algum, comeu dos manjares oferecidos a tais ídolos, nem se prostrou ante a eles, mas manteve-se fiel à sua fé e à sua consciência.

Apesar de jamais tentar converter o rei da Babilônia ou a sua corte, Daniel teve o prazer de ouvi-lo declarar: Certamente o vosso Deus é Deus dos deuses, e o Senhor dos reis e revelador de mistérios, pois pudeste revelar este mistério” (Daniel 2:47).

A expressão “Deus dos deuses” parece indicar a possibilidade de uma espiritualidade plural e diversificada. Admitir que o Deus a quem Daniel servia estava acima de qualquer outra divindade cultuada naquela sociedade era, sem dúvida, um grande salto. O salmista parece ter expressado o mesmo ideal ao declarar: “Eu te louvarei, de todo o meu coração; na presença dos deuses a ti cantarei louvores” (Salmos 138:1). Ora, se eliminarmos qualquer culto e espiritualidade que divirja da nossa, como poderemos oferecer nossos louvores a Cristo na presença dos deuses?

Para muitos cristãos, o ideal seria viver numa sociedade uniformizada, onde a fé numa única divindade fosse imposta por lei. Imagine o que seria viver numa espécie de Talibã evangélico. Durante séculos foi assim, desde que Constantino anunciou sua conversão ao cristianismo, tornando-o religião oficial do Império Romano. Nações inteiras foram coagidas à conversão. E foi assim que a revolução de amor proposta por Jesus se transformou em religião estatal.

Qualquer abordagem que não se paute no respeito deveria ser descartada. Antes de atacar qualquer expressão religiosa, deveríamos nos lembrar de que alguns dos que deram boas vindas ao recém-nascido Jesus não eram judeus devotos do Deus de Abraão, mas magos, expoentes de uma espiritualidade que poderia ser considerada, no mínimo, exótica. Ademais, depois de sermos duramente perseguidos por séculos, deveríamos ser complacentes com os que sofrem perseguição por causa de sua opção religiosa. De acordo com Jesus, não seríamos reconhecidos como Seus discípulos devido ao nosso radicalismo, mas por amarmos uns aos outros (Jo.13:35).

Todavia, a questão nevrálgica parece perdurar: como anunciar a verdade do evangelho sem confrontar o que consideramos engano, ou, na melhor das hipóteses, superstição?

Primeiro, precisamos mudar alguns paradigmas. Cristo não comissionou Seus discípulos a converter o mundo à sua fé. Tal tarefa é atribuição exclusiva do Espírito Santo (Jo.16:8). Nosso papel como cristãos é tão-somente o de dar testemunho, sendo uma espécie de amostra grátis do que o evangelho é capaz de produzir no ser humano. Um "evangelho" que produza gente intolerante não me parece muito promissor, concorda?

De fato, Jesus ordenou a Seus seguidores que saíssem pelo mundo fazendo discípulos (Mt.28:19).  Ele disse “discípulos”, não “prosélitos”. Há uma linha tênue entre discipular e fazer proselitismo.  Quem discípula tem o objetivo de partilhar o que recebeu de seu mestre. Quem faz proselitismo tem como alvo duplicar a si mesmo, fazendo com que o outro abrace suas ideias, seus valores, seus preconceitos e pressupostos, e até seus trejeitos. O discipulado respeita a alteridade. O proselitismo, não. O discipulado costuma ser discreto, sutil. O proselitismo é, por natureza, panfletário e ostensivo. Repare no que Jesus diz acerca dos seguidores de uma das seitas mais sectárias de Seu tempo:

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! pois que percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o fazeis filho do inferno duas vezes mais do que vós. Mateus 23:15

A proposta de Jesus estava na contramão de tudo isso.  Não precisamos percorrer o mundo para nos duplicarmos. Basta que comuniquemos a mensagem do reino de Deus de maneira discreta através de nossa vida, sem imposição, sem querer exercer controle, sem a presunção de sermos donos da verdade. Como disse São Francisco de Assis: “Pregue o evangelho em todo o tempo, e, se necessário, use as palavras.”

Obviamente que almejamos ver as pessoas convertidas a Cristo. Mas isso não se dará mediante o uso de estratégias mirabolantes (para não dizer, mal intencionadas). Paulo chama-nos a atenção para a abordagem “evangelística” usada em Tessalônica:

“Porque eles mesmos anunciam de nós qual a entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir o Deus vivo e verdadeiro (...)  Assim nós, sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade quiséramos comunicar-vos, não somente o evangelho de Deus, mas ainda as nossas próprias almas; porquanto nos éreis muito queridos..” 1 Tessalonicenses 1:9; 2:8

Se alguém nos é querido, certamente desejaremos a sua conversão ao evangelho, tendo em vista o bem que a boa nova produziu em nosso ser. Como amar a alguém sem desejar que seja igualmente alcançado por aquilo que tão bem nos fez? Porém, nossa “entrada” (abordagem) deve ser cheia de afeição, não de acusação. Antes do discurso, devemos comunicar nossa própria alma. Antes que ele se converta a Cristo, nós nos convertemos a ele, buscando compreender seus anseios, sua cosmovisão, suas limitações e sua fé.

E, se porventura, a conversão almejada jamais ocorrer, não deixaremos de amá-lo. Lembrando de que amar implica necessariamente respeitar.

Particularmente, creio numa eventual conversão de todas as nações. Pelo menos, é isso que lemos nos Salmos 22:27 e 86:9, e em Apocalipse 15:4. Todavia, não almejo que o cristianismo se torne numa religião imposta pelo estado ou por qualquer outro meio de coerção. Para ser franco, creio que o cristianismo como conhecemos esteja fadado a desaparecer e que a mensagem de Jesus sobreviverá ao seu ocaso. Engana-se quem julga que o cristianismo é a religião iniciada por Jesus. Em vez disso, ele foi criado para promover a coesão de um império em franca decadência. Jesus jamais criou qualquer “ismo”. A igreja, por sua vez, nada mais é do que o embrião de uma nova humanidade, composta de indivíduos que se converteram a Deus, convertendo-se uns aos outros. Neste sentido, a igreja de Cristo é eterna. Mas a religião cristã, não. Dogmas serão desacreditados. Ritos cairão em desuso. Estratégias evangelísticas caducarão. Mas o poder subversivo da mensagem de Jesus nos acompanhará por todas as eras até que os povos convertam “suas espadas em arado, e suas lanças em foices”, de modo que jamais haja nação que se levante contra outra nação (Is.2:4). Os pais se converterão aos filhos, e os filhos aos pais, de sorte que o abismo entre gerações terá sido aterrado para sempre (Lc.1:17).



Haverá animais no céu?

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Por Hermes C. Fernandes

Será que seremos a única espécie que desfrutará dos novos céus e da nova terra profetizados pelas Escrituras? O que será das inúmeras espécies animais e vegetais, frutos do gênio divino? Terá Deus criado todas elas apenas como figurantes da trama cujo protagonista é o ser humano? Recuso-me a crer nesta hipótese.

Se Deus não se importasse com os animais, por que os teria poupado no dilúvio?

Não somos melhores do que os bichos!

E não sou eu quem diz isso, mas o sábio Salomão:
“Disse eu no meu coração: Isso é por causa dos filhos dos homens, para que Deus possa prová-los, e eles possam ver que são em si mesmos como os animais. Porque o que acontece aos filhos dos homens, isso mesmo também acontece aos animais; a mesma coisa lhes acontece. Como morre um, assim morre o outro. Todos têm o mesmo fôlego, e nenhuma vantagem têm os homens sobre os animais…” (Ec.3:18-19).
Alguém poderá objetar: Os seres humanos temos espírito, os animais não. Será? Então, Salomão errou ao dizer que não temos qualquer vantagem sobre eles. E veja o que ele diz mais:
“Todos vão para o mesmo lugar; todos são pó, e todos ao pó tornarão. Quem sabe se o espírito dos filhos dos homens vai para cima, e se o espírito dos animais desce pra terra?” (vv.20-21).
Então, os animais também têm espírito, certo? Corretíssimo! Pelo menos é o que acabamos de ler. O amor de Deus não se limita ao ser humano. Deus ama a todas as Suas criaturas, racionais e irracionais. Ele é quem “dá mantimento a toda a criatura, porque o seu amor dura para sempre” (Sl.136:25).

Davi entendia isso perfeitamente, e declara de maneira poética em seu salmo de número 104. Como que em êxtase, o rei salmista declara: “Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas. Há o mar, vasto e espaçoso, onde se movem seres inumeráveis, animais pequenos e grandes (…) Todos esperam de ti que lhe dê o seu sustento em tempo oportuno” (v.24-25,27). Até os leõezinhos “de Deus buscam o seu sustento” (v.21). Era como se Davi mergulhasse no fundo do oceano e se maravilhasse com o que visse ali.

Tive uma sensação de deslumbramento semelhante ao visitar o maior aquário do mundo no SeaWorld em Orlando. É de cair o queixo! Foi deveras emocionante poder tocar nos golfinhos, assistir aos espetáculos com as baleias, adentrar o ambiente artificial reproduzindo o ártico e ver onde descansa o urso polar, assistir ao balé dos pinguins como no filme Happy Feet. Minha mulher e eu fomos literalmente às lágrimas. Disse aos meus filhos que aquele entrosamento entre o homem e os animais era uma amostra grátis do que será na Terra restaurada.

Seria um desperdício enorme de espaço se somente nós, humanos, habitássemos a Nova Criação. Engana-se quem pensa que nosso destino final será vivermos num céu etéreo, como fantasminhas angelicais tocando suas harpas. Não! Seremos seres humanos completos, dotados de todas as nossas faculdades originais.

A hostilidade que o reino animal nutre contra o homem se deve ao pecado. Deixamos de ser os guardiões do jardim de Deus para sermos sua maior ameaça. Toda a natureza geme na expectativa de ser libertada do cativeiro imposto pela vaidade humana. Quando os filhos de Deus se manifestarem, a natureza será finalmente livre (Rom.8). A Terra não caminha para uma catástrofe final, mas para a libertação. Quando isso ocorrer, a hostilidade terminará, e o homem voltará a integrar-se à criação.

Enquanto não chega o grande dia, devemos zelar pela vida de todos os seres com os quais compartilhamos a Terra. Deus no-los confiou. Tanto os selvagens quanto os domésticos.

Hoje, depois de minha caminhada diária, parei à margem de um lago para fotografar alguns animais (tartarugas, pássaros e patos). Recentemente descobri este novo hobby: fotografar a natureza. Um rapaz americano chamado John me abordou. Ele estava acompanhado de um cão branco a quem chamava carinhosamente de pig (porco). Conversa vai, conversa vem… ele me contou de um acidente automobilístico que sofreu há dois anos, me disse que perdera seus amigos, e que estava perdendo sua casa (por sinal, uma linda casa à beira do lago). A única coisa que lhe restara era seu cão. Mas pra completar seu sofrimento, seu cão, agora com doze anos, estava prestes a morrer. Teria que gastar 8 mil dólares para tentar salvar-lhe a vida numa cirurgia. Por estar financeiramente quebrado, não lhe restou alternativa senão deixá-lo partir. 

Embora não fosse cristão, e de ter-me confidenciado sua ojeriza a religião, John demonstrava um grande amor por seu bicho. O que me remete ao que diz Salomão: “O justo olha pela vida dos seus animais” (Pv.12:10a). Desejei do fundo d’alma que Deus restaurasse a saúde daquele animal. Lembrei-me de Franscisco de Assis que tinha o hábito de orar pelos animais.

Recentemente o SeaWorld foi cenário de uma tragédia envolvendo uma Orca e sua treinadora. Apesar do entrosamento entre eles, a treinadora veio a falecer afogada, depois de ter sido arremessada pelos cabelos num ato aparentemente de fúria do animal.

A AFA (American Family Association), criada pelo reverendo Donald Wildmon defendeu o apedrejamento até a morte da orca. A influente entidade cristã cita passagens da Bíblia para justificar a morte do animal, cuja carne, diz, não deve ser consumida por ninguém. Organizações de defesa de animais de todo mundo reagiram à proposta do apedrejamento. Se depender da AFA, até o proprietário do parque aquático deve ser morto a pedradas, também de acordo com o que manda a Bíblia, argumenta a entidade.

Este é um tipo de fundamentalismo que deve ser rechaçado por cristãos conscientes, que entendem que vivemos sob a égide da Graça e não da Lei.

Uma das mais impressionantes imagens pintadas no livro de Apocalipse está registrada no capítulo 5, do verso 11 ao 14:
“Então olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos seres viventes, e dos anciãos; e o número deles era milhões de milhões e milhares de milhares, proclamando com grande voz: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor. Então ouvi a TODA CRIATURA QUE ESTÁ NO CÉU, E NA TERRA, E DEBAIXO DA TERRA, E NO MAR, e a todas as coisas que neles há, dizerem: Ao que está assentado sobre o trono, e ao Cordeiro, seja o louvor, e a honra, e a glória, e o poder para todo sempre. E os quatro seres viventes diziam: Amém. E os anciãos prostraram-se e adoraram.” 
Repare a forma como o céu e a terra são apresentados unindo-se para formar um enorme coral em adoração ao Cordeiro. Gradativamente, todas as coisas vão sujeitando-se a Cristo. Não só as invisíveis, mas também as visíveis, não só as pertencentes ao mundo espiritual (anjos, querubins e cia), mas também as do mundo animal.

Aos poucos o caos vai se tornando em harmonia; o barulho se transforma numa fenomenal orquestra! Cada evento vai encontrando o seu lugar na majestosa sinfonia composta pelo Cordeiro. Nada fica de fora de escopo desta restauração! O reino animal, o reino vegetal, e o reino mineral se unem para saudar o Rei dos Reis.

No capítulo anterior, João diz que viu um trono, e Alguém assentado sobre ele, e “ao redor do trono havia um arco-íris” (4:3). Este arco-íris nos remete ao episódio em que Deus fez uma aliança com Noé, e estabeleceu o arco-íris como símbolo dessa aliança. O que poucos observam é que aquela aliança de preservação não se limita ao ser humano, mas abrange toda a criação. Assim afirmou o Senhor: “Agora estabeleço a minha aliança convosco e com a vossa descendência depois de vós, e com TODOS OS SERES VIVENTES que convosco estão; assim as aves, os animais domésticos e os animais selvagens que saíram da arca, como todos os animais da terra (...) Este é o sinal da aliança que ponho entre mim e vós e entre todos os seres viventes que estão convosco, POR GERAÇÕES PERPÉTUAS; O meu arco tenho posto nas nuvens, e ele será por sinal de haver uma aliança entre mim e a terra (...) O arco estará nas nuvens, e eu o verei, para me lembrar da ALIANÇA ETERNA entre Deus e todos os seres viventes de todas as espécies, que estão sobre a terra” (Gn.9:9-10,12-13,16).

Esta aliança jamais vai caducar. Não tem prazo de validade a ser vencido. Por ser eterna, ela não perdeu a validade com o lançamento da Nova Aliança, antes foi confirmada. Oséias, profetizando acerca da Nova Aliança, disse: “Naquele dia farei por eles aliança com os animais do campo, com as aves do céu e com os répteis da terra” (2:18). A Nova Aliança diz respeito à salvação do homem, e, por conseguinte, à restauração da ordem criada. O coral só estará completo quando as vozes angelicais, e as vozes humanas unirem-se às vozes de toda criatura, incluindo os pássaros, os répteis, os mamíferos e os peixes."Tudo o que tem fôlego louve ao Senhor!" (Sl.150:6).

Os animais são dotados de consciência?

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Por Hermes C. Fernandes

Cada questão respondida nos conduz a uma nova questão. Ora, se os animais são dotados de alma/espírito como defendemos no último post, seriam eles igualmente dotados de consciência? Se a resposta for sim, teremos que repensar muita coisa do ponto de vista ético, principalmente no que diz respeito ao trato dispensado a eles, no uso deles como cobaias, no comércio de pele, na maneira como são mortos nos abatedouros, etc.

De acordo com o grupo Stop Animal Tests (Parem os testes em animais), 115 milhões de cobaias são mortas a cada ano só nos Estados Unidos. Cerca de 80% são ratos e coelhos. Na União Européia foram 12 milhões de animais mortos em laboratório em 2005. Segundo a PETA (People for Ethical Treatment of Animals - Pessoas pela Ética no Tratamento aos Animais), já houve casos de testes de drogas em ratos e chimpanzés que deram errado em pessoas. Foi o caso da talidomida, medicamento para enjoo na gravidez que resultou em 10 mil bebês com defeitos congênitos no mundo inteiro. Ora, se nem sempre funciona, por que insistem? Há alternativas? Sim. Em muitos casos, cobaias poderiam ser trocados por tecidos de animais já mortos e microorganismos. Simulações de computador e estudos com cultura de células seriam mais precisos, baratos e humanitários. Pode-se reduzir o número de animais usados - por exemplo, evitando duplicar os testes e usando apenas as espécies mais adequadas.

Se perguntarmos a um cientista que tortura animais porque ele faz isso, ele prontamente responderá: "por que os animais são como nós". Eles respondem aos mesmos estímulos. Seu organismo tem a mesma reação que o nosso. Pergunte ao mesmo cientista porque é moralmente aceitável fazer isso com um animal e não com um humano e a resposta será: "porque eles são diferentes de nós." Não haveria aqui uma contradição? Afinal, eles são iguais ou diferentes de nós? Obviamente que tais questões só são relevantes se comprovarmos que os animais possuem alguma consciência.

O que é consciência, afinal? A consciência é, entre outras definições, a capacidade de perceber a relação entre si e um ambiente. O que a Bíblia nos diz acerca disso? Teriam eles alguma consciência? Ou seriam movidos unicamente por instinto?

Deus dá testemunho de que o animal é um ser consciente:

“O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende.” Isaías 1:3

Para que o boi reconheça seu dono, ele deve ter algum tipo de consciência. O mesmo se dá com qualquer animal de estimação. Alguns, como por exemplo, os cães, além de consciência, parecem dotados de um sexto sentido, capaz de prever a chegada do seu dono muito antes de atravessar a porta de casa.

Talvez seja por ter a capacidade de reconhecer seu dono que o boi deve ser responsabilizado caso venha tirar a vida de alguém.

“Se um boi ferir um homem ou mulher e lhe causar a morte, o boi será apedrejado, e ninguém comerá da sua carne; o dono do boi será absolvido.” Êxodo 21:28

Vale lembrar que isso fora dito durante a regência da Antiga Aliança. A mesma Lei ordenava o apedrejamento de alguém flagrado em adultério. Não seria razoável executar um animal que não tivesse qualquer noção do que havia feito. Punição requer reconhecimento do erro. Concluímos, então, que este animal é dotado de alguma consciência. Ora, se a Lei era aplicada a um animal considerado de estimação (os bois eram considerados assim), por que a graça não seria igualmente aplicada? Ou será apenas o homem alvo da graça divina?

Os animais sentem dor, como nós. Ficam tristes, alegres, perdem o apetite, se apaixonam, se solidarizam, se apegam ao dono, e alguns até morrem deprimidos quando perdem a parceira. Que mais seria necessário a fim de comprovar serem dotados de consciência? Será necessário que falem? Pois a Bíblia narra um episódio em que Deus permitiu a uma jumenta que falasse e argumentasse com um profeta rebelde que a espancava sem razão.  Confira:

“Então o SENHOR abriu a boca da jumenta, a qual disse a Balaão: Que te fiz eu, que me espancaste estas três vezes? E Balaão disse à jumenta: Por que zombaste de mim; quem dera tivesse eu uma espada na mão, porque agora te mataria. E a jumenta disse a Balaão: Porventura não sou a tua jumenta, em que cavalgaste desde o tempo em que me tornei tua até hoje? Acaso tem sido o meu costume fazer assim contigo? E ele respondeu: Não.” 
Números 22:28-30

Imagine se Deus permitisse a todos os animais maltratados pelo homem o mesmo dom? Tal permissão foi dada àquele animal de carga para que se defendesse. Alguém ainda ousa dizer que eles não têm consciência? Ainda que não falem a nossa língua, eles têm sua maneira de se comunicar, tanto com os de sua própria espécie, quanto conosco. Cientistas tentam decifrar a linguagem altamente sofisticada usada pelos golfinhos. Até abelhas e formigas comunicam intensamente entre si. Graças à esta capacidade, colmeias e formigueiros formam duas das sociedades mais complexas encontradas na natureza. 

Surge, então, uma nova questão: Se tais seres têm alma e consciência, seriam eles alvo da graça divina para a salvação?  O conceito de salvação é muito amplo, e abrange, entre outras coisas, a preservação. Assim como no episódio do dilúvio, Deus preservou as espécies, cremos que Ele as preservará na nova terra.

E qual seria o escopo desta preservação? No caso dos humanos, Deus salva a indivíduos. E no caso dos animais, Ele preservaria indivíduos ou espécies? A resposta a esta pergunta fica no campo da especulação. Não há base bíblica para que afirmemos categoricamente, tampouco que neguemos tal possibilidade. Por isso, não ouso dogmatizar. 

Nosso planeta já passou por várias extinções em massa, algumas de proporções devastadoras, levando ao desaparecimento completo de inúmeras espécies. Tais extinções serviu a um propósito divino, pois eliminou o antigo grupo dominante, abrindo espaço para o surgimento e hegemonia de um novo grupo. Se os dinossauros não houvessem sido extintos, os mamíferos (dentre os quais somos incluídos) não se tornariam dominantes na Terra.

Sinceramente, não creio que a raça humana tenha convivido com eles, e nem que teremos que conviver com os dinossauros na eternidade. Se Deus salvasse a todas as espécies que já passaram pela Terra, precisaríamos de um espaço muito maior que possibilitasse o convívio entre elas. Quem sabe Ele esteja preparando algum lugar neste vasto Universo para elas? Em se tratando do Criador, não há o que duvidar. Poder não lhe falta.

Porém, creio que haja certo número de espécies destinadas a compartilhar do mesmo espaço que o ser humano. São nossas companheiras de jornada. Estas serão preservadas e desfrutarão da nova terra em nossa companhia.

Haveria salvação individual para os animais?

Ainda no campo da especulação, tenho a impressão que sim, que haverá salvação para aqueles que tiveram um laço profundo com seres humanos. Talvez Elias, o profeta, reveja os corvos usados por Deus para alimentá-lo durante a seca em Israel. Talvez Jesus reveja o jumento sobre o qual montou em Sua entrada triunfal em Jerusalém. 

Na parábola contada por Natã a Davi, um homem criou uma cordeira como se fosse sua filha. Ele a criou, e ela cresceu com ele e com seus filhos. Ela comia junto dele, bebia do seu copo e até dormia em seus braços. Era como uma filha para ele” (2 Sm.12:3).

Parece-me justo que um animal criado com tanto amor, seja restituído àquela família na restauração de todas as coisas. Penso que isso oferece um enorme consolo, principalmente às crianças, quando perdem um animalzinho de estimação.  E não encontro razão bíblica para que isso não aconteça. 

Se o Senhor os ama a ponto de dar-lhes o sustento, por que não os traria de volta para a alegria daqueles que igualmente os amava?

Não se trata de "salvação" no mesmo sentido aplicado aos homens, pois estes pecaram e foram destituídos da glória de Deus. Trata-se, porém, de restauração à sua condição original. 

Embora não ouse dogmatizar, celebro com alegria e esperança esta possibilidade.

A circuncisão do coração e a libertação do narcisismo

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Por Hermes C. Fernandes 

Dentre os rituais prescritos na lei mosaica, nenhum era mais radical do que a circuncisão. Trata-se de um procedimento cirúrgico no qual se remove o prepúcio, a pele que recobre a glande do órgão reprodutor masculino, tão invasivo e traumático quanto o corte do cordão umbilical. Diferentemente de outras cerimônias como as que exigiam o sacrifício de animais, a circuncisão deixava uma marca no corpo do indivíduo. 


Na verdade, a circuncisão foi instituída bem antes da lei, servindo de selo da aliança entre Deus e os descendentes de Abraão. Todo filho varão deveria ser circuncidado ao oitavo dia (G.17:10-12). O próprio Jesus precisou ser submetido ao rito.


Atualmente, muitos defendem a circuncisão como uma medida de higiene, útil para impedir o acúmulo de secreção genital no espaço entre a glande e o prepúcio, região comumente foco de infecções. Pesquisas apontam os benefícios práticos da circuncisão como a redução de infecções urinárias, câncer peniano e câncer do colo do útero nas parceiras, doenças sexualmente transmissíveis, dentre as quais o HIV. Apesar do valor atribuído pela medicina moderna à prática, gostaria de propor uma investigação bíblica em busca de seu sentido simbólico/espiritual.

O escritor sagrado diz que os ritos e cerimônias da lei têm “a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas” (Hb.10:1). Paulo complementa dizendo que a realidade para a qual eles apontam se encontra “em Cristo” (Col.2:16-17). Portanto, muito mais do que uma medida higiênica e preventiva, a circuncisão encerra em si um significado mais amplo e profundo.

Bem da verdade, a circuncisão acabou se tornando motivo de muita controvérsia na igreja primitiva. Alguns discípulos judeus achavam que qualquer gentio que se convertesse à fé deveria se submeter ao rito. Somente assim, o novo convertido seria aceito na comunidade dos cristãos, sendo oficialmente incluído entre os descendentes de Abraão.

Paulo foi um dos que mais combateram tal crença. Segundo o apóstolo, o que antes era um sinal da aliança entre Deus e Abraão, agora se tornara numa ferramenta para manter as pessoas reféns de uma religiosidade frívola e vã.

“Tendo cuidado”, advertiu Paulo, “para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e tendes a vossa plenitude nele, que é a cabeça de todo principado e potestade, no qual também fostes circuncidados com a circuncisão não feita por mãos no despojar do corpo da carne, a saber, a circuncisão de Cristo” (Col.2:8-11).

Portanto, a circuncisão instituída na lei era apenas uma sombra da verdadeira circuncisão à qual somos submetidos em Cristo. N’Ele alcançamos a plenitude; em outras palavras, não nos falta nada. Estamos completos. Sua graça nos basta.

Alguns discípulos mais moderados achavam que a circuncisão deveria ser encarada como algo opcional. Quem quisesse, poderia ser circuncidado. Quem não quisesse, poderia manter-se incircunciso. Porém, Paulo, prevendo que isso promoveria a divisão dos cristãos em duas classes distintas, opôs-se radicalmente. “Se vos deixardes circuncidar”, alerta o apóstolo, “Cristo de nada vos aproveitará” (Gl.5:2). E a lógica que ele usava era imbatível: “E de novo protesto a todo o homem que se deixa circuncidar, que está obrigado a guardar toda a lei” (v.3). Não dava para transigir. Quem quisesse viver sob a égide da lei, teria que observá-la por completo. Ou tudo, ou nada. Ou se vive pela lei, ou se rende à graça. E ele mesmo sentencia: “Separados estais de Cristo, vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído” (v.4).

Para Paulo, aquela era uma questão há muito superada. Transformá-la num cavalo de batalha era total perda de tempo. Por isso, ele se nega a pôr panos quentes. O assunto tinha que se encerrar ali mesmo. “Porque”, afinal, “em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor” (v.6). E arremata: “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem virtude alguma, mas sim o ser uma nova criatura” (Gl.6:15). Nem valor, nem virtude. Portanto, ninguém pode se gabar perante Deus pelo simples fato de ter sido circuncidado conforme prescrito na lei.

Em quase todas as suas epístolas, Paulo teve que retomar a questão, mesmo que a contragosto. A igreja sofria um ininterrupto assédio dos que defendiam a circuncisão como condição sine qua non para a salvação. Aos Filipenses, ele defende que a verdadeira circuncisão “somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne”(Fp.3:3). Ao contrário da lei que servira como plataforma de um sistema meritório, a graça derruba qualquer presunção humana, posto que revele nossa falência espiritual, a fraqueza de nossa carne e a nossa inabilidade em cumprir as demandas da justiça divina. Não dá para confiar em Cristo e confiar em nossa carne ao mesmo tempo. Qualquer tentativa de se estabelecer uma meritocracia sucumbe ante a radicalidade da graça.

Aos cristãos de Roma, ele alfineta:
“Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus.” Romanos 2:28,29 
Circuncisão do coração? De onde Paulo teria tirado este conceito? Seria um conceito totalmente novo? Haveria algum indício no Antigo Testamento de que sob a nova aliança a circuncisão da carne seria substituída pela circuncisão do coração? E o que significaria tal circuncisão?

Jeremias, o mais emotivo dentre os profetas, admoesta:

“Circuncidai-vos ao Senhor, e tirai os prepúcios do vosso coração, ó homens de Judá e habitantes de Jerusalém, para que o meu furor não venha a sair como fogo, e arda de modo que não haja quem o apague, por causa da malícia das vossas obras. Jeremias 4:4

Esta passagem vetero-testamentária deixa claro que a não circuncisão de nosso coração atrairia o juízo de Deus. Fica igualmente subentendido que nossas más obras nada mais são do que frutos de um coração incircunciso.

Mesmo durante a instituição da lei, muito antes da Era dos grandes profetas, Deus já havia Se comprometido a promover a circuncisão do coração do Seu povo. Portanto, não se trata de obra humana, mas divina. Leia o que diz Moisés sobre isso:

“E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para amares ao Senhor teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas. Deuteronômio 30:6

Repare nisso: a circuncisão do coração é que nos possibilita a amar a Deus. Jesus disse que toda a lei foi resumida em dois mandamentos: Amar a Deus e amar ao próximo. Sem que o homem tenha seu coração circuncidado, ele jamais será capaz de cumpri-los. O cumprimento de ambos depende totalmente desta operação feita pelo Espírito Santo em nosso interior. E uma vez que sejamos incapazes de amar ao nosso semelhante, certamente lhe negaremos também a justiça.

“Circuncidai, pois, o prepúcio do vosso coração, e não mais endureçais a vossa cerviz. Pois o Senhor vosso Deus é o Deus dos deuses, e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e terrível, que não faz acepção de pessoas, nem aceita subornos; que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa. Deuteronômio 10:16-18

A paz só possível se houver justiça, e esta, por sua vez, só se cumpre onde haja amor. Todavia, há um prepúcio no coração de todo homem que o impede de ver isso. Paulo também se refere a esta cobertura como um véu capaz de endurecer o entendimento humano. Daí a advertência para que não endurecemos a nossa cerviz. Em outras palavras, temos que deixar de ser cabeça dura. Porém, para isso, o véu tem que ser removido. E isso só ocorre quando somos convertidos a Cristo (2 Co.3:13-18). Portanto, a genuína conversão equivale a ter o coração circuncidado.

Permita-me lançar mão de uma compreensão psicanalítica de nossa condição humana que parece ecoar a verdade anunciada nas Escrituras.

De acordo com Freud, todos nascemos narcisistas. Ao nascermos, todo o nosso amor é voltado para nós mesmos. Até a nossa mãe é vista como sendo uma extensão de nosso ser. Isso parece se encaixar perfeitamente com o que a teologia cristã diz acerca de nossa condição humana: todos nascemos em pecado (Sl.51:5). Pecadoé, por definição, errar o alvo. Não fomos criados para o amor próprio, mas para amar a Deus e ao nosso semelhante. O amor próprio é, por assim dizer, a essência do pecado. Nascemos em pecado porque nascemos voltados para nós mesmos. Investimos todo o nosso afeto em nosso eu. O outro não passa de um espelho onde vislumbramos nossa imagem. É pelo outro que tomamos consciência de que existimos. O mundo parece nos orbitar. Até que ocorre um trauma de tal ordem que Freud chama de castração. Se o narcisismo é a entronização do “eu”, a castração é a sua deposição. Somos confrontados pela lei imposta pelo superego num processo chamado de Complexo de Édipo, através do qual descobrimos que nem todos os nossos desejos podem ser saciados. O papel do superego é nos munir de consciência moral, ditando-nos o bem a ser buscado, e o mal a ser evitado. É através da castração que a lei é cravada em nossa consciência, gerando uma estrutura psíquica neurótica, fundamentada no desejo e na culpa. Uma eventual falha na castração gerará uma estrutura psíquica psicótica, ou mesmo perversa, em que o sujeito é incapaz de se sentir culpado. Sem que haja culpa, também não haverá arrependimento. É necessário que a lei cumpra seu papel, a fim de que a graça entre em cena, de modo que se cumpra a célebre declaração apostólica: “Onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm.5:20). Como cristão que crê no ministério do Espírito em convencer o homem acerca do pecado, da justiça e do juízo (Jo.16:8), creio firmemente que ninguém está imune à Sua eficiente atuação, nem mesmo o psicótico ou o perverso. Porém, esta atuação passa necessariamente pela admissão de culpa, sem a qual, jamais se alcançará a consciência grata pelo perdão. Sem a lei, não há evangelho possível. A lei condena para que o evangelho absolva.

Engana-se quem pensa que a lei foi legada exclusivamente aos judeus. Paulo afirma que mesmo os gentios “fazem naturalmente as coisas que são da lei, não tendo eles lei, para si mesmos são lei; os quais mostram a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” (Rm.2:14,15). Esta tal lei no coração é o que Freud chama de superego.

É justamente a castração que nos lança para fora de nós mesmos e nos faz buscar no outro o que não encontramos em nós, posto que revele nossa desesperadora condição de incompletude.

Agora temos um ego suprimido pelo superego e uma terceira instância psíquica a que Freud chama de Id, que equivale ao que Paulo chama de “carne”. Digamos que o superego seja aquele anjinho que nos estimular a fazer o que é certo, enquanto que o Id é o diabinho que nos instiga a fazer o que é errado. Caberá ao ego arbitrar entre as demandas do superego e do Id.

Devido à nossa condição pecaminosa, somos bem mais propensos a atender aos apelos do Id do que aos estímulos do superego. Queremos saciar os desejos de nossa carne a qualquer custo, mesmo que isso resulte na infelicidade de outros. Diferente das estrelas ao redor das quais orbitam os mais variados planetas, tornamo-nos buracos negros que sugam tudo ao seu redor.

A castração não foi suficiente para nos tornar seres humanos plenos. Quando muito, devemos a ela nossa introdução à adolescência espiritual. A plenitude de que tanto carecemos se encontra na graça revelada em Cristo. Ela nos liberta da opressão do superego e da contínua pressão do Id.

A circuncisão do coração nos oferece um estágio para além da castração. O superego é destituído e em seu lugar entronizamos a Cristo. Mediante a castração, fomos levados à Árvore do Conhecimento do Bem do Mal, mas somente pela circuncisão do coração somos reconduzidos à Árvore da Vida.

A partir daí, em vez de enxergar nossa própria imagem (narcisismo), passamos a enxergar em nós mesmos a imagem de Cristo e a flagrante transformação patrocinada pelo Espírito da Liberdade (2 Co.3:18). Finalmente, com o coração circuncidado, deixamos de viver para nós mesmos. Como declara Paulo, “o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si” (2 Co.5:14-15). Este santo constrangimento não apenas afeta a maneira como enxergamos a nós mesmos, mas também a maneira como enxergamos o outro. Paulo complementa: “Assim que daqui por diante a ninguém conhecemos segundo a carne” (v.16). Em outras palavras, já não buscamos no outro nossa própria satisfação. O outro deixa de ser um mero item de nosso desejo, um sonho de consumo, e passa a ser visto e acolhido como alguém a quem devemos devotar despretensiosamente nosso amor. Pela graça tornamo-nos livres para amar tanto a Deus quanto a nosso próximo; não impulsionados pela culpa neurótica gerada pela lei (superego), mas pelo Espírito de Cristo; não pelo medo de sermos inadequados às expectativas dos outros, mas pelo prazer de encontrar na felicidade alheia a razão de nossa própria felicidade.

Pode-se dizer, então, que o ser concebido no ambiente uterino só alcançará a plenitude de sua humanidade ao ser regenerado, passando pela circuncisão de seu coração.

O desaforo da graça radical

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Por Hermes C. Fernandes

A gente costuma dizer que crê na graça, mas desde que seja uma graça moderada, que não cometa a indiscrição de insultar nosso senso de justiça própria. Porém, a graça oferecida em Cristo é desaforada e escandalosamente radical e subverte nossa lógica fundamentada na performance e no mérito. Como entender que o Deus santo e justo poderia se relacionar com gente de nossa laia sem impor qualquer condição? E como admitir Sua disposição em aceitar em Sua companhia gente ainda pior do que nós? Quanta petulância achar que a graça só pode alcançar pessoas do nosso nível para cima, como se representássemos uma espécie de padrão mínimo. Qualquer que consideremos abaixo desta linha é simplesmente inalcançável.

Ultrajados em nossa presunção religiosa, estabelecemos condições sine qua non que devem ser preenchidas para que pecadores iguais ou piores do que nós sejam aceitos por Deus. Em nossa mentalidade medíocre Deus faria certa concessão aos pecadores "desde que..."

Ora, se houver qualquer condição preliminar, logo, a graça é invalidada. Todas as razões para que Deus nos acolha devem estar exclusivamente n'Ele, não em nós. Portanto, o conceito de graça e o conceito de condições preliminares são mutuamente excludentes.

A lógica paulina é implacável:
"Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra." Romanos 11:6 
O problema é que quando pensamos em obras, somos remetidos às exigências da Lei. Porém, o conceito encerrado no termo "obras" é muito mais abrangente.

Sutilmente, afirmamos a graça ao mesmo tempo em que dizemos que Deus salva o pecador desde que este creia, se arrependa e obedeça aos mandamentos. Tudo isso soa tão piedoso que não percebemos sua contradição lógica.

O que é o arrependimento, senão uma obra? O mesmo pode-se dizer tanto do crer, quanto do obedecer. Se estas são condições que devem ser cumpridas para que sejamos salvos, logo, a graça se torna inútil e teremos do que nos gloriar diante de Deus. Ao chegarmos à glória derradeira poderemos bater no peito e dizer: "Aqui cheguei graças a algo que fiz. Fui salvo porque cri, me arrependi e obedeci."

Então, tais coisas não são importantes? Sim, são importantes, porém, não são condições preliminares para que se alcance a salvação.

Paulo põe uma pá de cau sobre qualquer pretensão humana de fazer da salvação uma conquista meritória:
"Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas." Efésios 2:8-10
Alguns dirão que a graça é a parte que compete a Deus, porém, a fé é a parte que nos cabe. Porém, Paulo afirma que mesmo a fé mediante a qual temos acesso à graça nada mais é do que manifestação desta própria graça. "Isto não vem de vós", brada o apóstolo. A fé nada mais é do que um dom que recebemos ao ouvirmos a Palavra. Em Filipenses 1:29-30, o mesmo apóstolo diz que o crer em Cristo é uma concessão celestial.
"Pois vos foi concedido, por amor de Cristo, não somente o crer nele, mas também o padecer por ele." 
Repare nisso: até mesmo o padecer por amor a Ele não nos serve como razão para nos gloriarmos, pois também é uma concessão da graça. Portanto, deveríamos crer piamente em nossa incapacidade de crer sem uma intervenção da graça.

 Então, não é necessário que nos arrependamos ou que renunciemos às paixões pecaminosas?

Sim. Mas não são condições, e sim, consequências da ação da graça em nós. Lembre-se que, apesar de não sermos salvos pelas obras, somos salvos para as boas obras, "as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas". 

Não se tratam de exigências para que sejamos salvos. Quem pensa assim não leva em conta o estado espiritual lastimável no qual nos encontrávamos. Paulo diz que estávamos mortos em nossos delitos e pecados.
"Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo {pela graça sois salvos}." Efésios 2:4-5
Como exigir que um morto creia, se arrependa, renuncie a si mesmo e obedeça? Quando Cristo faz tais exigências, estava revelando a inabilidade humana em cumpri-las à parte da graça. Ele exige de nós o que não podemos pagar para depois revelar Sua misericórdia ao quitar nossa dívida. Isso fica claro na parábola do credor incompassivo.

Precisamos nos arrepender de atribuir ao nosso arrependimento um poder salvífico que ele não tem. É a graça divina que nos conduz ao arrependimento, e não vice-versa:
"Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te conduz ao arrependimento?" Romanos 2:4 
Devemos renunciar nossa pretensão em achar que somos salvos pelas renúncias que fizermos. Qualquer renúncia verdadeira é patrocinada pela graça:
"Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo salvação a todos os homens, ensinando-nos, para que, renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivamos no presente mundo sóbria, e justa, e piamente." Tito 2:11-12
À luz disso tudo, podemos afirmar sem medo de errar que o "negar a si mesmo" exigido por Jesus a Seus discípulos nada mais é do que admitir nossa incompetência em atender quaisquer condições. Só nos resta apelar à graça, e aceitar que esta é a única maneira para que a glória se mantenha intacta e seja inteiramente atribuída a Deus. Simplesmente, não há do que nos gloriar diante de Deus.

Disputamos com Paulo o título de "Principal dos pecadores". Se a graça foi capaz de nos alcançar a despeito de nossa miserável condição, que outro pecador ela também não alcançaria? Considerar-se o "principal" não é condição para sermos salvos, mas, definitivamente, é condição para que olhemos os demais com compaixão.

Como sugerido pela parábola do credor incompassivo, uma vez perdoados, devemos estender este perdão aos demais sem impor-lhes qualquer condição.  Não imponhamos aos outros condições que não nos foram impostas. Creiamos que Aquele que em nós começou a boa obra, igualmente a começou nos demais, e a completará no prazo determinado pelo Pai (Fp.1:6).

Não há verdade mais inconveniente do que a graça. Ainda que libertadora, ela dá uma rasteira em nossa presunção, emperra todo mecanismo de controle, faz secar as fontes que alimentam nossas neuroses, decreta a falência da indústria religiosa que se alimenta da culpa, e, por fim, constitui-nos seres subversivamente livres e perigosamente autênticos.

Antes de nos proporcionar qualquer segurança, a graça nos tira o chão, nos arrebata, nos gera um desconforto, uma vertigem e até uma certa desconfiança. "É muito bom pra ser verdade", ponderamos. Mas depois que a ficha cai, nunca mais aceitamos nada menos que aquela sensação incomparável de frescor e liberdade. Somente aí, genuinamente livres, poderemos ser canais do amor de Deus, sem exigir das pessoas absolutamente nada, posto que nada nos foi exigido.

Não custa relembrar: Precisamos nos arrepender de fazer do arrependimento a razão de nossa salvação. Renunciar nossa pretensão de fazer da renúncia o preço a ser pago para sermos salvos. E, finalmente, reconhecer que não há qualquer mérito em se reconhecer nossa total ausência de mérito. Somos salvos exclusivamente pela graça, sem tirar, nem por. E, uma vez salvos, nosso prazer será ir muito além de qualquer dever, motivados por amor e gratidão, e não mais pela culpa por não atingirmos um ideal de santidade.

Parábolas x Fábulas - A diferença entre o reino de Deus e o reino da fantasia

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Por Hermes C. Fernandes

Fábulas. Quem não as ouviu quando criança? Quem nunca adormeceu enquanto sua mãe as contava? Elas servem para entreter e estimular a imaginação das crianças. Pelo menos, a intenção de quem as conta geralmente é esta.  O problema começa quando o indivíduo chega à vida adulta insistindo em viver num mundo de fantasia parecido com o dos contos de fada.

O apóstolo Paulo diz que haveria tempo em que as pessoas já não suportariam a sã doutrina, isto é, a verdade por si só, e como quem tem comichão nos ouvidos, se cercariam de mestres prontos a alimentar suas fantasias.  “E desviarão os ouvidos da verdade, voltando-se às fábulas” (2 Tm.4:3-4).

Uma dose de fantasia é sempre bem-vinda, pois amortece o impacto produzido pela realidade em nossa alma. Todavia, pessoas em posse de suas faculdades mentais sabem diferenciar entre fantasia e realidade. Somente os psicóticos e esquizofrênicos não conseguem distingui-las.

Recentemente escrevi um artigo em que menciono uma pesquisa feita nos Estados Unidos que revelou que o ofício pastoral estaria entre os mais procurados por psicopatas. Um líder num surto psicótico poderia promover um enorme estrago na vida de seus fiéis. Com seu carisma e dom de persuasão, ele poderia convencer seus liderados a embarcar em sua fantasia. Bastaria um culto com forte apelo emocional para que a histeria coletiva se instalasse e as pessoas suspendessem momentaneamente o seu senso crítico.  Isso explica, por exemplo, o que ocorreu recentemente numa igreja em Garankuwa, na África do Sul, onde o pastor ordenou que os membros de sua igreja comessem a grama do lado de fora do templo, alegando que com isso estariam mais perto de Deus.  Surpreendentemente, as pessoas embarcaram em seu surto e se puseram a pastar como animais. Seriam elas discípulos de Jesus ou de Nabucodonosor? rs Outro caso alarmante foi o protagonizado pelo Reverendo Jim Jones em 1978, quando mais de novecentas pessoas foram convencidas a se suicidarem, depois de terem migrado dos EUA para a Guiana sob sua orientação.

Não desprezemos o poder alucinógeno que tem as fábulas. Na pior das hipóteses, elas são capazes de provocar delírios e alucinações, alienando-nos da realidade. 

Quando os poderosos perceberam o potencial entorpecedor das fábulas, trataram de adotá-las como instrumento de dominação.

Mesmo as verdades do Evangelho podem ser de tal maneira pervertidas que acabem se tornando em fábulas e se pondo à serviço dos poderosos.

Sabendo que os riscos eram reais e que o dia de sua partida se aproximava, Pedro escreveu:

“Mas também eu procurarei em toda a ocasião que depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas. Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas; mas nós mesmos vimos a sua majestade.” 2 Pedro 1:15-16

Como diferenciar o Jesus do Evangelho e o Gezuis das fábulas, o Cristo real e o Cristo genérico?

Se as fábulas se tornaram num recurso retórico para o entorpecimento e adestramento da população, as parábolas eram o recurso predileto de Jesus para despertar e chamar as pessoas de volta à realidade. Tanto as fábulas quanto as parábolas são estórias fictícias, porém, têm elementos, desdobramentos e objetivos bem diferentes. Se as fábulas pervertem, as parábolas subvertem.

Vejamos os elementos comuns às fábulas e que as diferenciam das parábolas contadas por Jesus.

O cenário das fábulas é sempre um lugar bem distante e extraordinário, um reino mágico, uma floresta encantada, um país das maravilhas. Assim, o ouvinte é arrebatado, deixando sua dura realidade para explorar lugares só acessíveis à imaginação. Já as parábolas contadas por Jesus tinham como cenário o chão da vida, o cotidiano das pessoas, o dia-a-dia de gente comum.

Toda fábula tem um herói. Geralmente, um príncipe encantado. Alguém que salva a mocinha indefesa das garras do dragão ou da rainha má. Ele não vem das classes humildes. Não é um trabalhador braçal. É um membro da realeza. Um bravo e valente príncipe. Não é à toa que nosso povo, adestrado pelas fábulas, nutre a expectativa de que um dia alguém virá em sua defesa. Trata-se de um messianismo falso, alimentado por uma esperança fantasiosa. Foi esta esperança que colocou Collor no poder. O caçador de marajás parecia a resposta aos nossos mais profundos anseios por justiça. Deu no que deu...

As parábolas de Jesus não tem mocinhos nem bandidos. Não há lugar para heróis. Nelas a ambiguidade de nossa humanidade é exposta. Nossos preconceitos são postos à prova. De quem se espera socorro, recebe-se indiferença. E quem deveria ser vilão, inusitadamente se comporta com altruísmo e compaixão. A mocinha indefesa da fábula se transforma no povo chamado a ser protagonista de sua própria história em vez de ficar aguardando passivamente o beijo do príncipe. 

Não há maçãs enfeitiçadas nas parábolas. Não há nada de que os poderosos nos convençam que não possamos tocar, nem mesmo nos aproximar. Paulo denuncia este instrumento de dominação:


“Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens (...) Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu (...) Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como:Não toques, não proves, não manuseies?As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens;As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne.” Colossenses 2:8,18,20-23

Os poderosos usam e abusam da ignorância das pessoas para manipulá-las a seu bel-prazer. Foi assim que os senhores de engenho convenceram os escravos a não comerem as mangas, produto recém-chegado ao Brasil e que prometia trazer muitos lucros. Alegavam que comer manga e beber leite podia levar à morte. Séculos depois, ainda damos crédito a esta fábula ridícula sem qualquer embasamento científico.

Igualmente, há um evangelho que alimenta superstições, levando as pessoas a evitarem certos ambientes e comportamentos, não por consciência, mas por medo de serem ‘enfeitiçadas’ ou de darem ‘legalidade’ ao maligno. De fato, só a verdade liberta. A mentira amordaça e idiotiza.

Toda fábula esboça uma moral. Aquela que serve aos interesses das classes dominantes. “Qual é mesmo a moral da estória?” é a pergunta que paira no ar. Já as parábolas de Jesus demonstram preocupação com questões éticas que seguem pertinentes independentemente da época, da cultura e do lugar.

Algumas parábolas parecem pegadinhas que visam expor nosso senso de moral contraditório.

Não importa qual seja o enredo, todas as fábulas têm final feliz. O que começa invariavelmente com“era uma vez”, termina com “e foram felizes para sempre”. Quem não gostaria que fosse assim na vida real?As parábolas de Jesus rompem com este clichê. Algumas nem sequer parecem terminar. As estórias contadas por Jesus não terminam com final feliz, simplesmente porque elas não terminam. A trama humana segue em aberto. A vida segue seu ritmo. Há espaço para contingências e eventualidades. Fábulas falam de certezas. Parábolas falam de surpresas.

Quando parecia que Jesus ia dar o arremate da estória, ele introduz uma situação inusitada.

Se uma fábula como a da Branca de Neve fosse uma parábola, ela não teria o desfecho que teve. Depois do beijo que quebrou o feitiço da maçã que lhe fora ofertada pela rainha má, a Branca de Neve se casaria, teria filhos, e viveria muitas outras coisas, nem todas tão felizes. Ninguém fica feliz para sempre. Um casamento, por mais maravilhoso que seja, um dia termina, seja pelo divórcio ou pela morte. Haverá dias de sol, mas também dias nublados. Haverá risos, mas também lágrimas em abundância.

De acordo com as fábulas, o objetivo da vida humana é a sua própria felicidade. As parábolas nos sugerem outros objetivos: o bem comum e a glória para Deus.

Enquanto as fábulas nos apresentam um mundo de fantasia, as parábolas revelam como deve funcionar o mundo sob os princípios que regem o reino de Deus.

Depois de terem ouvido Jesus contar inúmeras parábolas, sem conter a curiosidade, os discípulos o cercaram  e perguntaram: “Por que lhes falas por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus (...)  bem-aventurados os vossos olhos, porque veem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram ” (Mateus 13:10,16-17).

A noção que muitos têm do reino de Deus tem mais a ver com as fábulas do que com as parábolas de Jesus. Imaginam um reino num lugar mui, mui, mui distante, para além do sol e das estrelas. Ou, quem sabe, numa dimensão paralela. Para estes, o reino ainda não veio. Foi ofertado por Jesus durante Seu ministério terreno, porém, teve que ser adiado. Todavia, um dia ele virá de maneira estrondosa, com direitos a efeitos especiais dignos de um filme de Steven Spielberg. Nada mais distante da verdade do que isso.

Em uma de Suas parábolas, Jesus diz que o reino dos céus é semelhante ao grão de mostarda que o homem, pegando nele, semeou no seu campo;o qual é, realmente, a menor de todas as sementes; mas, crescendo, é a maior das plantas, e faz-se uma árvore, de sorte que vêm as aves do céu, e se aninham nos seus ramos” (Mt.13:31-32). Portanto, o reino não vem com aparência majestosa. Uma de suas principais características é a discrição. Na parábola seguinte, Ele compara o reino de Deus “ao fermento, que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado” (Mt.13:33). Portanto, o reino não se manifesta de maneira espetaculosa, mas vai se infiltrando sorrateiramente nas estruturas erigidas pelo gênio humano. 

Preferimos confundir a realidade do reino de Deus com o que seria um mundo ideal, onde as coisas sempre começassem e terminassem bem, sem choro, nem sofrimento ou morte.

O ideal do reino, porém, está mais para utopia do que para fantasia. Utopia é aquilo que nos move na direção do horizonte, ainda que a cada passo que dermos, o horizonte pareça se distanciar. Sonhamos com um mundo onde impere a justiça, a verdade e o amor. Um mundo sem guerras, pestes, exploração e violência. Todavia, este mundo com que sonhamos não deve ser esperado, mas perseguido. Ele não está em algum outro lugar. Ele está no futuro. Em vez de aguardarmos uma intervenção divina, devemos arregaçar as mangas e trabalhar como instrumentos usados por Deus na edificação do Seu reino na terra. A intervenção divina já aconteceu no momento que nos foi enviado o Seu único Filho, e posteriormente o Seu Espírito para nos habilitar ao cumprimento do Seu propósito. O futuro, portanto, precisa ser construído, ainda que, do ponto de vista de Deus ele já seja real.

A fantasia produz letargia. A utopia nos impulsiona a caminhar. A fantasia nos anestesia. A utopia nos dá um choque de realidade, sem, contudo, permitir que nos conformemos a ela.

Dentre as várias parábolas registradas nos evangelhos sinóticos, as duas mais conhecidas são, sem dúvida, a do filho pródigo e a do bom samaritano.

Proponho aqui um exercício de imaginação para revermos estas parábolas em camadas.

Na parábola primeira, o filho mais novo pede ao pai que lhe dê sua parte na herança. O pai, por ser justo, resolve repartir a herança entre ele e seu irmão mais velho. O caçula deixa sua casa e gasta tudo o que recebera com orgias e jogatina. Sem dinheiro, humilhado e tendo que trabalhar cuidando de porcos, cai em si e resolve voltar para a casa do pai e pedir-lhe uma chance. Surpreendentemente, o pai não apenas o recebe, mas promove uma festa para recepcioná-lo. O filho mais velho, enciumado, recusa-se a participar da festa. 

Se vivêssemos num mundo ideal, o irmão mais velho celebraria a volta do irmão, certo? Mas, espera aí... num mundo ideal, seu irmão jamais teria gastado tudo com mulheres e farra. Ou ainda: num mundo ideal, ele nem mesmo teria abandonado o seu pai àquela altura da vida. A propósito, por que o mais velho não se manifestou quando o caçula requereu sua parte na herança? Talvez, por ter percebido que ele também seria beneficiado, recebendo sua parte na herança. Num mundo ideal, ele chamaria seu irmão para conversar e o dissuadiria daquela loucura. Porém, o fato é que não vivemos num mundo ideal, tampouco num mundo de fantasias. No mundo real, filhos torram o que custou aos pais uma vida inteira de trabalho árduo. No mundo real, irmãos sentem inveja entre si por se acharem preteridos por seus pais. Onde o reino de Deus entra nisso tudo? Como um reino real e justo opera num mundo real e injusto?

Já que o filho mais novo requereu sua parte... Que o pai reparta com equidade entre ambos os filhos. Já que o pródigo perdeu tudo... Que ele caia em si, se arrependa de sua loucura e tome o rumo da casa do pai. Já que filho rebelde retornou arrependido... Que o pai lhe dê uma festa de recepção. Já que o filho mais velho se recusa a celebrar a volta do irmão... Que o pai vá ao seu encontro e o convença de entrar na festa. Se fosse uma fábula, a estória teria terminado com o irmão mais velho dançando ao lado do resto da família, abraçado ao pai e ao seu irmão pródigo, e, assim, foram felizes para sempre. Em vez disso, a estória termina com o pai argumento com seu primogênito. O que ele teria feito, então? Jamais saberemos. Todavia, podemos saber o que nós mesmos faremos numa situação que demande uma postura semelhante.

Na segunda parábola, um homem é assaltado e deixado semimorto à beira da estrada. Vem um sacerdote e finge não ver. Vem um levita e faz o mesmo. Até que surge um samaritano, e para surpresa de todos, não só lhe presta os primeiros socorros, como também o coloca em sua cavalgadura, leva-o para uma hospedaria, paga a conta do seu tratamento e pede que o dono não economize, caso seja necessário. Na volta, ele passaria por lá e acertaria a conta.

Num mundo ideal, o sacerdote e o levita jamais se recusariam a socorrer àquele moribundo. Num mundo ideal, os ouvintes de Jesus jamais teriam ficado surpresos com a atenção dispensada por um samaritano a um judeu naquelas condições. Não haveria preconceito num mundo ideal. Num mundo ideal, aquele homem nem sequer teria sido assaltado. Num mundo ideal, certamente não haveria assaltantes nas estradas. Mas, definitivamente, este não é um mundo ideal. Coisas ruins acontecem a qualquer um. Nem mesmo os justos estão imunes a isso.

Então... já que há assaltantes na estrada, bom seria que aquele homem não viajasse sozinho. Mas, já que viajava só e foi assaltado... Que quem quer que passe por ali, sem importar sua posição social ou seu credo religioso, pare para prestar-lhe socorro. Já que o sacerdote e o levita se recusaram a parar... Que entre em cena aquelaeque passou a vida inteira sendo alvo de bullyinge chacotas por parte dos judeus, e preste o devido socorro àquela vítima sem perguntar-lhe nada.

Num mundo ideal não haveria aborto. Mas já que meninas são estupradas e no momento do desespero acabam optando pelo aborto... Que haja quem as acolha, sem condená-las. Que seu sofrimento seja atenuado.

Num mundo ideal não haveria divórcio. Mas no mundo real, há. Então, que nos habilitemos a acolher os que foram machucados por este tão dolorido processo, sem julgá-los ou discriminá-los.


Num mundo ideal todos sentiríamos atração por pessoas do outro sexo, e assim, não veríamos casais formados por indivíduos do mesmo gênero. Porém, no mundo real as coisas nem sempre são assim. Há mais homossexuais do que imaginamos, inclusive dentro das igrejas. Boa parte deles prefere manter-se no armário para não sofrer discriminação. Então, deixemos de lado nossos preconceitos idiotas e tratemos de acolhê-los com amor.

Num mundo ideal não há drogas. No real, há. Logo, qual deve ser nossa postura ante tão sério e crônico problema social?

Num mundo ideal não há cadeias superlotadas, nem mesmo criminosos para serem presos. Já que isso é coisa do mundo real, então, vamos visitá-los.

Num mundo ideal há acontecem tragédias naturais. Em nosso mundo, sim. O que é que estamos fazendo de braços cruzados? Saiamos ao encontro de suas vítimas, solidarizando-nos com a sua dor.

Num mundo ideal não há fome. No real, sim. Então, repartamos o nosso pão com os que nada têm. Deixemos de apontar o dedo acusador e estendamos as mãos, as mesmas que usualmente levantamos ao céu em adoração a Deus. 

Enquanto a vida acontece lá fora, a bela igreja segue adormecida...
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