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Belos por fora, vazios por dentro!

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Por Hermes C. Fernandes


“No princípio criou Deus os céus e a terra. A terra era sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas.” Gênesis 1:1-2

Eis a prova de que o Criador prima pelo processo! Em vez de fazer todas as coisas já devidamente prontas, ele prefere submetê-las ao processo de acabamento. Alguns intérpretes afirmam que na verdade a terra tornou-se sem forma e vazia, e chegam a conjecturar que o evento que deflagrou este caos foi a queda de Satanás. Todavia, se lermos o texto sem tentar encaixá-lo em nossa cosmovisão, veremos que ele diz exatamente o que o autor pretendia dizer: Deus cria os céus e a terra, porém, a terra ainda era informe e desabitada. A partir deste ponto do poema da criação, o autor nos brinda com várias estrofes em que Deus vai aperfeiçoando Sua obra, passo a passo até poder soltar um sonoro "Muito bom!"

A criação da Terra serve de analogia para a criação do novo homem em Cristo. Nós somos a nova terra. Tanto a terra quanto o céu, emergiram do nada (ex niilo). Entretanto, a obra não estaria completa, enquanto se mantivesse “sem forma e vazia”.
“Pois assim diz o Senhor que criou os céus, ele é Deus; foi ele que formou a terra, e a fez, ele a estabeleceu; ele não a criou para ser vazia, mas a formou para que fosse habitada...” Isaías 45:18
A primeira providência de Deus para mudar situação caótica temporária em que sua obra se encontrava foi criar a luz: “E disse Deus: Haja luz. E houve luz” (v.3). Sem a luz, a forma não é distinguível, senão pelo tato. Lembremo-nos que“todas as coisas manifestas pela luz tornam-se visíveis, pois é a luz que a tudo manifesta” (Ef. 5:13). 

A luz representa o entendimento, a revelação da Palavra, da vontade de Deus. Enquanto a luz visa dar forma, o Espírito Santo, ao pairar sobre a face das águas, tinha por objetivo “encher” o que estava vazio.

A terra deveria ser o cenário onde os propósitos de Deus se realizariam. O Novo Homem, recriado em Cristo, surge em um instante. A conversão não é gradual, como sustentam alguns. Ela acontece no momento em que a Palavra de Deus é ouvida, recebida e crida. Entretanto, a nova criatura agora precisa receber “forma” e “conteúdo”. Ela ainda é uma massa informe, tal qual uma criança que acaba de ser concebida. Aos poucos, à medida que ela recebe luz, conhecimento daquilo que é agradável a Deus, através da Palavra, ela vai adquirindo forma. Como diz a Escritura:
“Pois outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor. Andai como filhos da luz (pois o fruto da luz consiste em toda a bondade, e justiça e verdade), descobrindo o que é agradável ao Senhor.” Efésios 5:8-10
Ela já não pode “conformar-se com o mundo” (Rm.12:2). Mas deve renovar-se no conhecimento para que experimente qual é a boa, perfeita e agradável vontade de Deus. Ela é, por assim dizer, remodelada. Ela adquire uma nova imagem.

Quando falamos em “forma”, estamos nos referindo à imagem, isto é, àquilo que se vê. Deus fez o homem à Sua imagem e semelhança, conforme vemos em Gênesis. Enquanto a imagem diz respeito à forma, a semelhança diz respeito ao conteúdo. Ao cair, o homem teve a sua imagem espiritual descaracterizada, borrada pelo pecado. E o pior é que Adão transmitiu isso a todas as gerações. Vejamos:
“Adão viveu cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e pôs-lhe o nome de Sete." Gênesis 5:3
Paulo dá testemunho disso, ao afirmar:
“O primeiro homem (Adão), sendo da terra, é terreno, o segundo homem (Jesus) é do céu. Qual o terreno, tais são também os terrenos; e qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a IMAGEM do terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” 1 Coríntios 15:47-49
Herdamos as características de nossos progenitores. Trazemos a imagem daqueles que nos geraram. E todos pertencem à mesma árvore: Adão. Por isso é necessário ao homem nascer de novo, para que herde as características do novo Adão, Jesus Cristo, e assim, possa habitar o novo céu e a nova terra criados por Deus. Mais adiante falaremos sobre a realidade do novo céu e da nova terra.

Quando falamos de “forma”, estamos falando de “padrão”, daquilo que é visível. Jesus, porém, veio reconciliar com Deus as coisas visíveis e invisíveis (Col.1:15). Há algo que não pode ser visto, pois trata-se da essência, do homem interior, do conteúdo. Lembremo-nos que, como vasos de barro, somos apenas recipientes de um valioso tesouro (2 Co.4:7). Aquilo que se vê tem importância, pois dá testemunho daquilo que não se vê. Entretanto, a essência precede a forma. Se ficarmos estacionados nessa questão, corremos o risco de viver uma religiosidade de fachada, ao estilo dos fariseus contemporâneos de Jesus. Cabe aqui a exortação de Paulo aos judeus:
“Mas tu que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; e conheces a sua vontade e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído na lei; e confias que és guia dos cegos, LUZ DOS QUE ESTÃO EM TREVAS, instruidor dos néscios, mestre de crianças, que tens a FORMA da ciência e da verdade da lei; tu, pois, que ensinas a outro, e não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? (...) Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? (...) Não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra, e cujo louvor não provêm dos homens, mas de Deus.” Romanos 2:17-22a, 23, 28-29
Eles tinham a forma. Eles tinham a Lei. Mas faltava-lhes a Graça, o conteúdo. Pra eles, era como se a terra já não estivesse sem forma, mas continuasse vazia. Havia luz, mas o Espírito não pairava sobre a face das águas!

Embora a Lei conferisse “forma”, apontasse um padrão de comportamento para o homem caído, o escritor sagrado garante que ela “não tem a imagem exata das coisas” (Hb.10:1). Por isso, ela era incapaz de devolver ao homem a “imago dei” perdida na queda. Era necessário Algo que fosse a “imagem exata”, e não apenas uma mera “fotocópia”. Na verdade, não era de “algo” que o homem precisava, mas de “Alguém”. Hebreus 1:3 nos revela esse Alguém que é “o resplendor da sua glória e a expressa imagem da sua pessoa”.

Jesus“encarnou” a Lei, e foi capaz de transcendê-la. Ele não apenas a cumpriu, mas foi além de suas demandas. Por isso Ele mesmo disse:
“Não penseis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim para destruí-los, mas para cumpri-los (...) Pois vos digo que se a vossa justiça não EXCEDER a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus.” Mateus 5:17,20
O verbo“cumprir” também pode ser traduzido por “encher”. A Lei apresentou-nos a “forma”, porém homem algum foi capaz de enchê-la. Somente Jesus a encheu, e desafiou Seus discípulos a excederem a justiça alcançadas pelos homens mais religiosos da época. Exceder é ir além.

Jesus, portanto, nos oferece um novo modelo. Ele é exatamente aquilo que Deus espera que sejamos. E “aquele que diz que está nele, também deve andar como ele andou” (1 Jo. 2:6). Portanto, Jesus nos oferece a forma e o conteúdo. Ele nos devolve a imagem e a semelhança de Deus. A forma diz respeito àquilo que fazemos, o conteúdo diz respeito àquilo que somos.

A grande missão de Cristo é reconduzir o homem a Deus. Mas para que isso seja possível, é necessário que lhe seja restituído a imagem e a semelhança divinas, das quais foi privado a partir da Queda.

Paulo afirma que Deus nos predestinou para sermos“conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Rm.8:29). Nosso destino é alcançarmos a perfeição (forma, imagem) e a plenitude (conteúdo, semelhança). Vamos descobrir de quê maneira se opera em nós o “remodelamento” e o “enchimento”.

Como somos remodelados?

Para que haja forma, é necessário que haja luz. Paulo diz que Satanás, chamada ali de“deus deste século”, “cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a IMAGEM DE DEUS” (2 Co.4:4). São esses incrédulos para os quais “o nosso evangelho ainda está encoberto” (v.3).

É necessário que haja uma revelação provocada pelo Espírito Santo, para que possamos contemplar a glória de Cristo, que é a imagem do Pai. Paulo diz que“quando um deles se converte ao Senhor então o véu é-lhe retirado” (3:16) E assim,“todos nós, com o rosto descoberto, refletindo a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na MESMA IMAGEM, como pelo Espírito do Senhor” (v.18).

Aos poucos, o Espírito Santo vai transformando nosso modo de viver, e nos fazendo semelhantes a Cristo, a imagem exata do Pai. Na medida em que nos renovamos no espírito do nosso entendimento, somos revestidos do novo homem,“que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade” (Ef.4:24). Segundo Paulo, é esse “novo homem” “que se renova para o conhecimento, segundo a IMAGEM DAQUELE QUE O CRIOU” (Col.3:10). Agora Cristo não é apenas o Unigênito de Deus, mas o Primogênito. “Por esta causa Jesus não se envergonha de lhes chamar irmãos” (Hb.2:11).

A remodelagem feita pelo Espírito em nós é gradual. É chamada de santificação. Para que fôssemos “refeitos”, e nos tornássemos novamente a “imagem” de Deus, Cristo teve que assumir a nossa própria imagem. Assim como nos tornamos “imagem” de Deus, sem nos tornarmos Deus, Cristo tornou-Se imagem do pecado, sem tornar-Se pecador. Paulo diz que devido à inabilidade da Lei em nos tornar santos, Deus enviou “o seu Filho em semelhança da carne do pecado” (Rm.8:3). E em outra passagem diz:“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós, para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co.5:21). Esse era o preço que Cristo deveria pagar para que nos fosse restituída a imagem de Deus.

Como somos “preenchidos”?

Uma vez remodelados, a obra não estaria completa se também não fôssemos cheios. Além de alcançarmos a perfeição (forma), fomos destinados a alcançar a plenitude (conteúdo). Se a forma diz respeito àquilo que se vê, o conteúdo diz respeito àquilo que não se vê. Ao agirmos como Cristo agiria, estamos demonstrando que recobramos a imagem de Deus. Entretanto, não nos basta agir como Cristo, devemos SER como Cristo. Devemos almejar nos assemelharmos a Ele. Não se trata aqui do mesmo desejo que Satanás teve. A diferença é que Satanás quis alcançar a semelhança de Deus, a fim de sobrepujá-Lo. Longe de nós tal pensamento! Jamais desejaríamos ser maiores do que nosso Pai. Jesus disse:
“O discípulo não é mais do que o mestre, nem o servo mais do que o seu senhor. Basta ao discípulo ser como seu mestre, e ao servo como seu senhor.” Mateus 10:24-25
E esseé o nosso destino final. João afirma em sua epístola: “Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque assim com é, o veremos” (1 Jo.3:2). Embora essa promessa vá cumprir-se plenamente na Vinda de Cristo, devemos crer que ela já começa a cumprir-se hoje. Afinal, o mesmo João diz: “Qual ele é, somos nós também neste mundo” (4:17b).

A imagem aponta para as obras, para a Justiça. A semelhança fala da essência. A justiça divina diz respeito à maneira como Deus age. Porém, quando falamos da essência, estamos nos referindo àquilo que Deus é. E qual é a melhor definição que já se fez de Deus? O mesmo apóstolo é quem nos dá essa definição: “DEUS È AMOR” (1 Jo.4:8b). Deus faz justiça, mas é amor. “Quem está em amor está em Deus, e Deus nele” (v.16b).

Ser cheio de Deus é, portanto, ser cheio do AMOR.

Mas não deveríamos ser cheios do Espírito Santo, conforme orienta Paulo em Efésios 5:18? Mas o que é ser cheio do Espírito, afinal? Paulo responde:
“...O amor de Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.” Romanos 5:5b
O amor é o primeiro gomo do fruto do Espírito (Gl.5:22). O cumprimento da lei é o amor (Rm.13:10b). Ou em outras palavras, o “enchimento”, o conteúdo da lei é o amor. Sem ele, pode até haver forma, mas não há conteúdo.

Todos apreciam a promessa que garante que aquele que crê no Senhor fará as mesmas obras que Ele, e as fará maiores ainda, porque Ele estará junto ao Pai para garanti-las (Jo.14:12). Mas se o cristianismo se restringisse a isso, ele não seria completo. Conforme diz Paulo, “ainda que eu tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria” (1 Co.13:2). O mais importante não é o que se faz, mas o que se é. Não adianta fazer, sem ser. Que façamos as mesmas obras que Ele! Mas que, além disso, haja em nós “o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus” (Fp.2:5). E que sentimento foi esse? O Amor.

Para que nos tornássemos novamente a imagem e semelhança de Deus, o amor fez com Cristo, “sendo em forma de Deus”, não tivesse por usurpação“ser igual a Deus, mas a si mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens. E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz” (vv.6-8). Eis aqui a única maneira para que sejamos “cheios” de toda a plenitude de Deus.

O caminho do pleromaé o kenoma. Cristo teve que experimentar um “esvaziamento” (grego=kenoma), para que pudéssemos ser cheios de Deus. Ele esvaziou-se de Suas prerrogativas divinas, mas não Se esvaziou do Seu amor. Ele foi capaz de Se fazer “servo” (lit.: escravo). Provavelmente, Paulo estava se referindo ao episódio narrado em João 13. Ali diz que “sabendo Jesus que a sua hora de passar deste mundo para o Pai já tinha chegado, como havia amado os seus, que estavam no mundo, AMOU-OS ATÉ O FIM” (v.1). Afinal, o amor jamais acaba (1 Co.13). Quem ama, ama até o fim. Diante do olhar curioso dos Seus discípulos, Jesus desnudou-Se, cobriu-Se com uma toalha, e começou a lavar os seus pés. Ninguém entendeu nada. Aquela era uma tarefa dada aos escravos. Eram eles que vinham com bacias cheias de água, para refrescar os pés dos visitantes da casa. Vendo que Pedro estava confuso com o que assistia, Jesus disse: “O que eu faço não sabes agora, mas o compreenderás depois” (v.7). Foi pela pena de Paulo, que Deus nos fez entender o que Jesus estava fazendo. Era necessário que Ele experimentasse uma kenósis completa. Ele tinha que descer ao mais baixo nível, humilhando-Se a Si mesmo, para que agora, movidos pelo mesmo amor, pudéssemos ser cheios da Plenitude de Deus. Foi o mesmo João que registrou essa cena que disse:
“Da sua plenitude todos nós recebemos graça sobre graça. Pois a lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo.” João 1:16-17
Agora temos mais do que a forma da Lei, temos o conteúdo da Graça: o amor. Através de Sua oferta de amor, tornamo-nos perfeitos, alcançamos a justiça exigida pela Lei (Hb.10:14). Porém, a Sua cruz fez mais do que nos conferir a perfeição exigida na Lei.“Pois o amor de Cristo nos constrange”, diz Paulo, “julgando nós isto: um morreu por todos, logo todos morreram. E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por eles morreu e ressurgiu” (2 co.5:14-15).

Agora não temos apenas uma razão para obedecermos a Deus, mas também uma motivação. A razão é a justiça divina, a motivação é o Seu amor. Somos constrangidos por esse tão grande amor. Somos batizados nesse amor. Fomos invadidos e tomados por esse amor. Precisamos experimentar essa Kenósis (esvaziar), se quisermos experimentar o Pleroma de Deus. Temos que nos esvaziar de nós mesmos, para sermos tomados por Deus.

Decifrando os mistérios da Bíblia

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Por Hermes C. Fernandes

“Agora vemos em espelho, de maneira obscura; então veremos face a face. Agora conheço em parte então conhecerei como também sou conhecido” (1 Coríntios 13:12).

Naquela época, os espelhos não eram tão polidos quanto hoje. A imagem refletida no metal era distorcida pela sua superfície irregular. Por isso, era necessário que se buscasse uma posição de onde se pudesse ver com mais precisão.

As Escrituras Sagradas nos servem como espelho através do qual podemos ter um vislumbre de Deus.

O que podemos
ver num espelho? Qualquer coisa para o qual ele esteja voltado. Assim é com as Escrituras. Ao lê-las, podemos enxergar através delas nossas próprias deformidades. Suas páginas revelam a ambigüidade da natureza humana, capaz de proezas e crueldades, virtudes e vícios.

A Bíblia não esconde nem maquia as vicissitudes de seus heróis. O mesmo Davi que derrota Golias, se rende ao encanto da mulher alheia, e acaba cometendo adultério seguido de homicídio. O mesmo Abraão que se dispõe a oferecer o próprio filho em sacrifício a Deus, omite do rei do Egito a informação de que Sara era sua esposa. Podemos nos ver em cada personagem bíblico. Cada situação que enfrentamos em nosso cotidiano encontra paralelo em suas histórias.

Por isso, Tiago nos exorta:

“Se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante ao homem que contempla no espelho o seu rosto natural e, depois de se contemplar a si mesmo, vai-se e logo se esquece de como era” (Tg.1:23-24).

Portanto, ler a Bíblia é encontrar-se consigo mesmo. É enxergar sua silhueta emergindo de suas páginas.

Mas quando posicionamos o mesmo espelho na direção de Cristo, vemos Sua glória nele revelada. É como posicionar um espelho na direção do sol. Toda a glória do astro rei pode ser refletida num caco de vidro.

Pedra de Roseta
A melhor maneira de se ler o texto sagrado é mantendo os olhos em Jesus. Ele é a nossa Pedra de Roseta*, a chave interpretativa das Escrituras. Tudo aponta para Ele. Desde os sacrifícios exigidos pela Lei, passando pelas festas instituídas por Deus, aos acontecimentos épicos narrados no Antigo Testamento, tudo tem o objetivo de nos revelar a figura central das Escrituras: JESUS CRISTO. Portanto, deve-se ler a Bíblia a partir de Jesus.

Não são as Escrituras que são perfeitas, mas a imagem que elas se propõem refletir. Se fizermos uma leitura crítica, poderemos encontrar dados não tão precisos, como por exemplo, onde o morcego é classificado como ave. Mas se nos posicionarmos corretamente diante deste espelho, poderemos ver claramente a perfeição d’Aquele que a inspirou, ao mesmo tempo em que perceberemos nossas debilidades.

Não há como isolar uma imagem num espelho, apagando o seu background. Quando fitamos nele, vemos também o pano de fundo, o ambiente à nossa volta. Da mesma forma, ao lermos uma passagem escriturística, devemos considerar seu contexto histórico. Não basta ler suas linhas; temos que investigar suas entrelinhas. Não é em vão que Jesus nos orienta a investigá-las. Uma leitura superficial é incapaz de revelar-nos o Deus que Se oculta nas entrelinhas.

Se cremos numa revelação progressiva como acreditavam os reformadores, temos que supor que esse espelho vai ficando cada vez mais polido, até encontrar seu auge nas páginas neo-testamentárias. O que antes era obscuro, agora está mais límpido e claro. As sombras, os ritos e os tipos do Antigo Testamento cedem lugar à realidade revelada pela luz de Cristo Jesus (Cl.2:17; Jo.1:17).

Não váàs Escrituras como quem vai a uma cartomante, ou quem consulta ao horóscopo. Abri-la aleatoriamente não nos trará qualquer benefício. Também não vá em busca de dados científicos precisos. Abra suas páginas em busca de Cristo, e você o encontrará. "São elas que testificam de mim", garantiu Jesus.

* A Pedra de Roseta (foto acima) é um bloco de granito negro encontrado no Egito em 1799 por soldados do exército de Napolão Bonaparte. A sua importância se deve ao fato de que, à época de seu estudo, no século XIX, proporcionou aos investigadores um mesmo texto escrito em hieróglifos (escrita egípcia antiga), em egípcio demótico e em grego clássico. Como o grego era uma língua então bem conhecida, a pedra serviu como chave para decifração dos hieróglifos egípcios, que por séculos se mantiveram como uma incógnita. Por causa desta importante achado, milhares de textos egípcios puderam ser interpretados, decifrando a história desconhecida do antigo Egito, e muitas vezes comprovando a acuridade dos textos bíblicos.

Mente que nem sente!

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lingua do inferno























Por Hermes C. Fernandes

Assim como a Verdade é o Filho de Deus, a Mentira é a filha do Diabo (Jo.8:44), e como tal, é a cara do pai.

É mais fácil conviver com pessoas que tenham qualquer outra deficiência de caráter do que conviver com o mentiroso. Ninguém é mais perigoso que ele. E o pior que aos poucos ele vai se aprimorando na arte de mentir, até tornar-se num mentiroso compulsivo e contumaz, capaz de enganar a si mesmo e a todos ao seu redor.

Quando exposto à luz, fica logo nervoso, perde a linha, porque não suporta a verdade. Quer tirá-lo da linha, chame-o de mentiroso. Está mais preocupado com a sua imagem, a fim de manter a credibilidade e continuar enganando.

Nem todos os mentirosos mentem descaradamente. Alguns são mais sofisticados, e preferem usar meias-verdades, ou dissimulações. Sempre que usam tais artifícios, é para salvaguardar sua imagem ou levar alguma vantagem.

Todo mentiroso tem seus cúmplices. E o que ele não percebe é que eles são os primeiros a questionarem sua integridade quando suas mentiras lhes atingirem de alguma maneira. Por exemplo: o pai que mente a idade do filho para pagar meia-entrada no cinema. O dia que resolver menti para o filho, este será o primeiro a contestá-lo. Se sua esposa lhe ajuda a mentir, ela será a primeira não acreditar em você.

Mas há os que mentem juntos até a morte. Vivem um casamento de mentira, um ministério de mentirinha, um embuste. O livro de Atos dos Apóstolos nos revela a história de um casal de mentirosos, Ananias e Safira. Um dava cobertura ao outro. Infelizmente, não se arrependeram de seu engodo e acabaram fulminados.

A vida do mentiroso não é fácil, pois cada mentira equivale a um remendo numa roupa velha. Quando o rasgo é exposto, tem que fazer um remendo maior para cobrir o anterior. E assim, ele vai vivendo, de mentira em mentira, até o dia do grande rombo, quando tudo vem à tona.

Deus detesta tais expedientes. Entre as coisas abomináveis aos Seus olhos está a “língua mentirosa”, juntamente com “o que semeia contendas entre irmãos” (Pv.6:17-19). Por isso se diz que o que usa de engano não ficará em Sua casa (Sl.101:7).

O mentiroso não consegue manter amizades por muito tempo. Seus amigos são sempre substituídos por novos, porque os relacionamentos sofrem desgastes por causa de suas mentiras. Mesmo familiares preferem manter certa distância. Não suportam vê-lo se gabar daquilo que não possui.

Sem dúvida, o maior mentiroso é aquele que consegue enganar a si mesmo. Paulo nos garante que “os homens maus e enganadores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados” (2 Tm.3:13). Suas mentiras lhe soam como verdades. É o mentiroso sincero, mas não inocente aos olhos de Deus. Paulo admoesta: “Ninguém se engane a si mesmo” (1 Co.3:18). Tal exortação é um eco das encontradas ao longo das Escrituras, como a que denuncia àqueles que “se deixaram enganar por suas próprias mentiras” (Amós 2:4). Para chegar a este ponto, a pessoa teve que passar por treinamento intenso, enganando a outros. Enganar a si mesmo é a última fronteira atravessada pelo mentiroso. Uma espécie de pós-graduação em mentirologia.

Mas como tudo o que semeamos, um dia colhemos, chega a um ponto em que o mentiroso é vítima de sua própria astúcia. Um dia ele acaba se entregando sem querer. É só prestar bastante atenção em seu discurso, para perceber sua incoerência.

Não se deixe conduzir por quem usa de engano. Você cairá no mesmo abismo que ele. “Oh! povo meu! os que te guiam te enganam, e destroem o caminho das tuas veredas” (Is.3:12b).

Se você ama a um mentiroso, trate de confrontá-lo para que se arrependa e não minta mais. Não tape o sol com a peneira. Não tente fingir que acredita em suas dissoluções. Enfrente-o! Seja ele seu cônjuge, seu filho, seu pastor, seu amigo, seu chefe.

Cuidado! Um dia você poderá ser vítima de sua peçonha. Se ele não poupou alguém que dizia amar, não poupará você quando se vir ameaçado.

Cuidado com o que você diz perto dele. Tudo poderá ser usado contra você de maneira distorcida. Afinal de contas, ele sabe jogar com as palavras, sabe dissimular, transformar verdades em mentiras e vice-versa. O que foi dito em forma de brincadeira, será contado como se fosse dito de maneira séria. Comentários em off, serão lançados contra o ventilador para tentar sujar sua reputação. O que ele quer é que você fique mal na fita, enquanto sua própria imagem seja realçado, como se fosse um herói. Até palavras que ele mesmo disse, serão atribuídas a você… Portanto, cuidado! Peça que Deus ponha um guarda à porta de sua boca (Sl.141:3). Lembre-se que “o hipócrita com a boca danifica o seu próximo” (Pv.11:9).

Alguns perderam totalmente o temor de Deus, sendo capazes até de jurar por Ele para dar peso às suas mentiras (Sl.24:4). Sua consciência está cauterizada. Por isso se diz que tais pessoas “mentem que nem sentem”. Em vez de mentiras localizadas, suas vidas foram tomadas de mentiras generalizadas, como um câncer que se nega a retroceder.

E antes de difundir algo, procure ouvir as partes envolvidas para que você não corra o risco de ser injusto e cúmplice de uma mentira. Adotar a mentira dos outros é como adotar um filho do diabo, pois afinal, ele é o pai da mentira.

Como será viver em novos céus e nova terra

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Por Hermes C. Fernandes

Nada tem despertado mais a imaginação dos cristãos ao longo da história do que a promessa de novos céus e nova terra. Como será viver lá? Que ocupação teremos?

Pelas descrições de alguns, a impressão que se tem é que a vida lá seria um tédio. Imagine passar a eternidade tocando harpas, saltando de nuvem em nuvem... Ou gastar o tempo declarando incessantemente “santo, santo, santo é o Senhor!” Talvez por isso, alguns descrentes afirmem que o inferno pareça bem mais divertido, pelo menos, a julgar por aqueles que temos enviado para lá em comparação aos que acreditamos estarem no céu. Brincadeiras à parte, o que as Escrituras realmente dizem sobre “novos céus e nova terra”? Será que coincide com que temos ouvidos dos púlpitos?

A primeira vez que o tema aparece nas Escrituras é em Isaías 65. Mas devo adiantar que as promessas contidas nesta passagem são surpreendentes e detonam muitas das crendices que têm sido alimentadas ao longo do tempo.

Nos versos 17 e 18 lemos:

 “Vede, eu crio novos céus e nova terra. Não haverá lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão. Mas vós folgareis e exultareis perpetuamente no que eu crio, pois crio para Jerusalém alegria, e para o seu povo gozo.”

Repare que o verbo usado está no presente e não no futuro. Ele não diz que criará, mas que cria, ficando subentendido que se trata de uma obra que já está em andamento. Uma espécie de gestação. E de fato, os novos céus e a nova terra são frutos de uma gestação que começou no momento em que terra e céu contraíram núpcias em Cristo na Cruz. Paulo se refere a este fato como “o mistério da sua vontade” em que Deus fez convergir em Cristo todas as coisas, “tanto as que estão nos céus como as que estão na terra”(Ef.1:9-10). É desta união entre céu e terra que surge a nova criação. A cruz foi o lugar de encontro. O abismo que os separava foi transposto. Por isso, na visão narrada por João em Apocalipse, nesta nova criação “o mar já não existe” (Ap.21:1). Na simbologia bíblica, “mar” representa separação.

Como já disse num ensaio anterior, o termo “céu” representa o aspecto subjetivo da realidade, ou mais precisamente a consciência. Enquanto “terra” aponta para o aspecto objetivo da realidade, isto é, aquilo que é palpável, concreto, a criação como um todo. Portanto, “novos céus” são novos níveis de consciência alcançados pela humanidade através da atuação direta do Espírito Santo (Falo mais sobre isso aqui)

Observe que fala-se de “novos céus” no plural, enquanto “nova terra” no singular. Podemos inferir daí que haverá níveis diferentes de consciência. Daí se dizer que o Espírito nos conduz de “glória em glória”(2 Co.3:18). A cada nova glória, uma compreensão mais abrangente e profunda dos propósitos divinos e de nosso lugar no universo.

Retornando a Isaías 65, lemos que nesta nova criação não haveria lembrança das coisas passadas. Longe de sugerir uma espécie de amnésia, o que o texto parece indicar é que não seremos prisioneiros da nostalgia. Sem nossa memória, não seríamos nós mesmos. Nossas ações de graça não teriam qualquer valor. Imagine agradecer a Deus pelo que não lembramos. Não faria qualquer sentido. Apesar de termos nossa memória intacta, não sentiremos saudade do que passou.

Apocalipse 21 traz vários paralelos com Isaías 65 em sua descrição desta surpreendente realidade. No verso 4, lemos que “e Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.”

A maioria dos cristãos contemporâneos faz uma leitura futurista das profecias contidas em Apocalipse. Porém, devemos nos lembrar que antes que Jesus começasse a descortinar tais coisas aos olhos de João, Ele o instruiu: “Escreve, pois, as coisas que tens visto, e as que são, e as que depois destas hão de suceder” (Ap.1:19). Portanto, o livro mais temido da Bíblia contém profecias que já haviam se cumprido, que estavam se cumprindo naquele momento, e que se cumpririam logo após. Creio piamente que a profecia relativa aos novos céus e à nova terra já estão em pleno andamento. Basta ler os versos 5 e 6 do capítulo 21 para se dar conta disso:

“E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis. E disse-me mais: Está cumprido.” Apocalipse 21:5-6a

Ele não disse que aquilo se cumpriria num futuro longínquo, e sim que está cumprido. Da mesma maneira que Ele disse através de Isaías “eu crio novos céus e nova terra” e não “eu criarei...”, em Apocalipse Ele declara “Eis que faço novas todas as coisas” e não “Eis que farei...” O que combina perfeitamente com a declaração de Paulo:“Se alguém está em Cristo, nova criação é: as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2 Coríntios 5:17).

Portanto, Ele já tem limpado dos nossos olhos toda lágrima e a morte foi abolida. Alguém poderá objetar: Mas não é isso que temos visto. Ainda choramos e morremos. Todavia, a tristeza que nos atinge não é mais a tristeza segundo o mundo, capaz de nos empurrar para o abismo, mas a tristeza segundo Deus que nos conduz à salvação (2 Co. 7:10). Trata-se daquela tristeza a que Jesus Se refere em João 16:20-22 e que estaria destinada a converter-se em alegria perene. Esta tristeza é, por assim dizer, a própria semente da alegria. Repare que o texto não diz que as lágrimas deixariam de ser vertidas, e sim que seriam limpas, isto é, enxugadas. Para isso, Ele nos derramou o Seu Espírito Consolador. As lágrimas até podem rolar, mas são aparadas pelas mãos d’Aquele que nos ama e consola. Por isso que Paulo diz que apesar de “entristecidos, estamos sempre alegres”(2 Co. 6:10). Ele cria alegria para o Seu povo! E isso, através de uma consciência apaziguada e convencida de que todas as coisas cooperam para o bem dos Seus amados. Afinal, o reino de Deus é, entre outras coisas, alegria (Rm.14:17)!

E quanto à morte? Teria sido banida? Para os que creem, a resposta é SIM. Paulo nos informa em sua segunda epístola a Timóteo, que Cristo Jesus “destruiu a morte, e trouxe à luz a vida e a imortalidade pelo evangelho” (2 Tm.1:10). João ecoa esta mesma verdade ao afirmar que “sabemos que já passamos da morte para a vida” (1 Jo.3:14). E o próprio Jesus afirmou que se alguém guardar a Sua Palavra, “jamais verá a morte” (Jo.8:51).

O que chamamos erroneamente de morte, na verdade não passa de uma passagem do cronos para o kairós, do tempo linear para a eternidade. Deixamos este corpo mortal para receber imediatamente um corpo incorruptível, sem intervalo, sem estado intermediário (Falo mais sobre isso aqui).

Voltando para Isaías 65, deparamo-nos com as mais fascinantes promessas acerca desta nova realidade vislumbrada em Cristo. Lemos nos versos 19-20 que “não haverá mais nela criança que viva poucos dias, nem velho que não cumpra os seus dias; aquele que morrer com cem anos, será tido por jovem; o pecador que não conseguir alcançar cem anos será considerado amaldiçoado.”

Quanta informação importante aí, não? Todas elas revelam que os novos céus e a nova terra não devem ser confundidos com a eternidade, mas que é uma realidade que se processa e se concretiza dentro da História e não para além dela. Se não, vejamos: na eternidade não haverá natalidade, enquanto que nos novos céus e a nova terra ainda haverá crianças.A diferença é que o índice de mortalidade infantil será zerada. É nesta direção que estamos caminhando. A cada dia, este índice vai caindo. Perceba também que haverá diferentes faixas etárias, incluindo idosos. De acordo com pesquisas recentes, em breve a expectativa de vida vai ultrapassar os cem anos. Atualmente, gira em torno dos oitenta. No início do século passado era de trinta e oito anos, a mesma do tempo em que Jesus caminhou entre nós. 

Nestes “novos céus e nova terra” ainda haverá morte. Porém, ela não será vista como um bicho papão, mas como um inimigo vencido. A morte biológica continuará até que Cristo venha em glória e nos revista de corpos incorruptíveis.

E ainda: nesta nova configuração da realidade ainda haveria pecadores. Enquanto não recebermos nossos novos corpos, o pecado nos importunará. Estamos livres do seu poder, da sua condenação, mas ainda não nos tornamos livres de sua presença.

O texto também afirma que os habitantes desses novos céus e nova terra, “edificarão casas, e nelas habitarão; plantarão vinhas, e comerão o seu fruto. Não edificarão para que outros nelas habitem, nem plantarão para que outros comam. Pois os dias do meu povo serão como os dias da árvore, e os meus eleitos gozarão das obras das suas mãos até a sua velhice”(vv.21-22).

Então, esqueça aquela estória de que ficaremos tocando harpinha e cantando sem parar num coral regido pelo arcanjo Miguel. Casas serão edificadas. Pomares serão cultivados. Portanto, haverá atividades profissionais e econômicas. O que não haverá mais é exploração. Ninguém vai se enriquecer à custa do trabalho alheio. É nesta direção que caminhamos. Em vez de o capital, o que será valorizado é o trabalho. Em vez de o patrimônio, o que será valorizado é o ser humano.

Haverá trabalho, mas não escravidão. Por isso, lemos que ninguém vai trabalhar debalde, isto é, além do necessário, “nem terão filhos para a calamidade, pois serão um povo bendito do Senhor, eles e os seus descendentes com eles. Antes que clamem, responderei; estando eles ainda falando, os ouvirei” (vv.23-24). Fica subentendido que além de trabalho, haverá tempo para o laser. Pais e filhos brincarão juntos. A provisão de Deus os alcançará em todo o tempo. A propósito, se haverá filhos, também haverá relação sexual. Ou haveria outra maneira de procriar?

E agora, a mais surpreendente das promessas:

 “O lobo e o cordeiro se apascentarão juntos, e o leão comerá palha como o boi, mas o pó será a comida da serpente. Não farão mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o Senhor.” Isaías 65:25

Além de família, trabalho, lazer, também haverá diversidade. Não haverá animosidade entre os que pensam diferentemente. O que antes nos soava ameaçador, agora será visto como inofensivo. A paz terá sido estabelecida entre os homens. Todos se acolherão mutuamente, sem se importar com as diferentes opiniões acerca de questões secundárias. Quando a comunhão plena não for possível, ao menos, se esforçarão para que haja coexistência pacífica e respeitosa. Ninguém vai mudar por imposição de outrem. Se o leão se comportar como um boi, tal mudança será fruto de uma conscientização e não de uma imposição. E o que não for passível de mudança, não será visto como insulto. Deixem que a serpente siga seu caminho, cumprindo a sentença que lhe foi lavrada desde o Éden. Não esperem que ela mude sua dieta só para agradar a maioria. O que tiver que ser transformado, transformado será. O que tiver que permanecer como está, como está permanecerá. 

A palavra-chave para o que ocorre a partir da concepção dos novos céus e da nova terra é reconciliação. Assim como o céu foi reconciliado com a terra, o subjetivo com o objetivo, o visível com o invisível, Deus com os homens, assim também, todos os seres, de todas as dimensões existentes, estarão reconciliados sob os auspícios da cruz. Nas palavras de Paulo, o apóstolo, “aprouve a Deus que nele (em Cristo) habitasse toda a plenitude, e que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra como as que estão nos céus”(Col.1:19-20).

Resumindo: na Cruz, céu e terra se uniram para dar início à gestação de “novos céus e nova terra”. Em breve, Cristo, o Supremo Obstetra virá para fazer o parto. O que hoje já é real, porém, oculto aos nossos sentidos, finalmente se manifestará, de modo que todo olho verá. Para os que estão em Cristo, que aprenderam a viver por fé e não por vista, esta realidade já é presente. As promessas feitas em Isaías 65 vão se cumprindo paulatinamente, na medida em que avançamos de glória em glória, de modo que se cumpra o que diz Provérbios: “A vereda dos justos é como a luz da aurora que vai brilhando cada vez mais até ser dia perfeito” (Pv. 4:18).

Enquanto não chega o Dia Perfeito, o dia do parto, devemos cuidar da criação como quem cuida de uma gestante. Tanto a terra está grávida de uma nova terra, quanto a igreja formada por aqueles cuja consciência foi transformada está grávida de uma nova humanidade (Leia mais sobre isso aqui).

TOP SECRET: Onde foi parar o Corpo de Cristo?

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Por Hermes C. Fernandes

Hoje é dia de Corpus Christi. Feriado nacional. Apesar de termos um estado laico, o país celebra um dos mais importantes feriados do calendário cristão (pelo menos para os católicos). Diferente de tantos outros feriados dedicados a acontecimentos importantes como o Natal ou a Páscoa, ou a pessoas consideradas santas, o dia de Corpus Christi é dedicado à Eucaristia. Sem querer entrar no mérito religioso, quero aproveitar a oportunidade para refletir um pouco sobre o assunto. Refiro-me ao Corpo de Cristo e não propriamente à celebração eucarística. 

Deus Se fez carne e habitou entre nós. Esta é a verdade que se pretende celebrar neste feriado. O Deus transcendente Se fez imanente. O Deus invisível ficou ao alcance das mãos. Em Cristo, Deus agora tem um corpo tangível, dotado de olhos, boca, ouvidos,  pulmões, rins, fígado e coração. Ele tornou-Se um de nós. Respirou nosso ar. Comeu nossa comida. Bebeu nossa água. Banhou-Se em nossos rios. Sofreu nossas dores. Sorriu. Chorou. Dormiu. Sonhou. Isso não é espantoso?

Mesmo depois de ressurreto, Seu corpo manteve as propriedades físicas, o que pode ser comprovado no episódio em que se deixou tocar pelos discípulos, dizendo-lhes:

“Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho. Lucas 24:39

Portanto, não era uma aparição fantasmagórica, nem uma visão. Era Jesus em carne e osso. Ainda que Seu corpo fosse capaz de atravessar paredes, conservava até as cicatrizes dos cravos que lhe perfuraram as mãos e os pés (Jo.20:26-27). E não só isso: Seu corpo continuou processando alimentos, como sugerido na passagem em que se encontrou com dois discípulos no caminho de Emáus e quando se encontrou com os demais à beira da praia (Lc.24:30; Jo.21:12-13).

Quarenta dias se passaram desde que ressurgira, quando diante do olhar atento de Seus discípulos, Jesus ascendeu ao céu.

Onde estaria Seu corpo agora? A resposta comumente ouvida é: no céu. Estamos tão acostumados a ouvir isso que nem sequer paramos para pensar no que isso poderia significar. Como um corpo físico poderia estar no céu? Ora, se o céu é uma realidade espiritual e não uma localização geográfica, não seria, no mínimo, estranho afirmar isso? Como o tangível poderia habitar o intangível? Todavia, as Escrituras afirmam que “convém que o céu o contenha até o tempo da restauração de todas as coisas” (At.3:21). Portanto, por mais paradoxal que seja aos nossos sentidos, afirmamos que o corpo de Cristo adentrou o céu e lá permanecerá até o dia que Se manifestará novamente aos homens.

Não nos atreveríamos a dar um passo além desta compreensão se não nos deparássemos com outras passagens que redimensionam esta verdade e nos desafiam a perscrutá-la reverentemente. Uma destas passagens é a que Paulo afirma que Cristo “subiu muito acima de todos os céus, para encher todas as coisas”(Ef.4:10).

Logo, concluímos que Cristo não subiu ao céu apenas para esperar o momento de retornar a Terra. O propósito maior de Sua ascensão era “encher todas as coisas”, plenificá-las, preenchê-las. Portanto, ao subir ao céu, Seu corpo abarcou toda a realidade. Enquanto o céu O contém, Ele contem em Si mesmo a plenitude da existência. O universo inteiro está contido n’Ele. Ora, como isso é possível? Como a imensidão do cosmos poderia comportar num corpo finito? Antes de espantar-se com isso, considere qual seria mistério maior: o universo contido num corpo finito ou o Deus infinito habitando entre nós? Qual seria maior, Deus ou o cosmos? Se o Deus eterno pôde esvaziar-Se de tal maneira a acomodar-Se no ventre de uma mulher por nove meses, o que mais lhe seria impossível?  

De fato, Deus parece brincar com nossa noção de espaço e tempo. Um dos atributos de Seu reino é subverter a ordem espacial, de modo que o maior seja o menor e vice-versa, bem como a ordem temporal, de modo que o primeiro seja o último e vice-versa. Ele transita com a mesma mobilidade entre as galáxias e entre as partículas subatômicas. De Sua perspectiva, um átomo pode ser visto tão grande quanto uma estrela, ao passo que uma estrela pode ser vista tão diminuta quanto um átomo. Portanto, para Deus, tamanho não é documento!

Em outra passagem, somos informados de que em Cristoforam criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele.E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele.E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência.Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude nele habitasse,E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus” (Col.1:16-20). Repare nisso: não se trata apenas de afirmar que Ele é o Criador de todas as coisas. Ele também é o ambiente em que tudo foi criado. Ele encerra em Si mesmo tudo quanto existe. Ele é a causa e o propósito de tudo. Tudo provém d’Ele e para Ele retorna. Ao fazer-Se homem, Ele Se esvaziou. Porém, ao ser assunto ao céu, Ele retomou Sua glória original. O Pai agradou-Se de que n’Ele habitasse a plenitude, tanto da divindade, quanto da criação (Col.2:9). E aqui, uma vez mais, pergunto: o que é deveria nos maravilhar mais, o fato de Ele ser habitado por toda a criação ou pela plenitude da divindade? O que é maior, afinal, a criação como um todo ou o Criador? O mais espantoso é saber que ambos residem n'Ele ao mesmo tempo. N’Ele, Criador e criação Se reencontram e Se mesclam. Também n’Ele que todos os mundos convergem. Tudo quanto há no céu e na terra, nas múltiplas dimensões da realidade, em todas as esferas existenciais, encontram n’Ele o Seu ponto de convergência. O que antes havia sido divorciado por causa do pecado, agora foi reconciliado através de Seu sacrifício na cruz. Pode-se dizer que as hastes da cruz representem esta interseção entre o tempo e a eternidade, a terra e o céu, a criação e o Criador. 

Paulo se refere a isso como “o mistério da sua vontade”. Hoje chamaríamos de plano TOP SECRET. Deus propusera “tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tantos as que estão nos céus como as que estão na terra” (Ef.1:9-10).

“Convergir”, “congregar”, reunir em assembleia o que antes estava disperso. Trata-se, portanto, da instituição da igreja, identificada como Seu Corpo.

O que é a igreja, afinal? A reunião de tudo quanto fora criado por Ele e para Ele. Céu e terra, bem como tudo o que neles há, congregaram-se n’Ele e tornaram-Se o Seu Corpo. Daí o escritor de Hebreus afirmar que já temos chegado “à cidade do Deus vivo, à Jerusalém celestial, e aos muitos milhares de anjos, à universal assembleia e igreja dos primogênitos escritos nos céus” (Hb.12:22-23). O que seria a tal “universal assembleia” senão a congregação de todos os seres, animados e inanimados, provenientes de todos os mundos, eras e dimensões? Imagine uma congregação cósmica! Tal é a igreja de Cristo! Tal é o Seu Corpo Místico e Cósmico.

Deus Lhe sujeitou todas as coisas debaixo dos pés, e para ser cabeça sobre todas as coisas entregou-O à igreja, a qual é o seu corpo, o receptáculo daquele que enche todas as coisas (Ef.1:22-23). Portanto, a igreja não é apenas a reunião dos fiéis, dos que creem, mas a reunião de toda a criação. A criação como um todo se tornou no Corpo de Cristo.

À luz disso, a relação que devemos estabelecer com a criação é eucarística. A palavra grega “eucharistia”significa “ação de graça”. Paulo chama nossa atenção para o fato de que “toda a criação de Deus é boa, e não há nada que rejeitar, sendo recebido com ações de graça” (1 Tm.4:4). O pão e o vinho que tomamos na ceia representam a presença de Cristo em toda a criação. Com a mesma gratidão com que os ingerimos, devemos acolher cada dom que a natureza nos concede. E caso não haja em nós este discernimento, estaremos comendo para a nossa própria condenação.  Paulo adverte queo que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor” (1 Co.11:29). Discernir é compreender a presença d’Ele nos elementos, não apenas os consagrados para a ceia, mas os consagrados por Sua própria morte. Come dignamente aquele para os quais “todas as coisas são puras”, pois sua consciência foi purificada. Este acolhe os dons da natureza com os olhos iluminados e a consciência purificada (Tt.1:15). Tudo quanto faz é por fé. E a fé santifica a tudo. “Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Rm.14:23). E repare que neste texto em particular, Paulo não está tratando da ceia do Senhor, mas de comida de um modo geral. Entretanto, nota-se igual ênfase. O que nos condena não é o Senhor, mas nossa própria consciência contaminada pelo pecado. Nosso desafio é discernir o corpo de Cristo em tudo e, em especial, nos elementos componentes da Mesa do Senhor. 

Já havia nos dias da igreja primitiva os que defendiam que a salvação viria à custa da privação, do ascetismo. Paulo diz que tal ensinamento não passava de doutrina de demônios. Portanto”, alerta o apóstolo, “ninguém vos julgue pelo comer, ou pelo beber, ou por causa dos dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados, que são sombras das coisas futuras, mas o corpo é de Cristo” (Col.2:16-17). O que tudo isso tem a ver com o assunto “corpo de Cristo”? Absolutamente, tudo. Aquelas ordenanças eram anteriores à cruz, ressurreição e ascensão de Cristo, quando o abismo entre céu e terra permanecia. Daí a proibição de certos alimentos. A cruz alterou radicalmente a realidade. Por isso, na visão que Pedro teve em Jope, foi-lhe ordenado comer da carne de animais antes vetados pela Lei. Ao argumentar que jamais havia comido coisas imundas, Pedro ouviu: “Não chames tu imundo ao que Deus purificou” (At.11:9).

Todas as ordenanças eram sombra de coisas futuras. Porém, em Cristo, o futuro veio até nós. Não vivemos mais à sombra destas ordenanças. Vivemos inseridos no Corpo de Cristo, através do qual todas as coisas tiveram sua sacralidade original resgatada.

O ambiente no qual vivemos, existimos e nos movemos é o Corpo de Cristo e não mais o mundo. O que antes era secular, agora é sagrado. Estamos mortos para o mundo e vivos para Deus. Logo, conclui Paulo, se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como:Não toques, não proves, não manuseies?As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens (Col.2:20-22).

Uma vez dotados da consciência de que estamos ligados à cabeça, sentimo-nos parte de um corpo “provido e organizado pelas juntas e ligaduras”, onde tudo está conectado a tudo e todos compartilham de uma vocação comum. (Col.2:19). Nem todos têm esta consciência ainda. Porém, Cristo, através de Seu Espírito, está agora mesmo trabalhando para que todos cheguem ao conhecimento da verdade, e se sujeitem à boa, perfeita e agradável vontade de Deus. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1 Co.15:28).

Enquanto não chega este dia, meu trabalho é contagiar a todos à minha volta com esta consciência. A mesma alcançada por homens como Francisco de Assis, que dirigia-se ao sol e à lua, bem como a todos os seres animados ou não, chamando-os de irmãos. 


Em favor da família! Qual? A humana, pode ser?

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Por Hermes C. Fernandes

"A família é como a varíola: a gente tem quando criança e fica marcado para o resto da vida." Jean-Paul Sartre

Os paladinos da moral e dos bons costumes atacam mais uma vez. Segundo eles, é a família tradicional que está sob um acirrado ataque daqueles que almejam destruí-la, impondo à sociedade sua nefasta agenda, cujo objetivo principal seria a implantação de uma espécie de ditadura gay.

O que seria, então, uma família ideal? De onde buscaríamos um modelo perfeito? Certamente responderiam que na Bíblia. Então, saiamos em busca de um modelo ideal de família nas páginas sagradas.

Que tal a primeira família? Sim, aquela formada inicialmente por Adão e Eva. Lá estavam o pai, a mãe e os filhos. Família perfeita, não? Pena que o irmão mais velho resolveu matar o caçula.

Se avançarmos um pouco, nos depararemos com a família de Noé. Foi com ela que Deus teria dado o restart na raça humana após o catastrófico dilúvio. Lá também estavam a figura do pai, da mãe, acompanhados de três filhos e três noras. Perfeito, não? Como manda o figurino! Só não se esqueça de que um dos irmãos resolveu avacalhar o pai após flagrá-lo embriagado. É, minha gente...isso acontece nas melhores famílias. Resultado: acabou amaldiçoado! Abafa o caso.

E que tal a família de Abraão? Estamos falando do grande patriarca hebreu, comumente chamado pelos cristãos de “pai na fé”. O problema em seu núcleo familiar é que faltava prole. Portanto, a família não era completa. Pelo menos, não segundo os defensores da tal família tradicional. O velho Abraão, aconselhado por sua esposa igualmente idosa, resolveu ter um caso com a escrava egípcia. Resultado: um filho bastardo. Foi um bafafá.

E o que dizer de Jacó? Quatro mulheres. Doze filhos. Dez deles planejaram matar o então caçula José. Não me parece uma família que nos sirva de modelo, certo?

Vamos pular para Davi.  Homem segundo o coração de Deus. Além de suas puladas de cerca (que lhe renderam sérias dores de cabeça), teve o desprazer de amargar todo tipo de conflito entre seus filhos, desde incesto até assassinato. Seu próprio filho usurpou seu trono. 

Poderia citar outros exemplos, mas é melhor ficar por aqui, pelo menos, por enquanto.

A família é a primeira das instituições criadas por Deus. E como tal, foi criada para o bem do homem. Vale para a família o mesmo princípio que Jesus aplicou a outra instituição divina: o sábado. De acordo com o mestre galileu, “o sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado” (Mc.2:27). Semelhantemente, a família existe para oferecer ao homem certa segurança e não para tornar-se num peso extra.  Não se pode colocar qualquer que seja a instituição acima do valor da vida humana. Por isso, Jesus disse que mesmo no sábado deveríamos socorrer quem estivesse em apuros. Não foi à toa que a maioria das curas que realizou foi no sábado.

Interessante notar que sempre que vinha a Jerusalém, o lugar onde costumava se hospedar era na casa de três solteirões num vilarejo chamado Betânia. Lázaro, Marta e Maria eram irmãos. Nenhum deles havia se casado. Portanto, não constituíam uma família de modelo tradicional de acordo com o que tem sido apontado pelos defensores da moral cristã. Para um judeu daquela época, estar solteiro na vida adulta era considerado uma desonra. Às favas com as tradições! Era lá na casa deles que Jesus se sentia acolhido.

Mas o que mais intrigava os religiosos era que Jesus andava muito mal acompanhado. Eles o chamavam de “amigo de pecadores”. Prostitutas e proscritos sentavam-se para ouvi-lo. Ele jamais os recriminou. Chegou mesmo a dizer que eles precederiam os religiosos no reino dos céus.

Uma das poucas casas bem frequentadas em que ele entrou foi a de certo religioso que ficou escandalizado ao vê-lo sendo presenteado com um perfume das mãos de uma meretriz. O que para o religioso hipócrita era a profanação da santidade de seu lar, para Jesus era a mais solene manifestação de amor. Ouso dizer que Jesus jamais havia se sentido tão amado quanto foi por aquela prostituta.

Voltando à questão inicial deste post: o que deveria ser considerado uma família ideal? Minha resposta é: aquela formada por seres humanos que se amam e se respeitam mutuamente. O que legitima uma família não são a presença de um pai, uma mãe e seus filhos, e sim o sentimento puro que une seres humanos em vínculos perenes.

Se há amor, Deus está ali. Mas, se não há amor, nem mesmo laços consanguíneos garantem um ambiente acolhedor e saudável aos seus integrantes.

O ideal é que todo lar fosse constituído pelas figuras paterna, materna e sua prole. Porém, vivemos em um mundo de contingências. Crianças são abandonadas. Pais se separam. Núcleos familiares se dissolvem. Num mundo imperfeito, famílias imperfeitas podem ser o cenário onde vidas serão resgatadas e amadas.

Nunca houve, nem jamais haverá famílias perfeitas. Mas toda família, independentemente do modelo, deve ser perfeitamente capaz de amar e acolher os seus membros.

Infelizmente, muitas famílias tradicionais desprezam e abandonam seus filhos quando descobrem sua orientação sexual. Conheço o caso de um pastor que enviou seu filho para o exterior para que a igreja não descobrisse que ele era gay. Outro caso que se tornou notório nos Estados Unidos foi do filho de um pastor famoso que se suicidou depois que seu pai o excomungou publicamente.

A família deveria ser o lugar onde o indivíduo fosse aceito a despeito de sua orientação sexual ou de qualquer outra coisa. Pais de verdade jamais desistem de amar.

Confesso que me sensibilizo ao ver um homossexual que, mesmo tendo sido desprezado pela própria família, deseja dedicar seu amor e cuidado a uma criança órfão ou abandonada. Ele se propôs a dar o que jamais recebeu. Haveria algo mais louvável que isso? 

O receio que muitos têm é que uma criança criada por um homossexual acabará abraçando a mesma orientação sexual. Entretanto, praticamente todo homossexual que já conheci é oriundo de uma família tradicional.

A maioria dos abusos sexuais perpetrados contra infantes ocorre em lares tradicionais, alguns até religiosos.

Sinceramente, prefiro mil vezes ver uma criança acolhida por um casal homossexual a vê-la vivendo a relento, sem carinho, sem educação e privada de sua dignidade.

Nossa hipocrisia religiosa é tamanha que preferimos ver um homossexual vivendo promiscuamente com múltiplos parceiros a vê-lo constituindo uma família numa relação monogâmica. Enquanto os paladinos da moral sobem aos palanques das marchas para Jesus ostentando um terceiro ou quarto casamento, ou exibindo um casamento de fachada onde o lugar da amante está assegurado, gays lutam pelo direito de contraírem uma união estável. 

Já está mais do que na hora de deixarmos nossas trincheiras ideológicas e enxergarmos esta demanda social com amor.

Não será privando gays de seus direitos que conseguiremos atraí-los ao evangelho. Pelo contrário. Deveríamos defendê-los, ainda que seu estilo de vida desafie nossos escrúpulos religiosos. Acima de tudo, são seres humanos, criaturas do mesmo Deus a quem declaramos amar e servir.

Portanto, ame-os e deixe-os amar, acolha-os e deixo-os acolher.

Pecado é tudo aquilo que atenta contra a dignidade humana, insultando assim ao Criador. Homofobia é pecado. Preconceito, qualquer que seja, também o é. Ainda bem que “o amor cobre multidão de pecados” (1 Pedro 4:8) e que “a misericórdia triunfa sobre o juízo.” Todavia, "o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não teve misericórdia" (Tiago 2:13).

Marcha pra Jesus: A verdade nua e crua

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Minha sincera avaliação das marchas pra Jesus num debate radiofônico. Querem dizer em quem devemos votar (poder político), o que devemos assistir (poder cultural) e agora, até que perfume devemos usar (poder econômico). Desta marcha rumo ao precipício, estou fora! Viva a livre consciência! O debate aconteceu hoje cedo na Rádio Betel FM, sob a direção do Pr. Orcino Filho.
Posted by Hermes Carvalho Fernandes on Sexta, 5 de junho de 2015

Ofendido com a encenação da crucificação na Parada Gay?

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Por Hermes C. Fernandes

A encenação da crucificação de Jesus em plena parada gay causou muito mal-estar entre cristãos de diversas matizes. Uns consideraram blasfêmia, outros, apenas deboche, mas a maioria entendeu como uma provocação aberta aos cristãos. 
Particularmente, não me senti nem um pouco ofendido ao ver uma ativista gay pregada numa cruz. Afinal, Jesus não morreu somente por héteros. Na cruz, Ele Se identificou com os excluídos, os oprimidos, os marginalizados, e ao fazê-lo, assumiu em Si todos os nossos pecados e mazelas, sejam de que natureza forem, inclusive sexual. Não há dilema humano que não caiba na cruz. 
O que vi representado naquela cena foi o sofrimento de um segmento que tem sido vítima de nosso preconceito, nojo e ódio. O que deveria nos incomodar não é a cena em si, mas aquilo que ela pretende denunciar. E por mais doloroso que seja admitir, temos engrossado o coro de seus algozes. Nossos discursos inflamados, travestidos de piedade cristã, só fazem fomentar ainda mais a intolerância e o desamor.
O que para alguns pareceu um insulto, para mim soou como um pedido de socorro. Se a intenção era apenas provocar, eles conseguiram. Provocaram o que já estava latente em nós, nosso ódio inconfessável ou nossa compaixão.
Sobre a cabeça do ativista crucificado uma placa que dizia "Basta de homofobia". Se isso não for um pedido de socorro, não sei o que é. 
Próximo dali, um grupo de cristãos conscientes exibiam uma faixa que dizia "Jesus cura a homofobia". Nem tudo está perdido. No meio desta loucura que se instalou em nossos arraiais, ainda restam alguns oásis de lucidez e misericórdia. Pena que seja uma minoria. E tomara que se torne uma minoria bem barulhenta. 
A maioria está tão obcecada com a ideia de curá-los daquilo que reprovam como conduta, que não percebe o quão doente está. 
Obviamente que políticos evangélicos que têm sido eleitos em cima desta guerra idiota vão aproveitar ao máximo o episódio para se auto-promover. Quanto mais animosidade entre cristãos e gays, melhor para eles. Só não vê quem não quer. 
E Jesus, será que Se ofendeu? Ora, se Ele foi capaz de rogar perdão por aqueles que o crucificavam pra valer, duvido muito que não tenha relevado o que não passou de uma representação artística. Não creio num Jesus ranzinza, insensível e incapaz de compreender nossas idiossincrasias e incongruências. Creio que do alto céu, Ele olhou com misericórdia aquelas milhões de pessoas que desfilavam na Avenida Paulista como ovelhas que não têm pastor. 
Quem sabe encontrou mais sinceridade em cima daquele trio-elétrico do que em cima de outros que desfilaram dois dias antes. Assim como encontrou mais fé num centurião romano idólatra do que nos religiosos escrupulosos que o seguiam. Imagino o quão ofendidos ficaram ao ouvirem dos lábios de Jesus: Nunca encontrei tamanha fé, nem mesmo em Israel. Em nosso caso, talvez o que sobre de fé esteja faltando de amor. 
Que tal se em vez de ficar colocando lenha na fogueira de nossa nada santa inquisição, não alimentamos o que ainda nos restou da chama do amor?

***

P.S. Duas passagens bíblicas têm sido usadas para justificar a revolta de muitos cristãos devido à crucificação encenada na Parada Gay. Uma delas está em Hebreus 10:29: "De quanto maior castigo cuidais vós será julgado merecedor aquele que pisar o Filho de Deus, e tiver por profano o sangue da aliança com o qual foi santificado e ultrajar o Espírito da graça? Pois conhecemos aquele que disse: Minha é a vingança, eu retribuirei. E outra vez: O Senhor julgará o seu povo." Reparem que esta advertência é dirigida aos cristãos e não aos de fora. Está se falando de alguém que, uma vez santificado, insiste em profanar o sacrifício de Jesus e ultrajar o Espírito da graça. E sinceramente, é o que mais tenho visto por parte daqueles que destilam ódio em seu discurso pseudo-piedoso. Quem ultraja mais o "Espírito da Graça" senão aquele que se atreve a delimitar o perímetro de Sua atuação? Quem profana mais o sangue da aliança se não os que fazem do povo de Deus um meio de ganhar dinheiro e votos?  A outra passagem está em Gálatas 6:7: "Não vos enganeis. De Deus não se zomba. Tudo o que o homem semear, isso também ceifará." Basta uma conferida no contexto para verificar que Paulo está advertindo os que trocaram a graça pela lei, a misericórdia pelo juízo e que estavam justificando a si mesmos por suas obras. Ninguém tem zombado mais de Deus do que os cristãos. E não só isso: por nossa causa o caminho da verdade tem sido blasfemado pelos de fora (2 Pe.2:2). Eles têm como justo álibi uma suposta ignorância. Porém, nós não temos o direito de nos estribar em nossa nesciência.
Agora, cá entre nós... É impressão minha ou os gays se apropriaram "indevidamente" de uma mensagem que tem sido desprezada pelos cristãos? Ou alguém ouviu alguma menção à cruz de Cristo durante a Marcha pra Jesus?
A cruz segue sendo um escândalo. Talvez por isso já não é pregada como antes. Ela expõe as entranhas de nossa presunção, de nosso preconceito, de nossa vaidade, enquanto manifesta a glória de Sua escandalosa graça.

A propósito, não me sinto na obrigação de perdoar o que não considerei ofensa. E se este fosse o caso, meu perdão não se basearia no fato de "não saberem o que fazem". Pelo que tenho visto até aqui, eles sabem mais o que fazem do que muitos crentes sabem o que dizem. Mas se você, cristão, se sentiu ofendido, só lhe resta perdoar ou refletir sobre seu posicionamento. 

Só me resta agradecer à comunidade LGBT por nos fazer lembrar que ainda há uma cruz. 



Eu escolhi amar

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Por Hermes C. Fernandes

Na última sexta-feira (12/6) recebemos em nossa igreja uma equipe jornalística da Rede Globo de Televisão. Seu objetivo era o de fazer um documentário sobre intolerância religiosa. Tão logo fui contatado pelo diretor de jornalismo, topei o desafio de recebê-los. Segundo ele, o que teria chamado a atenção para a Reina era sua proposta de coexistência harmoniosa com qualquer religião ou segmento social.

Justamente num momento em que o País parece viver o limiar de uma guerra nada santa, protagonizada por grupos evangélicos extremistas, considerei que esta poderia ser uma oportunidade de ouro para mostrar o outro lado. Nem todos pautam seu discurso no ódio, no preconceito, num moralismo radical.

Sempre ouvi que em se tratando de TV, uma imagem fala mais do que mil palavras. Senti-me impulsionado a fazer algo que talvez pudesse despertar a consciência de muitos quanto à necessidade de se resgatar a mensagem central do evangelho: o amor.

O primeiro desafio seria lotar a igreja em plena sexta-feira às 8h30 da manhã. Para a surpresa de muitos, nosso povo atendeu ao nosso convite em cima da hora, lotando as dependências da Reina do Engenho Novo, bairro do subúrbio carioca.

Convidei algumas pessoas para que representassem segmentos sociais que têm sido vítimas de
intolerância, não apenas por parte das igrejas, mas também por parte da própria sociedade. Após algumas canções de louvor e a ministração de uma palavra (ambas registrados pelas câmeras da TV), pedi que essas pessoas subissem ao púlpito. Entre elas, alguém representando a comunidade LGTB, outra representando os cultos afros (ambas vestidas à caráter), uma portadora de necessidades especiais, um negro, uma Boliviana que foi explorada no país, um sociólogo que professava o ateísmo e uma bióloga representando a ciência. Pus-me de joelhos e com uma bacia cheia d’água, comecei a lavar e beijar seus pés, rogando que nos perdoassem por toda a discriminação sofrida. Na plateia, lágrimas. A presença de Deus era nítida entre nós. Era como se o abismo profundo que nos separava fosse finalmente transposto.

A cerimônia de lava-pés foi sucedida por uma entrevista com perguntas polêmicas sobre a postura que a igreja evangélica tem adotado para com aqueles segmentos.

Deixei a igreja com aquela sensação de missão cumprida. Antes, porém, postei as fotos registadas com o meu smartphone em meu perfil no facebook.

Ao chegar a casa, qual foi minha surpresa ao me deparar com a reação de muitos. Fui julgado, execrado, chamado de herege, liberal e outros adjetivos que prefiro não postar aqui. Ninguém se sentiu ofendido ao me ver ajoelhado aos pés de uma portadora de necessidades especiais, nem mesmo aos pés de um ateu (que converteu-se ao Senhor). Mas, ver-me de joelhos aos pés de uma “mãe-de-santo” e uma “transexual” parecia inadmissível. Houve quem dissesse que eu havia me ajoelhado diante de Satanás.

Fui bombardeado de perguntas do tipo: Você devolveria a gentileza e visitaria um terreiro de candomblé? Você participaria de uma cerimônia num centro de umbanda? Você aceitaria pregar numa igreja gay? Teria coragem de ir a uma Parada Gay?

Disseram até que lavar os pés daquela gente significava concordar e endossar suas crenças e valores. Segundo alguns, em vez de lavas os pés, eu deveria adverti-los quanto ao fato de estarem à caminho inferno caso não se convertam à fé cristã.

Devo confessar que tais reações me deixaram profundamente triste. É difícil acreditar que esses irmãos (sim, insisto em chamá-los desta maneira) estejam lendo a mesma Bíblia que eu.


A primeira cerimônia de lava-pés foi protagonizada por Jesus. O texto bíblico diz que antes da páscoa, “sabendo Jesus que já era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim.” Portanto, que o moveu a desnudar-se ante o olhar escandalizado dos discípulos e a lavar-lhes os pés feito um serviçal qualquer não foi outra coisa se não o amor. Um amor totalmente incondicional, isto é, que independia de qualquer coisa que fizessem ou deixassem de fazer. Lembremo-nos de que entre os discípulos estava Judas. Quando chegou a sua vez, ele teve a ousadia de levantar o calcanhar como se dissesse: Se é para lavar, lava direitinho. Mesmo assim, Jesus não deixou de lavar os seus pés. Ele o amou e o amou até o fim.

Como poderíamos pregar para quem não nos dispuséssemos a acolher? E como acolher a quem não amássemos? E como amar a quem não estivéssemos dispostos a servir?

Houve alguém que demonstrou estar escandalizado pelo simples fato de termos recebido tais pessoas em nossa igreja. Para o tal, elas nem sequer deveriam ser aceitas ali, quanto mais ter seus pés lavados.

Se alguém se escandaliza com tão pouco, imagine se vissem Jesus elogiando a fé de um centurião, devoto dos ídolos romanos, e ainda por cima, dizendo que jamais encontrara tamanha fé nem entre os crentes judeus. E se o flagrassem num papo descontraído com uma samaritana em plena luz do dia? E se presenciassem Sua brilhante defesa daquela mulher pega em adultério, impedindo que fosse sumariamente executada no pátio do templo? 

É tempo de construir pontes e não de escavar abismos. Não quero ver meu país dividido numa guerra estúpida, que de santa não tem nada. Gente, mais amor, menos rancor, por favor.Afinal, Deus nos confiou a palavra da reconciliação, não da condenação. O mesmo Espírito que agiu através de Martin Luther King nos Estados Unidos e de Mandela na África do Sul, impedindo que seus países se mantivessem divididos pela segregação, está persuadindo homens e mulheres a emprestar seus lábios para destilar Sua graça e amor. 

Infelizmente, há entre nós muitos que escolheram julgar, discriminar, odiar, mas ainda há tantos outros que, constrangidos pelo exemplo de Cristo, escolheram amar e amar até o fim. 

***

P.S. O documentário vai participar de um festival de cinema e em seguida será exibido na TV. Assim que soubermos a data e o horário, divulgaremos nas redes sociais e no blog. 

Intolerância Zero - Para que os perseguidos jamais passem a perseguir

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Por Hermes C. Fernandes

Estou profundamente indignado e envergonhado. Como alguém pode identificar-se como seguidor do maior pacifista que já existiu e ainda assim ser capaz de agredir um adepto de outro credo? Como um povo que um dia foi duramente perseguido, pode agora se prestar a perseguir a outros? Onde foi parar a principal mensagem de Jesus, o amor?

Uma criança de apenas 11 anos, que poderia ser minha filha, foi alvo da intolerância e agressão por parte de um grupo que ostentava bíblias e gritava frases como “Vocês vão para o inferno!” e “Está repreendido em nome de Jesus!” Se ficasse só na gritaria, ninguém sairia machucado. Mas um deles teve a infeliz ideia de arremessar uma pedra na direção do grupo de candomblecistas que acabara de deixar uma festa no centro que frequenta. A pedra ricocheteou ao bater num poste e acabou atingindo a cabeça da menina, que começou a sangrar. O crime ocorreu no bairro de Vila da Penha, subúrbio carioca.

Que Bíblia esses “irmãos” estão lendo? Ou melhor, o que eles estão ouvindo do púlpito da igreja onde frequentam?

Piores do que aqueles que lançaram a pedra são os que armaram suas almas, munindo-as de discursos odiosos travestidos de piedade religiosa.

Peço a Deus que poupe o Brasil de passar pelo mesmo que a Irlanda do Norte por três décadas seguidas. De um lado, católicos fervorosos, do outro, protestantes. Resultado: milhares de mortos. O mais famoso episódio desse conflito histórico aconteceu no dia 20 de janeiro de 1972, quando catorze manifestantes católicos morreram na cidade de Derry, num incidente que ficou conhecido como Domingo Sangrento (episódio que inspirou a canção “Sunday Bloody Sunday” do U2). Até o ano 2000, mais de 3.600 pessoas haviam sido mortas de ambos os lados.

Recuso-me a crer que nosso país tenha tal vocação. Sempre fomos um povo cordato, de convívio amistoso. Fatos como este, ainda que isolados, deveriam nos estarrecer. Mas, parece que estamos começando a nos acostumar. E o pior é quando sinalizamos com uma bandeira branca, pedindo que os religiosos aprendam a arte da coexistência respeitosa, somos acusados por irmãos da mesma fé de estarmos aderindo ao ecumenismo (o que para alguns setores da igreja protestante é a heresia das heresias).

Não precisamos concordar com os dogmas da religião alheia para respeitarmos os seus adeptos. Todas tem em comum o fato de buscarem sentido na existência. O próprio Paulo, o apóstolo dos gentios, disse que Deus permitiu que cada povo o buscasse como quem está tateando na escuridão. Respeitá-los não significa abrir mão do que cremos, nem relativizar o papel único de Cristo como Salvador dos homens. 

Cada cultura e tradição espiritual traz traços da graça comum. O Criador não nos deixou entregues à própria sorte, mas deu testemunho de Si mesmo e do Seu amor através de cada elemento da criação. Creio que não preciso citar as passagens bíblicas que comprovam isso.

Se insistirmos na intolerância, ela poderá nos custar a tão cara liberdade de culto que prezamos. Se não queremos ser importunados em nosso momento de culto, não queiramos calar os tambores dos terreiros, nem os sinos das catedrais.

Nosso papel como discípulos de Jesus não é atacar o credo alheio, mas amar incondicionalmente aos adeptos de qualquer expressão religiosa. Antes de pregar com palavras, a gente deve pregar com gestos. Como dizia Francisco de Assis, pregue em todo o tempo, e se precisar, use palavras. 

Antes de acusá-los de possessão demoníaca, deveríamos exorcizar os demônios do preconceito que assombram nossas próprias almas. Antes de acusá-los de idolatria, deveríamos nos livrar de nossos ídolos secretos, dentre os quais, nosso apego ao dinheiro. Antes de acusá-los de bruxaria, deveríamos abdicar da presunção de que podemos manipular a vontade de Deus a nosso favor através de ofertas e correntes.

Ora, se temos todos telhados de vidro, não seria melhor que fôssemos mais compassivos uns com os outros? O diálogo sempre funciona melhor do que o embate. Mãos estendidas costumam ser mais eficazes que dedos apontados.

Aproveito este post para lançar uma campanha: Intolerância Zero. Se você não quer ver uma “guerra santa” instalada em nosso país, ajude-nos a divulgar com as hashtags #intolerânciazero e a #euescolhiamar.

Também aproveito para, em nome dos cristãos conscientes, rogar o perdão da menina atingida pela pedra. Que o bálsamo do amor de Deus possa cicatrizar, não apenas a ferida aberta em sua cabeça, mas, sobretudo, a ferida que lhe abrimos na alma.

O lugar do excluído na Agenda de Deus

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Por Hermes C. Fernandes

Ninguém imaginava que aquele era o seu discurso de despedida. Quarenta dias após ter ressuscitado, Jesus se reunia pela última vez com o seus discípulos. Suas instruções finais foram para que não se ausentassem da cidade até que recebessem a capacitação dada pelo Espírito Santo para serem suas testemunhas. Tão logo se cumprisse tal promessa, eles deveriam começar seu ministério por Jerusalém, alcançando em seguida toda a região da Judeia, chegando, então, a Samaria, e, finalmente, aos confins da terra (At.1:8).

De Jerusalém até os confins da terra havia perímetros intermediários, etapas que não poderiam ser queimadas. Parecia sugerir que a lógica de Jesus partia de um perímetro menor para um mais amplo. Porém, a inclusão de Samaria rompia tal lógica. Imagine que Ele dissesse que nossa missão começaria no bairro, passando para a cidade, depois o estado, o país, e, por fim, o mundo inteiro. Ficaria bem mais razoável se Ele dissesse que a missão iniciada em Jerusalém deveria alcançar a Judeia, depois todo o território de Israel, em seguida, o império romano e, então, o restante do mundo. Por que incluir Samaria? O que haveria de especial lá?

Imagino que os discípulos tenham torcido o nariz ao ouvi-lo incluir os samaritanos  na agenda do seu reino. Por séculos, judeus e samaritanos cultivaram uma animosidade recíproca. Quais teriam sido os motivos que geraram tanta hostilidade?

Logo após a morte de Salomão, em cerca de 930 a.C., o reino de Israel se dividiu em dois: o reino do norte e o reino do sul. O reino do norte reunia a maioria das tribos (dez, ao todo) e manteve o nome “Israel”; porém, por haver perdido Jerusalém, que ficava ao sul, elegeu Samaria como sua nova capital. Já o reino do sul tinha seu território partilhado por duas tribos, a de Judá, de onde provinham os reis, e a de Benjamim, além da tribo de Levi, de onde provinham os sacerdotes, e que, por não ter direito às terras, dedicava-se inteiramente ao templo. Apesar de ter a minoria das tribos, tinha a vantagem de manter Jerusalém como capital, bem como o templo erigido em seu território. Devido a esta separação, os habitantes do reino do norte ficaram impossibilitados de cultuar a Deus no santuário em Jerusalém, e tiveram que eleger seu próprio lugar de adoração: o monte Gerizim, de onde Josué havia pronunciado a bênção sobre o povo de Israel. Por conta disso, desenvolveram uma religiosidade distinta. Em Samaria praticou-se bruxaria, adoração a deuses pagãos como Moloque, Baal, entre outros importados das culturas babilônica, cananeia e egípcia. Tudo isso fez com que o abismo entre eles aumentasse cada vez mais. Como se não bastasse o sincretismo que se intensificou quando foram levados cativos para a Assíria no ano 722 a.C., eles acabaram se mesclando com outros povos, tornando-se num povo mestiço (algo inadmissível para os judeus da época). Enquanto isso, os judeus, ao sul, mantiveram-se etnicamente puros e fiéis aos seus costumes. Para os judeus, os samaritanos eram apóstatas, mestiços, de caráter duvidoso, traidores do plano original de Deus, em suma, uma aberração, uma anomalia.

Nos tempos de Jesus, os samaritanos tinham suas próprias aldeias e cidades, sendo severamente hostilizados pelos judeus. Algumas atitudes extremadas começaram a ser tomadas pelos samaritanos no afã de afrontar seus desafetos. A gota d’água se deu quando Jesus tinha por volta de 19 anos. De acordo com Flavio Josefo, historiador judeu, um samaritano fanático invadiu o templo em Jerusalém com ossos humanos e os jogou no santo lugar, num tentativa de profaná-lo. Para se ter uma ideia da gravidade de tal atitude, era como se houvesse sido lançada uma bomba no santuário judeu. Algo bem mais grave do que uma transexual encenando a crucificação de Cristo na parada gay. O ódio gerado por esta atitude foi tão grande que, a partir daí, os rabinos pediam que cada judeu devoto, antes do pôr-do-sol, erguesse as mãos na direção de Samaria e amaldiçoasse os samaritanos em nome do Deus de Abraão. 

Por se sentirem excluídos, os samaritanos pagavam com a mesma moeda. O próprio Jesus, sendo judeu, sentiu na pele esta hostilidade.  Lucas nos relata um episódio em que Jesus manifestou o firme propósito de ir a Jerusalém, mas como a viagem era longa, decidiu pernoitar numa aldeia samaritana. Ele, então, enviou mensageiros para preparar-lhe hospedagem. Quando os samaritanos desconfiaram que Ele e seus discípulos estavam a caminho de Jerusalém, recusaram-se a recebê-los. Dois dos seus discípulos mais chegados, Tiago e João, vendo aquilo, compraram as dores de Jesus e deram-lhe uma inusitada sugestão: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?” (Lc.9:51-56).

Repare que eles não tiraram aquilo do nada. Havia um precedente histórico. Ninguém menos que o grande profeta Elias havia agido do mesmo jeito. Também é interessante notar que Elias foi profeta justamente no reino do norte. Portanto, aqueles discípulos achavam que deveriam tratá-los com o mesmo rigor com que Elias os tratara séculos antes. Na opinião deles, só mesmo fogo vindo do céu poderia liquidar de vez com aquela aberração étnica. Para sua surpresa, Jesus não apenas recusou-se a acatar sua sugestão, como também os repreendeu: “Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.”

Não queiramos comparar o modus operandi de Jesus com nenhum outro profeta que tenha existido. Se insistirmos nisso, retroalimentaremos o preconceito e o ódio cultivados  por séculos entre os mais diversos segmentos sociais.

Aquele episódio mostrou a Jesus o quão enfermos estavam seus discípulos. O preconceito, seja de que natureza for, nada mais é do que uma enfermidade da alma. Quem não se cura, acaba contagiando a outros. A partir daí, Jesus deflagrou uma discreta, porém, eficiente terapia medicamentosa que visava romper-lhes os seus grilhões.

A primeira dose do remédio foi-lhes ministrada através de uma parábola.

A oportunidade surgiu quando um certo doutor da lei, querendo dar uma saia justa em Jesus, perguntou-lhe: “Mestre, que farei para herdar a vida eterna?” Parecia uma pergunta sincera. Porém, Jesus sabia exatamente aonde ele queria chegar. Ele devolveu-lhe a pergunta: “Que está escrito na lei? Como lês?” Perceba que são duas perguntas distintas. A primeira tem caráter objetivo. Trata-se da letra fria da lei. O que está escrito, está escrito. Não há o que tirar, nem por. Mas, a segunda pergunta tem caráter subjetivo: Como lês?

Não basta saber o que as Escrituras dizem sobre este ou aquele assunto. Devemos nos perguntar “como” as temos lido.  Pode-se usar textos isolados da Bíblia para justificar qualquer coisa, desde estupro até genocídio. Tudo vai depender de como a lemos. Há quem a leia para justificar seus preconceitos, suas opiniões, sua ideologia. Experimente lê-la contra si mesmo em vez de contra o seu próximo. Deixemos que ela nos confronte antes mesmo de nos confortar. Leiamos a partir de Jesus e não de nossos pressupostos. 

A resposta dada pelo doutor da lei foi corretíssima. Ele citou de cor os dois principais mandamentos: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. O assunto estava encerrado. A resposta estava ali, na ponta da língua. Bastava que ele cumprisse os mandamentos. “Ele, porém, querendo justificar-se a si mesmo, disse a Jesus: E quem é o meu próximo?” (Lc.10:25-37). Em outras palavras, com quem eu realmente devo me importar? A quem tenho a obrigação de amar?
Jesus nunca foi dado a respostas prontas. Ele prefere recorrer a metáforas e parábolas. Assim, Ele fala primeiro à imaginação, depois à razão. 

Aproveitando a presença dos discípulos, Jesus começa a contar-lhes uma estorinha.

Descia um homem de Jerusalém para Jericó, e caiu nas mãos de ladrões que o despojaram, e espancando-o fugiram deixando-o quase morto. Por um acaso, descia pelo mesmo caminho certo sacerdote, que vendo-o naquelas condições, passou direto, sem se importar. Em seguida, vinha um levita (membro de uma das tribos do sul), que ao vê-lo, preferiu se distanciar. Nenhum dos dois se deu o trabalho de acudir o pobre coitado. Nem o profissional do altar, nem o membro da tradicional tribo do sul. Mas, de repente, surge um terceiro elemento. Ao introduzi-lo na história, toda a audiência arregalou os olhos. Um samaritano ia de viagem, e quando o viu, aproximou-se, compadeceu-se, prestou-lhe os primeiros socorros, colocou-o sobre sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, pagou adiantado sua hospedagem e ainda pediu que lhe dessem todo o cuidado necessário, porque quando voltasse de viagem acertaria com eles.

Aquela parábola era uma provocação. Desde quando um samaritano agiria dessa maneira, com mais amor e compaixão do que um sacerdote ou um levita puro-sangue?

Se aquele doutor da lei quisesse herdar a vida eterna, teria que tomar aquele pária como referência.

Os discípulos devem ter ficado com uma pulga atrás da orelha. Não fazia muito tempo eles foram praticamente expulsos de uma aldeia samaritana, e, agora, Jesus contava uma estória em que o herói era ninguém mesmo que um samaritano. Não teria sido melhor se ele fosse o ladrão da parábola?

Pouco tempo depois, Jesus lhes ministrou a segunda dose do remédio anti-preconceito. Mas, dessa feita, não seria uma parábola, mas um fato real, testemunhado por cada um deles.

Havia tantos trajetos que Jesus podia pegar para Jerusalém. Mas, propositadamente, Ele preferia pegar aquele que os fizesse passar por Samaria. Era como se Ele não houvesse aprendido ainda a lição. Numa dessas vezes, passando pelo meio de Samaria, “saíram-lhe ao encontro dez homens leprosos, os quais pararam de longe; e levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós. E ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes” (Lc.17:11-18).

Aqueles leprosos não se atreveram a se aproximar de Jesus porque a lei os impedia. Um passo além do permitido, eles deveriam ser apedrejados até a morte.  Jesus ordena que se apresentem aos sacerdotes. Enquanto caminhavam, a lepra desapareceu de seus corpos. De acordo com o preceito, somente os sacerdotes poderiam autorizá-los a voltar ao convívio social depois de constatar a sua cura. Mas no meio do caminho, um deles resolveu voltar, pois se lembrou de que, por ser samaritano, os sacerdotes não o receberiam no templo. Os outros nove prosseguiram, pois eram judeus. Estando todos leprosos, não havia distinção entre eles. Mas, uma vez curados, a distinção étnica veio à tona. Antes, eram todos leprosos. Agora, eram nove judeus e um samaritano. Enquanto os noves se dirigiam aos sacerdotes, aquele samaritano resolveu voltar a Jesus. A princípio, alguém poderia achar que ele estava desobedecendo a uma instrução clara dada por Jesus. Mas como ele poderia se dirigir aos sacerdotes sabendo que não seria recebido? Da mesma maneira, quantos adorariam ir a uma igreja, mas não vão porque sabem que serão rejeitados? Quantos 'sacerdotes' atuais se disporiam a acolher os diferentes, os excluídos, vítimas de nossos mais entranhados preconceitos? Algumas igrejas até se propõem a fazer trabalhos sociais e evangelísticos, visitando cadeias, cracolândias, bolsões de miséria, zonas de prostituição, mas não estão dispostas a receber em suas dependências elementos oriundos desses ambientes fétidos. Que procurem, então, uma igreja com o seu perfil! Daí surgirem igrejas dedicadas a certos segmentos geralmente abominados pelas demais. Triste constatação. 

Quando aquele ex-leproso (mas não ex-samaritano) chegou a Jesus, prostrou-se e o adorou em gratidão por sua cura. Ele não foi curado de sua condição de samaritano. Não há e nunca haverá ex-samaritanos. Mas ele foi curado de sua lepra. Assim como podemos ser curados de feridas abertas pelo preconceito.

Os nove obedeceram, mas não voltaram para agradecer. O samaritano desobedeceu porque não era possível ser recebido no templo, mas voltou para agradecer. Nem tudo se resume a obedecer ou desobedecer. A vida é mais complexa do que nosso fundamentalismo nos permite perceber. 

Continua em breve.

Minha relutante resposta aos críticos do lava-pés

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Após lavar os pés, também os beijamos reverentemente com pedido de perdão


Por Hermes C. Fernandes

Hoje faz uma semana em que me envolvi numa polêmica em torno da cerimônia de lava-pés que fizemos em nossa igreja com a presença de uma equipe de jornalismo da Rede Globo. Prometi a mim mesmo que não responderia aos artigos escritos recentemente para criticar meu gesto. Mas, deixei-me vencer pela insistência de alguns em postar tais matérias em minha página dia após dia como quem exige uma resposta. Apesar de relutante, lá vou eu. 

Agradeço ao Pr. Renato Vargens pelo tom respeito com que apresentou as razões de sua discordância. Agradeço ao Pr. Ciro Sanches Zibordi por haver omitido o meu nome, talvez para me poupar. E estendo meu agradecimento ao Pr. Wagner Lemos e a todos que se dedicaram a escrever suas críticas sinceras. Estou convencido de que sua intenção foi a melhor possível.

O que deixou muitos constrangidos foi o fato de havermos lavado os pés de pessoas que representavam segmentos da sociedade vítimas de todo tipo de preconceito e intolerância. Meus críticos foram unânimes em dizer que o lava-pés teria sido desnecessário, e que, bastaria apresentar-lhes o evangelho, ponto. Pergunto: Alguém já experimentou lançar sementes no asfalto? Ora, o coração de muitos oriundos dos segmentos ali representados está endurecido graças às sucessivas camadas de piche que alguns setores da igreja insistem em lançar. Refiro-me ao piche do preconceito, da discriminação, da demonização, da falta de respeito, do desamor. Um simples gesto pode remover este piche e preparar o solo para receber a semente.

Vejam o caso em que Jesus se oferece para se hospedar na casa de Zaqueu. Os religiosos da época ficaram furiosos. Como Ele poderia entrar na casa de um publicano? Mas foi justamente este gesto que desarmou o coração do cobrador de impostos. Sem que Jesus lhe dissesse uma única palavra sobre arrependimento, ele se abriu à boa nova e deu demonstração disso ao decidir devolver quadruplicadamente tudo o que havia extorquido de seus patrícios.

Não sei como chegaram à conclusão de que o evangelho não foi pregado naquela manhã. Meus críticos deveriam ter visto os olhos lacrimejados da multidão que acompanhava a cerimônia. Mesmo os jornalistas se mostraram emocionados. A presença de Deus era notória em nosso meio. A cerimônia foi precedida de louvores e de uma palavra abordando a mensagem central do evangelho: o amor.

Fui acusado de dar um sentido distinto e praticamente antibíblico ao lava-pés. Ora, desde quando o lava-pés recebeu o status de sacramento? A lição que Jesus intentou dar aos Seus discípulos era de humildade. Alguns objetarão: mas eram discípulos, não pagãos! Ok. Mas respondam-me com honestidade: qual seria maior, a distância entre Jesus e os Seus discípulos ou entre nós e os que consideramos pecadores? Se Deus feito homem pode descer a ponto de Se fazer o serviçal da casa, por que eu, um mero mortal, cheio de pecados, não poderia descer de meu pedestal episcopal para lavar os pés de gente como eu, tão dependente da graça como qualquer outro?

Mesmo tendo visto Jesus entrar na casa de alguém como Zaqueu e ter Se oferecido para ir à casa de um centurião pagão, Pedro não quis ir à casa de Cornélio pelo simples fato de ser um gentio. Um santo como ele não poderia ser flagrado na companhia daquela gentalha. Foi necessário que Deus lhe desse uma visão e lhe advertisse: "Não chame impuro ao que eu purifiquei" (At.11:9).

Ora, Cornélio ainda não havia ouvido o evangelho! Não havia se arrependido de seus pecados. Nem confessado a Cristo como Salvador. Contudo, Deus o declara purificado. Será que Pedro se recusaria a lavar-lhe os pés?

O fato é que cansei de ficar desentulhando poços já cavados, como fez Isaque por um tempo (Gn.26). Dá um trabalhão remover o entulho, aí vem alguém e o lança de volta para interditar o poço. Resolvi abrir novos poços. Não vou ficar em Roma discutindo com judeus (Leia At. 28), enquanto há um mundo de gentios à nossa espera. Já que os convidados para ceia estão tão ocupados para comparecer, saiamos em busca dos excluídos, oprimidos, marginalizados. Ninguém naquela época daria um banquete sem que antes lavasse os pés dos convidados (Lc.14:23). Há lugar para todos. Se quisermos alcançar os que estão vacinados contra o evangelho, teremos que romper com este discurso exclusivista, construindo pontes em vez de escavar abismos.

Querem perder tempo discutindo o sexo dos anjos ou um gesto simbólico, que percam. Enquanto isso, uma guerra nada santa parece prestes a eclodir.

Fui acusado de ecumenismo. Houve quem dissesse até que eu não deveria ter recebido pessoas daquelas em nossa igreja. Sugeriram que receber uma mãe-de-santo me colocava na obrigação de corresponder à visita e, ainda por cima, submeter-me a algum ritual religioso.

Parafraseando Paulo, como ouvirão se não forem convidados? E quer saber? Se me convidarem a ir a um centro espírita, irei com o maior prazer. O Jesus a quem sirvo foi capaz de descer ao inferno e pregar aos espíritos em prisão (1 Pe.3:19). Por que eu me recusaria a entrar num ambiente onde as pessoas se dispusessem a me receber amorosamente? Perguntaram-me em tom jocoso se eu pregaria numa “igreja gay”. Ora, ora... o que haveria lá, senão seres humanos carentes da mesma graça que nós? E digo mais; convidem-me para uma mesquita, e irei com prazer. Convidem-me para uma missa, e lá estarei. Alguns dos paladinos da ortodoxia andam frequentando ambientes nada recomendados, e não o fazem com o afã de anunciar o evangelho... Deveriam se envergonhar de frequentar alguns gabinetes em busca de favores, negociando os votos de seu rebanho...

Pouco antes de meu pai falecer, ele entrou num centro espírita vizinho à sua casa e saiu abraçando todo mundo. Todos ficaram pasmos. Que pastor era aquele que não os discriminava? Quando seu corpo foi removido de casa, aquela família veio para a calçada despedir-se dele com um caloroso aplauso. No domingo passado, quando fui buscar minha mãe para trazê-la para o culto, deparei-me com um dos donos daquela casa saindo com uma bíblia debaixo do braço. Catorze anos se passaram. Aqueles abraços frutificaram. Sem dedos à riste. Sem condenação. Sem intolerância. Hoje aquela família abraçou a fé cristã. E ainda que não houvesse se convertido, jamais deixaria de ser amada.

Por fim, alguns demostraram incômodo pelo fato de tal gesto ter sido feito ante a câmera da Rede Globo. Recorreram à passagem onde Jesus diz que o que mão direita fizesse, a esquerda não deveria saber. Para os meus críticos, tudo o que fiz foi em busca de fama, de notoriedade, de aplausos. Para os tais, agi politicamente correto para ser aceito e aclamado. Definitivamente, não conhecem o meu coração. A mesma passagem pinçada do Sermão da Montanha, também diz que a nossa luz deve resplandecer diante dos homens, para que vejam nossas boas obras, e, assim, glorifiquem a nosso Pai que está nos céus (Mt.5:16). E não é que funciona mesmo? Minha caixa de mensagem ficou lotada de manifestações de carinho e admiração que partiram de umbandistas, candomblecistas, homossexuais e até de ateus, além de inúmeros irmãos conscientes e solidários. 

O que Jesus diria se O criticassem por haver lavado os pés de pecadores? Não tenho dúvida de que diria algo do tipo: “Não me é lícito fazer o que quiser do que é meu? Ou é mau o teu olho porque eu sou bom?” (Mt.20:15). Em nosso caso, devo admitir que não somos bons, nem tampouco melhores do que aqueles de quem lavamos os pés ou dos que nos criticam. Todavia, nosso amor não pode ficar restrito aos que nos amam. Como disse Jesus, "se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus" (Mt.5:46-48). O que motivou Jesus a lavar os pés de Seus discípulos não foi outra coisa se não o amor. Como diz o texto, "ele os amou até o fim". Que este mesmo amor nos impulsione, não apenas a lavar os pés dos que devemos amar, mas até a dar nossas vidas por eles. 


P.S. Tenho que dar as mãos à palmatória! De fato, Ele não lavou os pés de prostitutas. Mas teve Seus pés lavados pelas lágrimas e o perfume de uma delas. E foi severamente julgado pelo fariseu dona da casa.

Os excluídos e a quebra de patente da graça

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Por Hermes C. Fernandes

Os discípulos foram matriculados num curso intensivo que visava desintoxicá-los de todo tipo de preconceito, a começar pelo que nutriam contra os samaritanos, aquela raça mestiça detestada pelos judeus.

As duas primeiras lições já haviam sido ministradas. A primeira, através de uma parábola. A segunda, através da gratidão de um leproso curado. Mas, nenhuma lição foi tão radical quanto a aprendida à beira de um poço.

O texto parece insinuar que Jesus sentiu-se incomodado por sua popularidade ascendente. O comentário que chegara aos ouvidos dos religiosos era de que o sucesso alcançado por Jesus havia desbancado o ministério de seu primo João, e que o número de pessoas batizadas por seus discípulos ultrapassava em largo o de seu predecessor. Os discípulos devem ter ficado bem confusos quando Jesus resolve deixar aquela região e retornar para a Galileia, onde não gozava de tanta credibilidade e fama. Mais confusos ficaram quando lhes anunciou que era necessário passar por Samaria. A primeira experiência havia sido horrível. Os samaritanos negaram-se a hospedá-los. Como entender o que se passavam na cabeça de Jesus? Havia rotas alternativas, mas Ele insistia em passar por lá.

Quando chegaram numa cidade samaritana chamada Sicar, Jesus sentou-se junto a um poço para descansar, enquanto seus discípulos saíram em busca de comida. Era quase meio-dia, quando uma mulher samaritana se aproximou para tirar água. Sem qualquer cerimônia, Jesus se dirige a ela pedindo-lhe água. Percebendo que ele era judeu, ela questionou sua abordagem: “Como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana?” Só o fato de ela ser mulher já se constituía num enorme tabu para aquela época. Homens não abordavam mulher estranhas publicamente. Mas nada pesava mais do que o fato de ser samaritana. Jesus, portanto, quebra dois tabus numa tacada só (Jo.4:1-30).

Todos conhecemos a direção que aquela conversa tomou. Jesus lhe oferece água viva. Mas ela não percebe que se tratava de uma figura de linguagem. A primeira coisa que faz é tentar descredenciá-lo. “Não me leve a mal, mas você não tem como tirar água deste poço fundo" (perdoe-me as paráfrases que usarei a partir deste ponto). Em seguida, ela acaba trazendo à baila questões nevrálgicas que alimentavam a hostilidade recíproca entre seus respectivos povos. A primeira delas era o fato de ambos terem um ancestral comum. “Você não está querendo dizer que é maior que o nosso pai Jacó, está? Foi ele que nos deu este poço!” Era como se ela dissesse: “Não me venha com este papo de que judeus têm o que os samaritanos não têm. Jacó não é pai só de vocês. Ele também é nosso pai! E quem você pensa que é para me oferecer algo que nem mesmo ele pôde dar?”

Jesus não entra na pilha dela. Seu propósito não é o de entrar numa queda de braços para ver quem é o dono da razão. Esse tipo de discussão jamais lhe apeteceu, e, sinceramente, não creio que Ele tenha mudado de lá para cá. Em vez disso, Ele avisa que o tipo de água que lhe oferecia era de natureza diferente daquela:“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede; mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede.” Sua dificuldade de abstrair a impede de entender a metáfora. Não sei se em tom irônico, ela responde: “Ok. Então, me dê logo desta água para que eu não precise mais ficar voltando aqui todo dia pra tirar água.” Sem se fazer de rogado, Jesus lhe faz um inusitado pedido: “Vai, chama o teu marido, e vem cá”. Meio sem graça, ela responde: “Agora, o Senhor me pegou. Não tenho marido!” Creio que ela deva ter pensado: “Ufa! Já estava começando a achar que ele era um profeta ou coisa parecida. Mas se ele desconhece meu estado civil, então, é apenas um estranho querendo jogar conversa fora. Ou talvez, esteja me testando para me passar uma cantada.” Para sua surpresa, Jesus respondeu: “Disseste bem: Não tenho marido; porque tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido; isto disseste com verdade.”

Engana-se quem enxerga aí uma abordagem moralista, que visasse expor as fraquezas daquela mulher a fim de condená-la. Longe disso, a pretensão do Mestre era revelar a que tipo de sede Ele se propunha saciar. Sede que a levara a experimentar múltiplos relacionamentos, e que, naquele momento a envolvera numa relação adúltera. Não bastasse o fato de ser mulher e samaritana, ainda por cima tinha uma moral suspeita. Duvido que a comunidade local desconhecesse isso. Estar ali sentado em sua companhia era uma exposição e tanto para Jesus.

“Vejo que és profeta”,retrucou. Constrangida, ela tenta mudar o foco e o rumo da conversa. “Nossos pais adoraram neste monte, e vocês, judeus, vivem dizendoque o lugar certo para adorar a Deus é emJerusalém.” Jesus não permitiu que a conversa descambasse nem para o moralismo estéril, tampouco para uma discussão teológica. “Mulher, acredite no que vou lhe dizer: está chegando a hora, e se quer mesmo saber, já chegou, em que o importante não é o lugar onde se adora a Deus, se no monte ou no templo em Jerusalém. Esta é uma questão que já deveria ter sido superada! O que importa para o Pai é ser adorado em espírito e em verdade.”

Uma das dificuldades que temos com certos segmentos da sociedade é que sempre trazemos à baila assuntos que já perderam sua relevância há tempos. Tornamo-nos um povo retrógrado, com uma agenda anacrônica e uma teologia que cheira à naftalina. Insistimos em responder a perguntas que deixaram de ser feitas há quinhentos anos. Ignoramos descobertas científicas, avanços sociais, contextos históricos, para impor nossa moral e nossos costumes, fechando-nos inteiramente ao diálogo. Nem sempre Deus está se importando com aquilo que nos tira o sono. “Deus é Espírito”, foi a resposta que Jesus deu à samaritana. Portanto, não queira rebaixá-lo a questiúnculas.

Impressionada, ela confessou-lhe: “Eu estou sabendo que quando o Messias vier, vai nos esclarecer sobre muita coisa”. Jesus respirou fundo, olhou à sua volta para conferir se não vinha ninguém, mirou-a nos olhos e disse: “Eu o sou, eu que falo contigo”. Foi a primeira vez que Jesus se declarou o Messias. E justamente a uma mulher samaritana. Os discípulos jamais haviam ouvido isso de seus lábios. Mas Ele não resistiu e acabou segredando àquela mulher a sua verdadeira identidade.

Recentemente, no episódio em que uma transexual encenou a crucificação em plena parada gay, alguém escreveu em meu perfil: Pai, perdoa-lhe, porque ela não sabe o que faz. Por alguma razão, aquilo me soou desconcertantemente presunçoso. Não resisti e escrevi embaixo: Pai, perdoa-nos, pois não sabemos o que dizemos. Talvez, aquela transexual soubesse mais o que estava fazendo do que nós o que temos dito. Não se escandalize ainda. Deus tem dessas coisas. Ele se revela a quem quer, e não precisa de nossa autorização para isso. Não detemos o copyright de Deus. E se quer mesmo saber, Ele já quebrou esta patente faz tempo, desde que Jesus disse que o vento sopra onde quer, e ninguém sabe de onde veio, nem para onde vai. Se quisermos ser co-partícipes do que Deus está fazendo, precisamos descer de nosso pedestal, abdicar de nossa presunção e admitir a sua atuação para muito além de nosso perímetro eclesiástico.

Quando os discípulos chegaram, flagraram-no papeando com a tal mulher. O texto afirma que eles ficaram estupefatos, porém, não se atreveram a questionar. A mulher, então, deixou de lado o seu cântaro e foi correndo à cidade espalhar entre os seus moradores a sua descoberta. Interessante notar que ela não demonstrou estar certa de nada acerca d’Aquele que se revelara o Cristo. O convite que fez aos seus concidadãos foi: “Venham e vejam um homem que me disse tudo quanto tenho feito. Será que ele não é o Cristo?” Resultado: a cidade inteira saiu ao encontro de Jesus.


O que move o mundo não são as respostas, mas as perguntas. Soa presunçoso demais apresentar-nos ao mundo como possuindo todas as respostas. É mais honesto dizer como ela, e admitir que ainda não sabemos de tudo quanto gostaríamos de saber. As pessoas se sentem bem mais à vontade seguindo quem tem as perguntas certas, do que quem afirma ter respostas para todas as questões. 

Há uma passagem onde Jesus ordena que dois de seus discípulos providenciassem um local para sua última ceia. Em vez de lhes dar um endereço certo, Ele s orienta a seguir um jovem que aparecesse nas ruas carregando um cântaro. Na porta por onde ele entrasse, eles deveriam se apresentar e dizer que seu mestre pretendia festejar a páscoa lá. Àquela época, era raríssimo flagrar um homem em atividades domésticas como aquela. Buscar água era atividade restrita às mulheres. Pois Deus usa um jovem que estava quebrando um tabu sexista para guiar os discípulos de Jesus ao lugar que lhes serviria de cenário não apenas para a santa ceia, mas também para a descida do Espírito Santo cerca de cinquenta dias depois. 

Continua em breve.

Pergunta idiota, tolerância zero!

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Por Hermes C. Fernandes

O mesmo Jesus que tratava cordialmente àqueles que eram considerados os párias da sociedade, revelava-se diametralmente enérgico no trato dispensado aos religiosos de sua época. Basta uma conferida nos adjetivos nada amistosos que usava em referência a eles. O preferido deles era, sem dúvida, “hipócritas”

Entre as principais facções religiosas da época, duas se destacavam por sua rivalidade: os fariseus e os saduceus. Os fariseus eram a ala conservadora, fundamentalista, enquanto os saduceus eram a ala progressista, liberal. Jesus não se alinhava ideologicamente com nem uma das duas. Se alguém perguntasse de que lado estava, Jesus certamente responderia mais ou menos como respondeu aos discípulos enviados por João Batista para testá-lo: “Aos pobres é pregado o reino de Deus.” 

Mateus relata um episódio em que os saduceus se aproximaram d’Ele para suscitar uma discussão acerca da ressurreição (Mt.22:23-46). Em vez de irem direto ao ponto, preferiam apelar a uma pergunta capciosa. 
“Mestre, Moisés disse: Se morrer alguém, não tendo filhos, casará o seu irmão com a mulher dele, e suscitará descendência a seu irmão. Ora, houve entre nós sete irmãos; e o primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher a seu irmão. Da mesma sorte o segundo, e o terceiro, até ao sétimo; por fim, depois de todos, morreu também a mulher. Portanto, na ressurreição, de qual dos sete será a mulher, visto que todos a possuíram?” 
Parece que ouço o cochichar de alguns deles: Quero ver se ele vai se sair dessa!  Sem papas na língua, Jesus respondeu: “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Porque na ressurreição nem casam nem são dados em casamento; mas serão como os anjos de Deus no céu. E, acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó? Ora, Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos.” 

Pergunta idiota, tolerância zero! Não basta conhecer as Escrituras e continuar subestimando o poder de Deus. Nem basta considerar o poder de Deus, ignorando o que dizem as Escrituras, tanto em suas linhas, quanto em suas entrelinhas. As Escrituras visam revelar a vontade geral de Deus, mas não podemos supor que Ele seja refém das mesmas. Ele segue agindo com absoluta soberania e autonomia, sem ter que dar satisfação a quem quer que seja. Portanto, não perca seu tempo buscando enredá-lo com seu parco e modesto conhecimento bíblico. 

O problema não são as Escrituras em si, mas nossa compreensão prejudicada por nossos pressupostos e preconceitos. Na resposta dada por Jesus aos saduceus, fica claro que certas instituições que vigoram desde a criação, perderão sua validade quando adentrarmos os portais eternos. Ninguém vai levar certidão de casamento para o céu! Todavia, laços terrenos serão substituídos por laços eternos. 

As multidões ficaram maravilhadas com a resposta de Jesus. Quando os fariseus viram que Jesus calou os saduceus, seus arquirrivais, reuniram-se imediatamente. Posso imaginar o papo entre eles: Viram o que Ele fez com os saduceus? Será que Ele é dos nossos? Se não é, que tal trazê-lo para o nosso lado? 

Ao vê-los reunidos como abutres sobrevoando a carniça, Jesus se aproximou e perguntou-lhes: “Que pensais vós do Cristo? De quem é filho?”Eles responderam unânimes: “De Davi!” 

Bingo! A resposta estava... exata! Pronto. Já podiam ser recrutados como discípulos. Ou será que não? Será que basta ter as respostas certas? Basta ter uma teologia correta? Basta seguir a ortodoxia? Basta repetir feito papagaio o que dizem os compêndios teológicos? Se Jesus houvesse escolhido um lado, teria optado pelo o que tinha a melhor teologia? 

Quando eles esperavam um tapinha nas costas, Jesus se vira e diz: “Como é então que Davi, em espírito, lhe chama Senhor, dizendo: Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? Se Davi, pois, lhe chama Senhor, como é seu filho?” 

Os saduceus devem ter comemorado. Pau que dá em saduceu, também dá em fariseu. A questão levantada por Jesus tinha como objetivo mostrar que as coisas não são tão simples como parecem. Nem tudo é preto no branco. Cada questão tem sua complexidade, apesar de nem sempre atentarmos para isso. A partir daí, ninguém mais se atrevia a fazer qualquer pergunta. Em vez disso, começaram a tramar contra Sua vida. 

A propósito, Jesus jamais se sentiu ofendido por alguém expor suas dúvidas e questionamentos. O problema era quando as perguntas tinham como objetivo expor uma suposta contradição a fim de ridicularizá-lo e minar Sua credibilidade.

Numa das mais calorosas discussões que tivera com os fariseus (Jo. 8:39-49), estes apelaram à sua ancestralidade: “Nosso pai é Abraão!” Sem se intimidar, Jesus respondeu: “Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas agora procurais matar-me (...) Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.” A chapa esquentou! Ele jamais usou termos tão fortes no trato dispensado a meretrizes e publicanos. Em outra ocasião, Ele os chamou de “geração adúltera”, expressão próxima a “filhos da p*ta”. Mas daí, chamá-los de “filhos do diabo” já era demais. Ou não? 

Os fariseus não deixaram barato. Devolveram na mesma moeda. “Não dizemos bem que és samaritano, e que tens demônios?”Com estas palavras eles vomitaram todo o preconceito que tinham contra aquela raça mestiça que transitava entre eles: os samaritanos. O que haveria de errado em ser samaritano? Absolutamente, nada. Mas o uso que eles fazem do termo denota um preconceito raivoso.  Nos artigos anteriores, exploro mais este tema. Por favor, não deixe de lê-los. 

Jesus respondeu: “Eu não tenho demônio, antes honro a meu Pai, e vós me desonrais.”Repare, apesar de não ser samaritano, Ele não os desmente, mas, apenas afirma não estar endemoninhado. Se dissesse que não era samaritano, poderia parecer que estivesse endossando aquele preconceito idiota.

De onde tiraram a ideia de que Jesus fosse samaritano? Não foi Ele mesmo que destacou a gratidão do samaritano que fora curado de sua lepra, enquanto os outros nove, que eram judeus, nem sequer voltaram? Não foi também Ele que foi flagrado conversando despudoradamente com uma samaritana de moral duvidosa à beira de um poço? Não foi Ele que impediu que dois de Seus discípulos rogassem a Deus para que enviasse fogo do céu para consumir toda uma aldeia samaritana? E por que içou um samaritano ao papel de protagonista de uma de Suas principais parábolas? Agora, chegara a fatura e Ele teria que pagar. Quem mandou demonstrar compaixão por aquela gente detestada por Seus patrícios? Talvez seja por isso que muitos preferem manter distância de certas questões. Temem ser estigmatizados por defender causas consideradas abomináveis tanto para os fariseus conservadores, quanto para os saduceus liberais. Enquanto isso, Jesus vai tomando sobre Si as nossas dores, sem importar-Se com o estigma que terá que carregar. Muito mais importante do que a reputação é a compaixão que demonstramos para com aqueles com os quais não possuímos qualquer identificação. O resto... que se dane! Da próxima vez que me perguntarem de que lado estou, terei o prazer de responder: Estou do lado daqueles de quem Jesus certamente estaria.

Continua em breve.

A vergonhosa falácia da "Ideologia de Gêneros"

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Por Hermes C. Fernandes
Sempre que me deparo com um tema que esteja sendo execrado pela bancada evangélica, trato de colocar a barba de molho. Foi assim com a PL 122 e tem sido assim com o Plano Nacional de Educação (PNE), que trata das diretrizes para a educação no País.
Pastores e padres engrossaram o coro que levanta suspeitas acerca do que tem sido chamado por eles de “Ideologia de Gêneros”. Boatos espalhados pelas redes sociais afirmam que alunos gays poderão usar banheiros femininos, enquanto lésbicas poderão frequentar banheiros masculinos. Que pai ou mãe se sentiria confortável com uma notícia dessas?
Deixando de lado as mentiras propagadas pelos que se dizem porta-vozes e defensores dos valores da família, o fato é que o novo PNE tem vinte metas e está calcado na Lei 13.005/2014 com catorze artigos. Nenhuma meta e nenhum artigo se refere à “Ideologia de Gêneros”. Repito, nenhum.
A única vez em que a palavra “sexual” surge no texto é na Meta de número sete, cujo objetivo é o de fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades. A Meta 7 apresenta, ao todo, 36 estratégias. A palavra “sexual” só aparece na estratégia 23, conforme transcrita abaixo:
Garantir políticas de combate à violência na escola, inclusive pelo desenvolvimento de ações destinadas à capacitação de educadores para detecção dos sinais de suas causas, como a violência doméstica e sexual, favorecendo a adoção das providências adequadas para promover a construção da cultura de paz e um ambiente escolar dotado de segurança para a comunidade.

Repare que não se lê absolutamente nada sobre uma tal “Ideologia de Gêneros”, tampouco se diz que o Estado, por meio da escola, induziria as crianças a seguir alguma orientação sexual, seja hétero, homossexual, bissexual ou transgênero, como tem sido amplamente divulgado nas redes sociais.
O que é lamentável é que as pessoas entram na pilha dos agitadores sem ao menos buscar se inteirar sobre o assunto. “Querem destruir a família!” vociferam, provocando uma avalanche de revolta infundada.
Segundo eles, a tal “Ideologia de Gênero” seria onda ideológica que se alastraria nacionalmente, por meio dos planos estaduais e municipais de educação com o afã de doutrinar as crianças, convencendo-as de que elas não teriam formação sexual definida, que meninos e meninas poderiam escolher sua identidade de gênero e orientação sexual. Espalharam até que as crianças seriam estimuladas sexualmente através da masturbação, e fazendo-as aceitarem como normais práticas como a pedofilia, o incesto, a zoofilia, a necrofilia, etc.
Segundo os oponentes da PNE, a tal “ideologia de gênero” seria uma imposição totalitária, ditatorial, visando a implementação de uma sociedade marxista, ateia, perversa, iníqua, através de conceitos falaciosos, antinaturais e esdrúxulos que adoeceriam a vida humana, tornando-a numa aberração imoral.
Que vergonha! Por que usar mentiras para convencer a sociedade a não aceitar um plano de educação que visa melhorar a qualidade do ensino no País? O que estaria por trás disso? Que interesses sórdidos isso esconderia?
Será que tem a ver com o fato de que o plano pretenda oferecer educação de tempo integral para pelo menos 25% dos alunos do ensino básico em pelo menos 50% das escolas públicas? Que prejuízo isso poderia representar para as escolas confessionais católicas, que geralmente custam o “olho da cara”?
E quanto a garantir que todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos com necessidades especiais tenham acesso à educação básica com atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino? Com que interesse isso esbarraria? Quanto custa garantir educação a um portador de necessidades especiais hoje em dia?
E por fim, uma das metas que mais desafiam certos interesses é garantir que 10% do Produto Interno Bruto (PIB) seja usado na educação pública. Adoraria saber quantos deputados das bancadas religiosas foram bancados por grandes conglomerados de colégios particulares. Para estes, melhor seria que o ensino público seguisse sucateado, de péssima qualidade, para que os pais se vissem obrigados a recorrerem ao ensino privado.
As diretrizes do Plano Nacional de Educação, bem como as propostas dos planos estaduais e municipais apontam numa só direção: menos violência, mais tolerância e mais respeito, inclusive à diversidade humana, tanto étnica, quanto sexual.

Da próxima vez que você vir algum alarde por parte desta bancada quanto à aprovação de algum projeto ou plano de governo, fique esperto e procure se inteirar. Chega de comer com as mãos dos outros. 

Direitos negados, justiça suicida

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Por Hermes C. Fernandes 

Perguntaram-me recentemente de que lado eu estava. Esta é uma pergunta que sempre me faço. Ponho-me a refletir sobre aqueles que hoje são celebrados como heróis da nossa civilização, mas que em seu tempo foram tachados de hereges, subversivos, revolucionários, e por isso mesmo, foram duramente combatidos. Pergunto-me de que lado eles se poriam nas questões que hoje nos dividem. Por fim, pergunto-me de que lado Jesus estaria. Alguém conseguiria enxergá-lo cerrando fileira com a casta sacerdotal de Sua época? Se fosse este o caso, duvido que Ele entrasse no templo derrubando as mesas e expulsando os vendilhões. Alguém o imaginaria engrossando o coro de quem pretendia apedrejar aquela mulher? Em vez disso, Ele preferiu defender seu direito. Isso mesmo! Seu direito de viver (Eis a razão por que adotei como lema "viva e deixe viver!"

Jesus invariavelmente se pôs ao lado dos excluídos, dos marginalizados, dos oprimidos, dos explorados. Jamais posou de bom garoto ao lado dos opressores e dos que se locupletavam do sistema. Ele não resistia ao clamor das minorias. Da vez em que foi importunado por uma mulher cananeia (depois pesquise na Bíblia o significado de ser cananeu na visão de um judeu daquela época), disse, à princípio, que não tiraria o pão da boca dos filhos para dá-lo aos cachorrinhos. Quem lê esta passagem cruamente corre o risco de escandalizar-se com Jesus. Mas Sua pretensão não era de compará-la a um animal qualquer. Sabendo de antemão qual seria sua reação, Ele quis dar uma lição em Seus discípulos. É possível que eles, como judeus que eram, até tenham gostado de ouvi-lo fazendo aquela comparação esdrúxula. Eles chegaram a pedir que Jesus a dispensasse logo, porque ela vinha atrás clamando por sua filha enferma. Porém, para a surpresa deles (mas não de Jesus!), ela respondeu:“Sim, Senhor, mas os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa do seu senhor” (Mt.15:28). Compadecendo-se dela, Jesus elogiou sua fé, atendeu ao seu clamor e curou sua filha. 

Que lição encontramos aí? Aquilo que para uns já não tem tanto valor, para outros tem valor inestimável. O que para uns não passa de migalha, para outros é o pão que lhes resta. 

Hoje os Estados Unidos deram um passo enorme que causou comoção e escândalo no mundo inteiro. A Suprema Corte daquele país autorizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo em todos os cinquenta estados americanos. As reações foram imediatas. Milhões celebraram, enquanto outros milhões lamentaram. Dificilmente encontramos (pelo menos nas redes sociais) quem se mantivesse isento. 

Ironicamente, uma instituição que tem sido tão desgastada ao longo das últimas décadas, tornou-se o sonho de consumo de milhões de casais homossexuais. Os mais conservadores vociferavam: Este é um direito concedido por Deus exclusivamente a casais heterossexuais. Sim, assim como o ministério terreno de Jesus era focado exclusivamente nos judeus. Mas isso não o impediu de sensibilizar-se com aquela cananeia. Com toda a pressão política e religiosa sofrida pela Suprema Corte, ela preferiu ser sensível ao clamor desta minoria e atender à sua reivindicação. 

Como seguidor de Cristo, encontro aí razão para celebrar. Por favor, não me tache de herege, pelo menos, não ainda. Prefiro ver gays num relação monogâmica a vê-los entregues à prostituição e a promiscuidade. Além do mais, ninguém vai conduzir um gay a Cristo negando-lhe os direitos. Infelizmente, alguns celebram quando a dama da justiça usa sua espada para retribuir o mal, mas não celebram quando usa sua balança atribuindo direitos iguais a todos. O problema é que toda vez que um dos pratos da balança pende para um lado, a espada da justiça vem contra ela mesma. 

Mas isso é contra a lei de Deus! Esbravejariam alguns. Não perca seu tempo citando os versos bíblicos que condenam tal prática. Eu os conheço todos. Como também conheço aquelas passagens bíblicas que apoiam a escravidão, por exemplo. Passagens como Levítico 25:44 foram prodigamente usadas por religiosos que tentavam impedir que os escravos fossem livres. Segundo eles, isso faria com que a sociedade entrasse em colapso. Os abolicionistas foram chamados de hereges por renegarem o sagrado direito de se ter escravos. Isso é uma abominação! Sim, casamentos mistos também. Começo a acreditar que chamamos deliberadamente de abominação aquilo que ainda embrulha nosso estômago. Tem mais a ver com nossos escrúpulos do que com o que cremos. Assim como hoje ouvimos aquela velha alegação de que se um pastor se negar a celebrar as bodas de um casal gay será preso, na época da abolição, pregadores bradavam dos púlpitos que se os escravos fossem livres, em breve, haveria casamentos mistos, claramente proibidos pelas Escrituras conforme passagens como Esdras 10:2-3 e Neemias 13:23-27. Os fiéis ficavam horrorizados ao imaginar suas lindas filhas, louras e de olhos azuis, sendo desposadas por negros de mãos calejadas. 

Quer gostemos ou não, o mundo mudou. O que hoje causa ojeriza em alguns, será visto como normal pelos seus netos. Assim como nos horrorizamos ao saber dos maus-tratos que os negros sofriam no passado, nossos netos se horrorizarão ao tomarem conhecimento da homofobia que vigorava em nossos dias. Homens como Martin Luther King viveram à frente do seu tempo. De que lado eles estariam agora? Jesus viveu muito, muito à frente do seu tempo. Por isso, reconheceu que seus contemporâneos não estavam prontos para lidar com questões ligadas à sexualidade. “Nem todos podem receber esta palavra”, disse com relação aos eunucos, homens que não tinham qualquer interesse no sexo oposto (Mt.19:11-12). Ninguém que tenha vivido à frente do seu tempo ficou ileso. Há um preço a se pagar por posicionar-se pela justiça e pelo direito (Acabei de ler uma ameaça escrita nos comentários do meu blog). O que me encoraja é saber que estamos presenciando um momento histórico. Nossos descendentes nos invejarão por havermos sido testemunhas disso. 

Uma parcela considerável da população americana teve seus direitos assegurados. Eu temeria o juízo de Deus se o direito lhes fosse negado. Pois foi Ele mesmo quem advertiu: “Ai dos que fazem leis injustas, que escrevem decretos opressores, para privar os pobres dos seus direitos, e da justiça os oprimidos do meu povo; fazendo das viúvas sua presa e roubando dos órfãos” (Is.10:1-2). Entende-se por "leis injustas" aquelas que são parciais, que atendem a uns em detrimento de outros. Equidade é tratar a todos de igual modo, sem privilégios, sem prejuízos. Iniquidade é exatamente o oposto disso. Iniquidade não é conceder direitos, mas negá-los. 

Assim como teria celebrado se houvesse assistido a Jesus atendendo ao clamor de uma mulher pertencente a um povo amaldiçoado, concedendo-lhe o que os “filhos” desprezavam, celebro a conquista da população homossexual daquele país e espero celebrar em breve também em nosso país, ainda que isso me custe ser atacado pelos que não sabem chorar com os que choram e se alegrar com os que se alegram. 

Se discorda mim, saiba que o respeito. Graças à democracia em que vivemos, temos o direito de discordar uns dos outros. Portanto, não neguemos este direito aos outros. Como disse Voltaire: Posso não concordar com nada que você diz, mas morreria pelo seu direito de dizê-lo. 

P.S. Enquanto isso, do lado de cá do Equador, no país que foi o último a abolir a escravidão, um deputado evangélico propõe uma bolsa ex-gay. Será que muita gente vai voltar para o armário com este incentivo? Aproveito para sugerir que os mesmos que propuseram um boicote à uma empresa de perfumes, também boicote os Estados Unidos. Em vez de torrarem seu dinheirinho suado em Nova Iorque ou Miami, deixem para gastá-lo em Moscou. Afinal, a Rússia proibiu a parada gay pelos próximos 100 anos. Ou se preferirem, vão para a China onde a homossexualidade é tratada com choques elétricos nos genitais. 

Sei o que é ser vítima de preconceito. Quando criança, tive minha casa apedrejada pelo simples fato de sermos uma família protestante. Acordei com um paralelepípedo rente à minha barriga. Teria me matado se atingisse a cabeça. Casei-me com uma mulher de ascendência negra, e para tal, tive que enfrentar a reprovação de muitos. E por fim, tenho o privilégio de ser pai de uma portadora de necessidades especiais. Sei como é lidar com aqueles olhares indiscretos. Talvez por isso me identifique tanto com o clamor das minorias. E antes que coloquem em xeque minha sexualidade, deixo claro que sou hétero, pai de três filhos héteros, irmão de cinco irmãos héteros. Eu não preciso ser uma árvore para sair em defesa do meio-ambiente. 

Assista abaixo uma mensagem que preguei anos atrás acerca do pecado de Sodoma. Você vai descobrir quem são os verdadeiros sodomitas desta nação.



Francamente... Que papelão, Jesus!

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Por Hermes C. Fernandes

“Diga-me com quem andas e direi quem és.” Se quisermos aplicar esta máxima a Jesus, ficaremos desapontados. O Mestre Galileu costumava andar muito mal acompanhado.

Em uma de Suas andanças, Ele encontrou um publicano chamado Levi, também conhecido como Mateus. Sem a menor cerimônia, Jesus o convida para ser Seu seguidor.

Os publicanos eram considerados uma ‘raça maldita’, traidores da pátria, gente vendida ao império, que se prestava a extorquir seus patrícios para atender aos interesses de Roma. Jesus não o encontrou num ambiente amistoso, mas no lugar onde acontecia a cobrança dos impostos. Mesmo que Mateus não fosse desonesto como Zaqueu, não pegava bem para Jesus ficar de papo com gente de sua laia.

Além de atender de pronto ao convite de Jesus, Mateus revolveu comemorar em grande estilo, promovendo um grande banquete em sua casa. Que tipo de gente aceitaria participar de uma festa na casa de um publicano? Ninguém esperaria encontrar ali um sacerdote, um rabino ou qualquer outra pessoa de reputação ilibada. Os publicanos eram judeus que viviam como romanos. Não muito raro seus banquetes se tornavam orgias parecidas com os bacanais romanos. Definitivamente, aquele não era um ambiente para alguém como Jesus.

No mínimo, era de se esperar que Jesus desse um puxão de orelha em Mateus por querer celebrar sua chamada de maneira tão pagã. Seria como alguém acabar de se converter e ir para um bar celebrar com os amigos e ainda chamar o pastor. 

Não duvido que alguns dos Seus discípulos apostassem que Jesus chegaria lá virando as mesas de perna para o ar (Mas isso Ele deixaria para fazer num outro ambiente, considerado sagrado para os judeus). 

O que esperar de um rabino judeu que transforma água em vinho só para impedir que a festa termine antes da hora?

Chegando à casa do publicano, uma multidão O aguardava. Gargalhadas estridentes eram ouvidas por toda a casa. Música alta. Danças extravagantes. Mulheres despudoradas. Definitivamente, o ambiente não era nada familiar.

Os discípulos se sentem constrangidos. Estão mais preocupados com a reputação do Mestre do que com a receptividade com que foram acolhidos. Eles não dão conta de conciliar o que veem com o salmo primeiro.

Sem parecer preocupado, Jesus toma lugar à mesa. Para o desconforto dos discípulos, Ele parece bem à vontade. Em momento algum lança olhares condenatórios sobre aquelas pessoas.
- O que é que estamos fazendo aqui? Indaga um deles. - Preciso tomar um ar lá fora! Esse ambiente impregnado de pecado está me sufocando.
Lá fora, alguns escribas e fariseus, a nata religiosa da sociedade, se aproxima de alguns discípulos e questionam:
- O que deu em vocês? Como têm coragem de acompanhar seu Mestre num banquete com gente desse tipo?
Jesus resolve dar um pulinho lá fora para checar a razão de terem se ausentado da festa. Ao flagrar os religiosos pressionando Seus discípulos, Jesus já chega respondendo:
- Quem precisa de médico não são os sãos, mas os enfermos. Não vim chamar justos, mas pecadores ao arrependimento.
Não há qualquer registro que naquela noite Jesus tenha interrompido a festa para pregar um sermão evangelístico. O importante era infiltrar-se ali, conquistar a confiança daquela gente, e, numa ocasião oportuna falar-lhe do reino de Deus. Por enquanto, Sua presença ali já era a mensagem.

O papo poderia ter terminado ali mesmo. Mas os religiosos não se deram por satisfeitos. Eles teriam que dar uma saia justa no Filho de Deus. O xeque-mate viria depois.
- Já que o Senhor está aqui, responda: Por que os discípulos do Seu primo João jejuam tantas vezes, enquanto os Seus só fazem comer e beber?
A estratégia era tentar extrair de Jesus uma crítica ao Seu predecessor e assim, expor Sua suposta contradição.

Imagino Jesus fazendo sinal com a mão para que guardassem Seu lugar à mesa, virando-se para os religiosos e respondendo:
- Como eles poderiam jejuar enquanto estou com eles? Que razão teriam para se lamentar? Por enquanto, só há motivo para festejar. Mas quando eu for tirado por alguns dias, eles terão motivo para jejuar. Querem mesmo saber? Ninguém tira um retalho de roupa nova para costurar numa roupa velha, pois, além de não combinar, o remendo acabará se rompendo. O tecido novo não tem a consistência do velho. E mais: Ninguém coloca vinho novo em odres velhos. O frescor do vinho novo romperá a estrutura dos odres velhos, e o vinho acabará sendo desperdiçado. Não adianta tentar explicar nada disso a vocês. Não vou perder meu tempo com quem não quer o novo, mas se contenta com o vinho velho e ainda tem coragem de dizer que ele é melhor. Com licença.
Deu meia volta e retomou Seu lugar à mesa.

Dias depois, Jesus se vê novamente assediado por religiosos. De saco cheio de suas insinuações, Jesus resolve dar-lhes uma resposta que expusesse sua hipocrisia:
- Sabem com quem esta geração se parece? Com meninos reclamando uns com os outros na praça: - Por que tocamos músicas animadas e ninguém dançou? E quando tocamos músicas tristes, ninguém chorou? Esta é uma geração que não sabe dançar conforme a música. Chora quando deveria se alegrar e se alegra quando deveria lamentar. Quando veio João Batista, que tinha um estilo de vida austero, não comia pão nem bebia vinho, vocês diziam que ele era um excêntrico endemoninhado. Quando chega a minha vez, só porque como e bebo na companhia de gente de reputação duvidosa, vocês me chamam de comilão e beberrão. Não vou ficar me explicando... vou deixar que os meus frutos falem por mim.
No calor da discussão, um fariseu resolve convidar Jesus a visitar sua casa. Talvez sua intenção fosse mostrar a Jesus a diferença entre aquele ambiente permissivo e o ambiente da casa de um homem temente a Deus.

O contraste era nítido. Formalidade. Etiqueta. Reverência. Nada de música alta, gargalhadas, danças. O olhar do fariseu parecia dizer: - Tá vendo aí, Jesus? Este é o tipo de ambiente que o senhor deveria frequentar.

De repente, uma mulher invade o recinto. Pelas roupas, dava para ver que não era uma dama da sociedade, mas uma dama da noite. Talvez uma daquelas que estiveram com Jesus na casa do publicano.

A presença dela incomoda a todos, principalmente o anfitrião.

Quebrando todos os protocolos, a meretriz vem por trás de Jesus, prostra-se aos prantos, e vendo que suas lágrimas regavam os pés de Jesus, desfaz as tranças dos seus cabelos, usando-os para enxugá-los. Como se não bastasse, ela se lança a beijá-los despudoradamente, enquanto os perfumava com o caro unguento que lhe custara um ano inteiro de prostituição.

Simão, o dono da casa, sentiu-se ultrajado.
- Se ele fosse realmente profeta, saberia quem é esta sem-vergonha! E agora... minha casa vai ficar mal falada na vizinhança. Eu já sabia do tipo de público que este rabino atrai. Por que fui convidar justamente ele para vir à minha casa?
Percebendo o mal estar que causara, Jesus se dirige a Simão e diz:
- Está vendo esta mulher? Pois é... entrei em tua casa e você sequer me ofereceu água para lavar os meus pés. Enquanto ela não para de regá-los com suas próprias lágrimas e enxugar com os seus cabelos. Enquanto você foi incapaz de dar-me um beijo de boas vindas, ela não para de me beijar os pés. Você tampouco ungiu minha cabeça como se faz a um convidado, mas ela derramou o mais caro unguento em meus pés. Sabe por quê? Porque ela sabe o quanto foi perdoada. Por isso me ama tanto. Já você, Simão, se sente tão santo, tão separado dos pecadores, que não tem noção de sua própria miséria.
Se houve uma vez em que Jesus tenha se sentado à roda dos escarnecedores, não foi na casa de Mateus, o publicano, mas na casa de Simão, o fariseu.

Aos olhos de Deus, ‘ímpio’ não é quem peca, mas quem não reconhece sua impiedade. O Filho de Deus sente-se muito mais ‘em casa’ entre pecadores que admitem sua condição do que entre santos que se veem no direito de julgar os demais.

Prefiro a companhia de quem ama por sentir-se acolhido e perdoado à companhia de quem julga por ser achar escolhido e privilegiado.



*Os episódios acima narrados se encontram registrados em Lucas 5:27-39 e 7:31-50

Confrontando uma geração de filhos da p#&@

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Por Hermes C. Fernandes

Não fazia qualquer sentido. Como Deus poderia ter permitido aquilo? Depois de uma vitória tão grande, um fracasso inexplicável.  Israel havia sucumbido diante do exército de uma cidadezinha inexpressiva chamada Ai. Ao todo, foram 36 baixas e fuga vergonhosa.

Dias antes, Jericó tinha caído ante a fúria Israelita. A cidade fortificada fora conquistada pelo povo nômade que perambulava pelo deserto por quarenta anos. Seus muros ruíram depois de treze voltas ao seu redor. Foi um massacre. Uma vitória para levantar o moral daquele povo e fazê-lo temido por todas as nações que se alojaram na terra que Deus prometera a Abraão. Os únicos moradores poupados foram Raabe, a prostituta, e seus familiares. Josué decidiu honrar a promessa feita pelos espiais enviados a Jericó e acolhidos por aquela mulher de moral duvidosa. Em momento algum, julgaram-na pelo estilo de vida que levava. A única coisa que importava naquele instante era o fato de ter arriscado a própria vida para escondê-los em sua casa.

Chegou a vez de Ai. Israel se sentia um time de futebol vindo de uma campanha impecável de sucessivas vitórias. Agora, tendo que enfrentar um time menor, resolve poupar seu elenco e usar seu time reserva, subestimando seus adversários. Bastavam dois ou três mil soldados para quitarem a fatura. Entraram em campo de salto alto, como se usa dizer no futebol, e saíram descalços e desmoralizados.

Josué protesta. Rasga suas vestes diante do Senhor. Passo o dia inteiro prostrado sem proferir uma única palavra. Até que toma coragem e atrevidamente questiona:

- Por que o Senhor nos trouxe até aqui? Antes houvéssemos ficado do outro lado do Jordão.  O que os outros vão dizer? Como vai ficar a nossa reputação? Sem contar a vergonha sofrida pelo seu nome!
A preocupação do general israelita seguia a seguinte ordem de prioridades: 1) A repercussão negativa do fato; 2) A reputação do seu exército; 3) a glória devida ao nome do seu Deus. Pelo jeito, a glória de Deus era o que menos importava naquele momento.  O problema não era o ‘problema em si’, mas a repercussão negativa que gerava.

De repente, Deus interrompe sua oração e diz:

- Você está lamentando o quê? Vocês pecaram contra mim! Há coisas condenadas que foram trazidas para o arraial do meu povo! Enquanto isso não for eliminado, vocês experimentarão sucessivas derrotas.

Josué se levanta decidido a descobrir onde estava o erro. Quem quer que houvesse sido responsável deveria pagar caro. O mal teria que ser cortado pela raiz.

Imagino o burburinho entre o povo:

- O problema deve ser Raabe! Quem  mandou Josué acolhê-la entre nós!? Como pode uma prostituta ser aceita no meio de um povo santo? Temos que eliminá-la o quanto antes! Apedrejá-la com toda a sua família até a morte.

Em vez de precipitar-se, Josué recebe do Senhor a orientação para fazer uma espécie de triagem por sorteio. Dentre todas as tribos, a escolhida é Judá. Justamente a tribo de onde todos sabiam que sairia Aquele que seria destinado a governar o mundo, o Messias. O erro que impedira a vitória de Israel sobre Ai partira dali.

De todos os clãs de Judá, os zeraítas são os escolhidos. De todas as famílias do zeraítas, a sorte recai sobre a família de Zinri, e desta família Deus aponta Acã.

Ufa! Raabe deve ter respirado aliviada. O problema não era ela e sua família. O problema vinha de dentro do próprio povo de Deus.

Decepcionado, Josué se dirige a Acã e diz:

- Pelo amor de Deus! Onde você estava com a cabeça? O que você aprontou, Acã? Confessa! Não esconda nada!

Exposto, Acã resolve confessar o seu pecado:

- Enquanto Jericó era tomada, vi uma capa babilônica lindíssima, e usei-a para embrulhar todo o ouro e toda a prata que encontrei. Chegando à minha tenda, enterrei-os num buraco.

Profundamente decepcionado, Josué ordena a execução de Acã com toda a sua família. Era necessária uma medida radical para que não se abrisse um precedente justo agora que Israel começava a engatinhar como nação organizada.

Se a preocupação de Josué fosse tão-somente buscar um bode expiatório, a candidata mais provável seria Raabe. Mas, além de ser poupada juntamente com sua família, Raabe ainda foi incluída na genealogia do Messias. Que incrível ironia. Acã, da tribo de Judá, condenado e apedrejado, como se fazia às prostitutas. Raabe, prostituta canaanita, poupada e incluída na estirpe do Messias.

Verdadeiramente, a graça subverte surpreendentemente a ordem das coisas.

Todavia, atrevo-me a afirmar que a igreja parece não ter aprendido a lição. Preferimos poupar Acã e apedrejar Raabe. Afinal, Acã é dos nossos! Raabe é da concorrência.

Os pecados de ordem moral são sempre os primeiros da lista. Sobretudo, os que envolvem sexo. Prostitutas, adúlteros, homossexuais, mães solteiras, são tratados como seres asquerosos, indignos do nosso convívio. Ao passo em que somos condescendentes com os gananciosos, com os que fazem qualquer negócio objetivando algum lucro. Crucificamos a carência, enquanto coroamos a ganância. O discurso moralista nos atrai muito mais do que o ético.

À exemplo dos discípulos, sentimo-nos ultrajados com a abordagem de Jesus com a mulher samaritana no poço de Jacó. Uma mulher que já estava no sexto relacionamento não deveria merecer a atenção do Senhor. Ela tinha que ser empurrada no poço para morrer lá. Porém, Jesus identifica ali uma carência. Os múltiplos relacionamentos eram sintomáticos. Por isso, em vez de apelar ao discurso moralista, Jesus lhe oferece a água da vida que saciaria sua carência para sempre.

O mesmo Jesus, ao deparar-se com Zaqueu, o famigerado cobrador de impostos, expôs seu disfarce e disse: Desce depressa, porque hoje me convém pousar em sua casa. Em outras palavras, Jesus estava dizendo: hoje você terá que repartir seu pão comigo e abrigar-me sob o seu teto. Todo ganancioso tem dificuldade de compartilhar o que tem. Quanto mais tem, mais quer. Jesus desfere um golpe sutil em sua avareza. Constrangido, Zaqueu se dispõe a devolver quadruplicado tudo o que surrupiou de seus próprios patrícios em nome de um governo estrangeiro invasor.

Uma igreja que fosse mais parecida com Jesus acolheria os carentes e exporia os gananciosos. Em vez disso, ela prefere aliar-se aos poderosos, enquanto detona os que considera pervertidos.

Os pecados sexuais se tornaram verdadeiros ‘bois de piranha’ (ou seriam ‘bois de Raabe’? rs). Enquanto nos preocupamos em demasia com eles, a boiada inteira passa incólume do outro lado do rio. Os mesmos que sobem aos palanques para denunciar a ‘ditadura gay’, envolvem-se em escândalos, votam em favor da impunidade, vendem-se por concessões de TV, escondem dinheiro não declarado dentro da Bíblia, etc.

Acã é nosso camarada! Raabe é uma descarada que não merece viver.  Viva o lucro, o jeitinho e a hipocrisia!

Enquanto pouparmos Acã, nossas vitórias serão sucedidas de épicas derrotas. Venceremos nas urnas, mas perderemos na relevância junto à sociedade. Venceremos na arrecadação, mas perderemos em credibilidade. Seremos maioria no Brasil, elegeremos o próximo presidente, mas não faremos qualquer diferença. Derrubaremos muralhas, mas sucumbiremos diante de nossa própria cobiça. 

Pelo jeito, Jesus prefere descender de uma p#&@ a ter Seu nome envolvido em tanta podridão. É melhor ser descendente direto de uma prostituta a ser conivente com uma 'geração adúltera' (eufemismo para "filhos da p#&@), como a que foi severamente denunciada por Jesus. Para Ele, prostituição vai muito além de alugar o corpo; é fazer por dinheiro o que deveria ser feito unicamente por amor. Inclusive, falar em nome de Deus e dos bons costumes. 

O que estaria por trás da redução de maioridade penal

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Por Hermes C. Fernandes

Hoje o Brasil amanheceu mais justo e seguro. Aqueles que se dignam a nos representar na Câmara de Deputados finalmente aprovaram em primeiro turno a PEC 171 que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos. Que lindo ver nossos representantes se reunindo por duas madrugadas consecutivas para votar pauta tão importante. É de se admirar. Provavelmente foram movidos pelo patriotismo, marca característica de nossa classe política. 

Devemos reconhecer o esforço hercúleo de Eduardo Cunha para atender aos anseios de 87% da população que clamam por vingança, ops, por justiça. Aliás, esforço precedido pelo louvável empenho da mídia nos últimos meses em noticiar insistentemente crimes envolvendo menores no afã de manipular a opinião pública a favor da redução. Não é que deu certo? Por isso, tanto gente lamentou a reprovação da PEC no dia anterior e celebrou sua aprovação 24 horas depois. 

Cunha tão teria conseguido tal proeza não fosse o apoio da mega bancada BBB (Bíblia, Boi e Bala), formada por representantes das bancadas evangélica, ruralista e armamentista. Mas quem, de fato, puxou o bonde foi a da Bala. Depois de mais de duas décadas de debates na Câmara, e de ter tido sua tramitação travada por deputados ligados aos direitos humanos, finalmente, os nobres deputados conseguiram derrubar uma cláusula pétrea da Constituição, reduzindo a maioridade penal para 16 anos. 

Deixando de lado a ironia, o que há para comemorar? Será que a redução vai diminuir a criminalidade no país? Ora, está comprovado que os homicídios cometidos por adolescentes representam menos, eu disse menos de 1% do total, ao passo que mais de 36% das vítimas de homicídios no Brasil são adolescentes. Portanto, são mais vítimas do que algozes. Em vez de protegê-los, oferecendo medidas sócio-educativas, preferimos varrê-los para debaixo do tapete, num vergonhoso processo de higienização social. 

Quem já fez trabalhos humanitários ou evangelísticos dentro dos presídios como já fiz, jamais comemoraria uma aprovação esdrúxula como esta. Só Deus sabe o que aguarda estes meninos em sua maioria negros e pobres das periferias. A garotada que for detida será matriculada em verdadeiras universidades do crime que funcionam atrás das grades. Quem entra assassino sai assassino em série. Não há reabilitação, com raríssimas exceções. O número de reincidência é assustadoramente enorme. Quando chega “carne nova” no pedaço, tem que se submeter aos caprichos sexuais dos veteranos. 

Ora, se não reabilita, para quê enviá-los para lá? Estamos dando um tiro no pé. Adiando problemas. Tudo para saciar nossa sede de vingança. Enquanto isso, aqui fora, o tráfico passará a recrutar meninos de menos de dezesseis. Quem sabe, em poucos anos, possamos reduzir para 14, depois para 12, 10, 8. Só Deus sabe aonde isso pode parar. 

O mais triste é saber que por trás disso tudo está quem diz seguir e servir Àquele que disse: "Deixai vir a mim as crianças, porque delas é o reino dos céus." Estes são a vergonha do evangelho! Mas, cá entre nós: o que se poderia esperar da união destas bancadas? A da Bíblia com o seu moralismo hipócrita, a do Boi representando o setor que mais emprega trabalho escravo no país, e da Bala, com sua obstinação em armar a população. A propósito, como Jesus se pronunciaria diante disso? 

No Brasil, cria-se o problema para que se venda a solução. Que interesse haveria por trás da PEC 171 capaz de fazer com que deputados trabalhem por duas madrugadas consecutivas, e como se não bastasse, faz com que alguns mudem seu voto em apenas 24 horas? O que esta redução de maioridade penal vai render? Ou alguém é ingênuo para achar que é por justiça e patriotismo? Para onde vamos alocar os menores que forem detidos? Não há espaço em nosso sistema prisional. Provavelmente teremos que construir mais unidades. Com que verba? Já foram cortados 7 bilhões só da educação. De onde o país vai tirar os recursos para a construção de novos presídios? A resposta revela o que há por trás do interesse em reduzir a maioridade pena. Uma vez criado o problema, a solução será buscar no setor privado. Querem privatizar o sistema carcerário brasileiro. Ninguém dá ponto sem nó. 

Mesmo que eu fosse favorável à redução, não veria nisso qualquer razão para comemorar. Acima de tudo, sou um seguidor de quem ensinou a oferecer a outra face, não o “olho por olho e dente por dente”. 

De qualquer maneira, a PEC 171 ainda tem um caminho a percorrer até que seja plenamente aprovada ou rejeitada. Caberá ao Senado lançar uma pá de cal no assunto. E espero que nossos senadores sejam mais sensíveis do que os deputados regidos pela batuta de Eduardo Cunha.


P.S.: Meu amigo Balnires Júnior postou um comentário em minha timeline onde se vê claramente o link entre a redução da maioridade pena e o fantasma da escravidão que ainda nos assombra: "Abolida a escravidão em 1888, e proclamada a República no ano seguinte, uma das primeiras providências desta foi promulgar novo Código Penal em 1890, o qual reduziu a responsabilidade penal (não confundir com maioridade penal) de catorze para nove anos. Nina Rodrigues, ícone da Medicina Legal, verbalizou a motivação da medida em As raças humanas e a responsabilidade penal no Brasil, de 1894: “No Brasil, por causa das suas raças selvagens e bárbaras, o limite de quatorze anos ainda era pequeno! [...] o menino negro é precoce, afirma ainda Letorneau; muitas vezes excede ao menino branco da mesma idade; mas cedo seus progressos param; o fruto precoce aborta. [...] quanto mais baixa for a idade em que a ação da Justiça, ou melhor do Estado se puder exercer sobre os menores, maiores probabilidades de êxito terá ela.” Parte do texto "Maioridade e Atavismo Social" do Cel. Jorge Da Silva.

Os gays, negros, deficientes e a maldição dos deuses

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Por Hermes C. Fernandes

Em algumas sociedades antigas como a Grécia, crianças que nasciam portadoras de deficiências físicas eram sacrificadas. Havia uma razão prática para isso e uma justificativa religiosa. De acordo com a sua crença, Deus ou os deuses só teriam criado pessoas perfeitas, e, portanto, somente as tais mereciam viver.  

Acreditava-se que tais crianças eram aberrações, seres amaldiçoados.  Matá-las era prestar um serviço aos deuses. Pelo menos, era assim que eles apaziguavam sua consciência. Mas a razão verdadeira e nem sempre confessada era que deixá-las viver traria prejuízo à sociedade, já que não seriam produtivas, nem poderiam lutar numa guerra e ainda atrapalhar numa eventual fuga.  Assim, tais seres indefesos eram vistos como um peso extra do qual deveriam se livrar o quanto antes. Poupá-las colocaria em risco a sobrevivência da nação. Portanto, em nome do bem comum, da manutenção da ordem, eliminem-nas.

Durante séculos convivemos com a vergonha da escravidão. Certas etnias se achavam no direito de escravizar a outras, usando suas crenças como justificativas. Brancos afirmavam-se superiores aos negros e até questionavam se os mesmos tinham alma ou se eram apenas seres irracionais, semelhantes aos animais. Versos bíblicos foram pinçados para justificar o uso de mão-de-obra escrava. Deixá-los livres colocaria em risco a ordem social. Por isso, os abolicionistas eram acusados de progressistas, de subversivos, de inimigos da ordem que conspiravam contra o bem-estar e a prosperidade da nação.

Genocídios foram perpetrados e justificados por uma crença equivocada. Episódios bíblicos como o de Jericó e das cidades cananitas conquistadas por Israel eram evocados.  Sociedades inteiras como as pré-colombianas foram dizimadas.

Quem seriam hoje as vítimas de nossos preconceitos? As mulheres? Os gays? Os negros? Que passagens bíblicas estaríamos usando para justificá-los? De que lado estaríamos se vivêssemos durante o tempo em que a escravidão era tida como um direito divino? Como nos posicionaríamos quanto à matança de crianças deficientes?

Deus não criou deficientes! Bradavam alguns.

Os negros são uma aberração! Não têm alma! Merecem ser escravizados.

Em nome deste mesmo fundamentalismo muitos bradam: Deus criou macho e fêmea! Não criou homossexuais, nem transexuais ou coisa parecida! Portanto, que direitos eles teriam?

Um pastor americano declarou em uma pregação que os homossexuais não têm direito sequer de existir. Segundo alguns, sua existência coloca em risco o modelo de família que tanto prezamos, assim como a existência de crianças deficientes colocava em risco a segurança da sociedade grega antiga, e a liberdade dos escravos implodiria a ordem social vigente à época.

De fato, Deus não criou gays, como também não criou negros, nem deficientes, nem hermafroditas. Ele criou seres humanos, sujeitos a várias condições, circunstâncias, limitações. Nada mais complexo do que aquele a quem a Bíblia chama de “imagem e semelhança de Deus”.

Assisti a uma matéria jornalística sobre uma criança transexual e sua luta para poder usar o banheiro feminino de sua escola. Seu irmão gêmeo é um menino como outro qualquer. Ele, porém, desde que se entende por gente, percebe-se como pertencente a um gênero distinto de sua anatomia. Veste-se como menina. Fala, sente, pensa e age como tal. O que dizer a esta criança? Estaria possuída de demônio? Um exorcismo resolveria seu problema? Seria simples assim? Ou  seria a educação recebida em casa? Então, por que seu irmão gêmeo não apresentou a mesma tendência?

Senti-me tocado pela história desta criança. Imaginei como deve ser difícil para os pais ter que enfrentar uma sociedade hipócrita, que diz crer nos preceitos bíblicos, mas usam-nos para justificar um dos maiores pecados cometidos por membros de nossa raça: o preconceito.

Minha alma chorou. Este pequeno ser humano poderá ser condenado ao limbo da existência.

Nem a sociedade, muito menos as igrejas, estão preparadas para lidar com isso. Alguns países islâmicos fundamentalistas dão ao problema a mesma solução que os gregos davam às crianças deficientes: homossexuais e transexuais são condenados à morte.

Vale aqui distinguir entre uma coisa e outra. O homossexual geralmente não tem problema com sua anatomia. Ele busca reconciliar sua homoafetividade com o seu sexo biológico. Já o transexual vive uma crise, pois se sente uma mulher num corpo masculino ou vice-versa.  Muitos optam por submeter-se a uma cirurgia de troca de sexo.

Como reagiríamos se um transexual operado se convertesse ao evangelho? Aceitaríamos sua nova condição ou pressionaríamos a que revertesse sua operação? E como reimplantar um órgão masculino que fora removido?

Muitas outras questões surgem daí e demandam respostas honestas e francas. Entretanto, a primeira medida que precisa ser tomada é nos conscientizarmos que tais pessoas são seres humanos criados por Deus e que vivem numa crise interminável, tanto para lidar com suas pulsões quanto para lidar com os preconceitos da sociedade. Devemos acolhê-los ou discriminá-los? Seria ético impormos alguma condição para que fossem recebidos? Que condição impomos para recebermos outros tipos de pecadores? Como acolhemos um empresário desonesto que explora seus empregados sem dar-lhes os direitos trabalhistas e ainda sonega impostos emitindo notas frias? Somos condescendentes com eles? Por que somos tão radicais em se tratando de sexualidade, mas tão maleáveis em outras questões? De que temos medo, afinal? Será que homossexualidade é contagiosa? A sexualidade dos nossos filhos correria algum risco caso a igreja acolhesse tais indivíduos? Haveria dentre nós alguns mal resolvidos nesta questão?

A verdade é que já há homossexuais em nossas igrejas, todavia, mantêm-se velados, temerosos de serem descobertos, expostos e excluídos. Tenho a impressão de que prezamos mais a hipocrisia do que a sinceridade e transparência.

Tudo o que acontece sob a capa da clandestinidade só faz fomentar todo tipo de promiscuidade.  Há gente molestando e sendo molestada nas igrejas. Mas desde que isso não venha a público, tudo bem. O importante é evitar o escândalo, pensariam alguns.

Tomamos a contramão do que Paulo apresenta como sendo o ideal para o ambiente de culto. Segundo o apóstolo dos gentios, onde está o Espírito do Senhor aí há liberdade. Num ambiente desprovido de preconceito, cada pessoa tem liberdade de ser exatamente o que é, apresentando-se a Deus “com o rosto descoberto” a fim de ser transformado segundo a imagem de Cristo. A transformação operada pelo Espírito tem como ponto de partida o que somos e não o que fingimos ser. Porém, um ambiente impregnado de legalismo e moralismo, as pessoas preferem lançar mão de máscaras religiosas, mantendo em sigilo seus conflitos interiores. O problema se agrava quando a igreja pressiona o indivíduo homossexual a se casar. O objetivo do matrimônio de fachada é provar que por trás dos trejeitos afeminados há um hétero. Conheço o caso de um “ex-gay” que se casou para provar sua conversão. Um ano depois, sua esposa procurou-nos para confessar que se mantinha intacta. Ele jamais a tocara. Adoraria acreditar que isso fosse uma exceção.

Casos de homossexualidade atingem até famílias pastorais. Há pouco soube de um pastor de renome que enviou seu filho de apenas 15 anos para fora do país, depois que o mesmo confessou ser homossexual. Pior que este foi o caso do filho de Oral Roberts, pregador norte-americano mundialmente conhecido, que depois de admitir sua homossexualidade, suicidou-se com um tiro no coração.

Devo esclarecer que em nenhum momento saio em defesa de qualquer tipo de promiscuidade, seja de natureza homossexual ou heterossexual. Se há seis passagens bíblicas que condenam atos libidinosos entre pessoas do mesmo sexo, há mais de dois mil versículos que denunciam injustiças sociais e condenam o abuso do poder econômico. Parece que a Bíblia está mais preocupada com questões sociais do que com sexualidade. Nem Freud daria conta de explicar esta nossa obsessão por questões desta natureza.


Que tal sermos mais compassivos? Que tal soltarmos nossas pedras em vez de arremessá-las? Antes de nos arrogarmos detentores da cura para a homossexualidade, sugiro que busquemos em Cristo a cura para os nossos próprios preconceitos.  O remédio tem em sua fórmula dois componentes: graça e amor. Graça para perdoar. Amor para acolher. O resto, deixemos por conta do Espírito Santo. 

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P.S. Tanto tempo depois da abolição da escravidão no Brasil, os negros ainda são discriminados. Pelo jeito, não basta uma canetada num pedaço de papel para abolir uma das mais cruéis mazelas humanas: o preconceito. O que ocorreu com a jornalista Maju Coutinho, a garota do tempo do Jornal Nacional, é uma triste comprovação disso. E pelo jeito, ainda que os homossexuais consigam garantir todos os seus direitos civis, ainda terão que lidar com o preconceito por muito tempo. É o tipo de nódoa que só é removida com a aplicação contínua do mais poderoso alvejante: o amor. Talvez leve algumas gerações até que nos livremos de vez desta maldição que nos acompanha desde os primórdios da humanidade. 
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