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Igreja, música secular e o derramar do Espírito sobre toda a carne

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Por Hermes C. Fernandes 

Quando eu poderia supor a repercussão que haveria por termos incluído músicas seculares em nossos cultos? Seria estratégia? Marketing? Ou haveria uma razão plausível e bem calcada nas Escrituras? Se marcou a terceira opção, você acertou na mosca. Temos razões bem embasadas para isso. Alguns até admitem que cristãos possam ouvir música secular, mas jamais admitiriam a inserção de tais músicas no ambiente de culto. Por que será? Antes de apresentar nossas razões, permita-me responder a algumas críticas. 

Primeiro, o lugar que usamos para pregar e cantar não é altar, mas apenas plataforma e púlpito. Portanto, não se trata de um lugar mais santo que os demais. Vivemos sob a égide da Nova Aliança em que não há geografias santas, mas consciências santificadas. O único altar reconhecido pela graça é o que foi erigido no coração dos que creem e adoram a Deus em Espírito e em verdade. Ponto. Quanto ao culto em si, ele não está restrito às horas que gastamos reunidos no lugar que comumente chamados de “igreja”. Nosso culto é a vida que dedicamos a Deus. Ele começa no dia em que nos rendemos ao Seu amor, e não tem hora para acabar. Ele vai varar a eternidade! Dito isso, vamos às razões pelas quais introduzimos canções seculares em nossas reuniões. 

O apóstolo Paulo diz que há uma “ardente expectativa” na criação como um todo, o que inclui cristãos e não cristãos, humanos e animais, seres animados e inanimados. Todos aguardam com enorme expectativa a manifestação dos filhos de Deus, o momento em que os filhos de Deus deixarão seus guetos para se revelar ao mundo, para além das fronteiras eclesiásticas, bem como o momento em que nossos corpos serão glorificados. Logo em seguida, Paulo diz que “a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa do que a sujeitou, na esperança de que também a mesma criação será libertada da escravidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8:19-21). O termo “vaidade” usado nesse texto tem a conotação de “processo”, algo que, todavia, não está concluído, mas em constante mutação. Há uma instabilidade na criação. As coisas ainda não atingiram sua configuração definitiva. Paulo, então, lança mão da gravidez como uma metáfora, e diz que “toda a criação geme como se estivesse com dores de parto até agora” (v.22). O cosmos inteiro está grávido de um novo cosmos, ou na linguagem bíblica, de um novo céu e uma nova terra, que nada mais são que uma nova configuração da criação atual. Todo o cosmos será renovado. Por isso, a criação geme, pois sente as contrações típicas da gestação, que se manifestam através dos cataclismos naturais como furacões, terremotos, tsunamis, etc. 

Esses gemidos também podem ser claramente ouvidos através da cultura produzida pelo gênio humano. Há um clamor por justiça, por paz, por amor, que se expressa nas músicas, nas artes em geral, e até nas ideologias e filosofias. Quem estaria por trás destes gemidos? Quem os despertaria? Deixemos que Paulo nos responda na continuação de seu raciocínio:
Não só ela (a criação como um todo), mas nós mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos.” Romanos 8:22-23a 
Atrevo-me a dizer que tanto os gemidos que são produzidos em nosso interior, quanto os gemidos do restante da criação são frutos do mesmo Espírito. Por isso, posso identificar a inspiração do Espírito Santo em muito daquilo que chamamos de “secular”. Mas como o Espírito inspiraria gente de fora de nosso círculo? Ele não é uma exclusividade do povo de Deus? Não confunda alhos com bugalhos. Somos “povo de propriedade exclusiva” de Deus, mas Ele não é propriedade exclusiva de ninguém. Ele é o Deus de todos os povos! Como disse João, Ele é “a verdadeira luz que ilumina todos os homens” (João 1:9). Como? Então, não são somente os cristãos regenerados que são iluminados por esta luz? Foi exatamente isso que eu disse. Jesus disse que Deus“faz que o seu sol se levante sobre maus e bons” (Mt.5:45). Toda consciência pode ser igualmente iluminada pelo Sol da Justiça, independentemente do credo que professe. E não só isso: Ele faz com que Sua “chuva desça sobre justos e injustos.” A que chuva Jesus Se refere aqui? Àquela prometida em Joel 2:23, isto é, a chuva do Espírito. Nos versos 28 e 29, o Senhor diz: “Derramarei do meu Espírito sobre toda a carne.” Ele não diz que derramaria Seu Espírito exclusivamente sobre os cristãos, mas sobre toda a carne. O que significaria “toda a carne”? Exatamente isso: Toda a carne. Alguns objetarão: “Não pode ter sido isso que Ele quis dizer...” Então, por que disse? Ele só diz o que almeja comunicar. Nós é que reduzimos o escopo da ação do Seu Espírito. Achamo-nos detentores do monopólio do Espírito. E não me diga que esta profecia ainda vai se cumprir no futuro. Se fosse assim, Pedro teria cometido um erro grotesco de interpretação ao afirmar no dia de Pentecostes que aquele era o comprimento dessa profecia. A partir de Pentecostes, o Espírito passou a atuar indistintamente em toda a carne, despertando em cada ser humano um desejo por justiça. 

Paulo reconheceu isso ao declarar que “quando os pagãos, que não têm lei, fazem naturalmente as coisas que são da lei”, eles estariam revelando “a obra da lei escrita em seus corações, testificando juntamente a sua consciência, e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os” (Romanos 2:14-15). Quem, afinal, teria escrito a lei em seus corações? Quem lhes teria dado a consciência de certo ou errado? Não teria sido justamente o Espírito Santo ao ser derramado sobre toda a carne? Ou não é isso que lemos em passagens como Hebreus 10:16, onde lemos que o próprio Deus poria Suas leis em seus corações e as escreveria em seus entendimentos? Jesus disse que quando o Espírito fosse derramado, Ele convenceria o mundo do pecado, da justiça e do juízo (João 16:7-8). Em outras palavras, Ele daria aos homens a noção de certo e errado, do que é justo e belo, e do que é desigual e assimétrico, e da distinção entre eles (juízo: do grego krisis: distinção entre o certo e o errado). Todavia, deve-se salientar que há uma diferença significativa entre os que recebem do Espírito como uma chuva e os que d’Ele bebem. O derramar do Espírito sobre toda a carne instiga nos homens uma sede por justiça e beleza. Mas, somente os que por Ele são regenerados são saciados. Não basta banhar-se em Suas águas. Há que se saciar nelas. 

De acordo com a profecia de Joel, este derramar do Espírito abrangeria todas as gerações, etnias, gêneros e classes. É um derramar multigeracional, porque uma única geração não daria conta de promover as transformações necessárias nas estruturas injustas do mundo. Quando os velhos sonham, os jovens veem a realização desses sonhos. Uma geração projeta, a outra realiza. Nenhuma geração sozinha daria conta de restaurar o que levou várias gerações para ser destruído. Isaías profetiza que a descida do Espírito Santo resultaria na edificação dos “lugares antigamente assolados”, e na restauração dos “anteriormente destruídos” e na renovação de “cidades assoladas, destruídas de geração em geração” (Is.61:4). Portanto, pode-se dizer que a chuva do Espírito começou em Pentecoste e nunca mais estiou. Geração após geração, da chuva temporã até a serôdia (Joel 2:23). Desde então, nunca mais o mundo foi como antes. Instituições injustas como a escravidão acabaram ruindo. Mulheres e crianças que antes eram desprezadas, passaram a ser especialmente contempladas. Porém, ainda há um longo percurso pela frente até que a justiça do reino se estabeleça plenamente entre as nações. 

Este derramar também é multiétnico, abrangendo também todos os gêneros e classes. Por isso se diz que “até sobre os servos e as servas” se derramaria o Espírito. Naquela época, os povos escravizavam outros povos, geralmente pertencentes a outras etnias. Dizer que o Espírito seria derramado sobre “servos e servas” era dizer que alcançaria mesmo as etnias conquistadas e escravizadas. Falar em servos também é falar da base da pirâmide social. Nenhuma classe seria preterida, ficando de fora do escopo deste derramar do Espírito. Mas provavelmente, o mais surpreendente nesta profecia é que ela não respeita as distinções sexistas. Tanto “servos”, quanto “servas”, isto é, tanto homens, quanto mulheres seriam alvos desta chuva. 

O que tudo isso tem a ver com música secular na igreja? Absolutamente, tudo. O mesmo Espírito que nos inspira a compor e a entoar louvores a Deus, também inspira aqueles sobre os quais Ele foi derramado, levando-os a compor e a entoar canções que expressem seus anseios pelo que é bom, belo e justo. Juntos, nós e eles, formamos um coral de “gemidos”, de sons e melodias que partem do âmago de nossas almas. Um coral regido pelo mesmo Espírito. Basta parar para ouvir algumas canções seculares desprovido de preconceito para se dar conta desta verdade. Isso não significa que todas as canções seculares sejam igualmente inspiradas por sentimentos nobres. Há muito lixo no mercado, inclusive no gospel. Daí a necessidade de sermos seletivos. Em vez de classificar a música como santa ou profana, que tal sermos mais criteriosos, limitando-nos a classificá-la como boa ou ruim? Não é um selo gospel que santifica uma peça artística, mas a intenção do seu autor e os sentimentos que produz em nós. Uma canção que nos instigue o que há de pior em nossa natureza, ainda que fale de Deus, não pode ser coisa boa, não é mesmo? Uma canção que instigue um sentimento de vingança, inveja, preconceito, egoísmo, não pode ter a mesma fonte que uma canção que nos estimule ao amor, ao cuidado recíproco, ao perdão, à comunhão e amizade. Portanto, não é o canal que deve ser avaliado e sim a fonte. Pedro, por exemplo, foi usado pelo Espírito para afirmar a divindade de Jesus. Minutos depois, emprestou seus lábios ao maligno para tentar dissuadir Jesus de entregar Sua vida por amor. Sem titubear, Jesus o repreendeu: para trás de mim, Satanás! Repare: de um mesmo canal jorrou água doce e amarga. Tiago diz que o ideal seria que não fosse assim (Tg.3:11). Mas, infelizmente, é assim que tem sido. Os seres humanos somos ambíguos, capazes de coisas louváveis e repulsivas. Se tivermos que cobrar coerência, façamos àqueles que conhecem o evangelho, pois são indesculpáveis. Quanto aos que não o conhecem, já é de se admirar que se prestem a serem usados por esta graça incomum para expressar os anseios da criação. 

Abaixo uma canção do Jota Quest que exemplifique o que expusemos aqui.



REINA: Igreja feita pra acabar

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Por Hermes C. Fernandes

Vinte quatro anos atrás, nossa família deixava o ministério a que pertencera por quase vinte anos para começar uma nova denominação (detesto este termo!). Nascia, então, a Missão Apostólica Mundial, igreja tipicamente pentecostal, com seus vícios e virtudes. Aliás, eu diria que naquele fatídico dia 26 de Dezembro de 1991, a Reina era concebida. Começava, então, uma longa gestação de doze anos. O embrião tornou-se feto, desenvolveu-se no ambiente intrauterino da oração para, somente em 2003, vir ao mundo, não mais como Missão Apostólica, mas agora como Reina.

No último final de semana, nossa sede esteve superlotada na celebração de mais um aniversário de sua fundação. No sábado, tínhamos uma multidão do lado de fora que não conseguiu entrar nas dependências da igreja. Lembro-me de que no ano anterior, quando celebrávamos os 23 anos da igreja, a mensagem que preguei bem que poderia ter recebido o título de “A Reina foi feita pra acabar”. Muitos ficaram atônitos ao me ouvirem dizer exatamente isso. Como dizer uma coisa dessas em plena festa de aniversário da igreja? Principalmente depois de anunciar que começamos a contagem regressiva para o nosso Jubileu de Prata em 2016. Chegamos até a lançar um selo comemorativo! Como assim, “feita pra acabar”? No último dia da festa, acho que fui ainda mais incisivo. Fiz questão de dizer que estou trabalhando duramente para isso. Estou investindo minha vida num projeto que visa acabar com a igreja que desde 2001 tenho a honra de servir como líder. E não só isso. A Reina goza do mesmo destino de todas as instituições eclesiásticas do mundo. Todas desaparecerão! Foram feita para isso. E não estou me referindo ao tal arrebatamento que muitos aguardam e alguns até almejam.

A igreja, enquanto instituição, serve como invólucro, ou aproveitando a analogia da gestação, equivale à placenta que envolve a criança até o dia de seu nascimento. Obviamente que a vida da criança depende deste invólucro. Se a gestante levar um tombo, a placenta amortecerá a queda, garantindo a sobrevivência do feto. Embalada pelo líquido amniótico, ela está protegida de bactérias e outras ameaças externas. Todavia, esta proteção não durará para sempre. Afinal, a igreja foi feita para o mundo. Na medida em que for crescendo, o que antes garantia seu conforto, passa a comprimi-la, podendo eventualmente sufocá-la. Até o cordão umbilical através do qual ela se alimentou durante sua estada no ventre materno, agora corre o risco de prover-lhe uma forca. Se ela não for expelida pelo corpo da mãe, certamente morrerá. E se isso não acontecer, quem morrerá será a própria mãe. Assim que ela nasce, o cordão é cortado e a placenta é expelida. Ambos serão igualmente descartados. Não conheço ninguém que tenha criado uma placenta, e você? Por maior que seja a dívida de gratidão que a mãe e seu filho tenham com a placenta, não lhes restará alternativa senão livrar-se dela. Caso contrário, vai apodrecer e empestear o ambiente, trazendo riscos severos à saúde de todos na casa.

Assim ocorre com a instituição 'igreja'. Ela é a placenta na qual está sendo formada a nova humanidade. Ou se preferir outra analogia, ela equivale aos andaimes usados na construção deste edifício chamado reino de Deus. Tão logo esteja pronto, os andaimes serão removidos. Caso contrário, manterá escondida a fachada do prédio. Não confunda a remoção deles com a demolição do prédio, assim como não devemos confundir a placenta descartada com um aborto.

A sociedade que emergirá disso não será religiosa, como pensam alguns que se apaixonam pela placenta. Por isso a Nova Jerusalém esboçada em Apocalipse não possui templos. Ora, se não possui santuários, logo, também não possui religião, pois esta já terá cumprido seu papel e já não será necessária.

O objetivo da igreja no mundo é o estabelecimento do reino de Deus e não a manutenção da máquina eclesiástica. Ela perde a relevância quando insiste em trabalhar em função de seu crescimento. Quem tem que crescer é a criança, não a placenta. A placenta se estica o quanto pode para conter o feto até que chegue a hora do parto.

A igreja que sobreviverá a todo este processo é a nova humanidade, a civilização do reino e do amor, e esta, por sua vez, não tem placa, nem CNPJ, estatuto ou diretoria.

É desconcertante e, ao mesmo tempo, confortável saber que minha atividade (pastoral) está igualmente condenada a desaparecer. Assim como está cada vez mais raro encontrar um sapateiro ou datilógrafo em nossos dias, será cada vez mais raro encontrar pastores (refiro-me aos genuínos!). Nossa vocação também foi feita pra acabar! Quando ainda houver padeiros, pescadores, agricultores, já não haverá pastores. E sabe porquê? Porque todos estarão sob a batuta, ou melhor, sob o cajado do único Pastor.

Repare no que diz Jesus:

“Ainda tenho outras ovelhas que não são deste aprisco; também me convém agregar estas, e elas ouvirão a minha voz, e haverá um rebanho e um Pastor.” João 10:16

Nesta passagem Ele indica que havia e há outros apriscos além daqueles nos quais nos reunimos. A Reina, por exemplo, jamais teve a pretensão de ser a última coca-cola do deserto. Não sofremos da síndrome de Elias que acreditava que só ele havia restado. Certamente que há muito mais do que sete mil pares de joelhos que não se dobraram ao sistema. Porém, todos estes “apriscos” têm prazo de validade, tanto quanto a Reina. No final, o que restará será um só rebanho e  um só Pastor. Observe bem: Em momento algum Ele diz que haverá um só aprisco, pelo simples fato de que já não haverá qualquer necessidade de tais estruturas.  O Reino de Deus será plenificado entre nós.  Todas as estruturas de domínio e controle serão demolidas. Todas as cercas cairão. As ideologias entrarão em parafuso. Mas estaremos para sempre seguros aos cuidados d’Aquele a quem dedicamos nossa existência.

Enquanto não chega este dia, compete-nos trabalhar para que outras vidas se conscientizem disso, buscando assim o reino de Deus e a Sua justiça, repartindo o pão e compartilhando o amor de Deus.

Por incrível que pareça, não desejo vida longa à Reina. Por mais que ame a nossa Reina, amo infinitamente mais o Reino de Deus.  E quando digo que amo a Reina, estou dizendo que amo o seu povo e não a placa em si. O Reino é inimaginavelmente maior que a Reina, que a Batista, a Presbiteriana, a Assembleia, a Metodista, etc. Todas elas se findarão, porém Seu reino durará para sempre. 

Que chegue logo o dia em que elas já não sejam necessárias. Então todos seremos desigrejados, porém, cidadãos do Reino de Cristo Jesus.

Até que cheguemos ao nosso destino, desfrutemos a viagem na companhia dos irmãos com quem nos reunimos no aprisco.

Enquanto medita nestas palavras, assista à apresentação ao vivo de Marcelo Jeneci com a canção "Feito pra acabar":


A igreja e a inserção cultural

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Por Hermes C. Fernandes
A vocação primordial do homem é a de cultivar a terra. O texto sagrado diz que o Criador tomou o homem a quem criara à sua imagem e semelhança e o pôs no Jardim do Éden, incumbindo-o de guardá-lo e cultivá-lo (Gênesis 2:15). Surgia aí a cultura. A própria etimologia da palavra encerra este significado. “Cultura”do latim colere, que significa cultivar. Portanto, a cultura surge a partir da interação do homem com o meio em que está inserido. A cultura, portanto, abrange toda a produção de conhecimento, crenças, arte, moral, lei, costumes, bem como todos os hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade, e geralmente deixados como legado para as gerações posteriores.
A agricultura foi o ponto de partida desta interação entre o homem e o ambiente. Todavia, ela se intensificou na medida em que o homem se deparava com novas demandas. Por exemplo, tomando a referência bíblica como base, quando se percebeu nu, o homem coseu folhas de figueira, uma das árvores que ele cultivava no jardim (Gn.3:7).
O Criador, entretanto, preparou-lhe uma vestimenta de pele de animal. Surgia, então, a espiritualidade, parte essencial da cultura humana.  A espiritualidade emerge da reflexão acerca da finitude da vida. Os antropólogos identificam a emergência da espiritualidade na raça humana no tratamento dispensado aos mortos. Desde que começou a vislumbrar a possibilidade da vida após a morte, o homem passou a sepultar seus mortos de maneira reverente. Em vez de abandoná-los para serem devorados pelas feras, passou a enterrá-los em covas, acompanhado de flores e objetos de uso pessoal. A cultura, então, toma um rumo inusitado, pois não se resume à interação com o meio, mas também à resposta que se dá à existência, revestindo-a de sentido e significado. A vida deixa de ser vista como um acidente e passa a ser encarada como cheia de propósito. As folhas de figueira são substituídas por vestes feitas da pele de um animal sacrificado. Pela primeira vez, um altar é erigido. Interessante notar que “culto” e “cultura” têm a mesma origem etimológica. Cultuar também é cultivar. A diferença é que se cultiva o que está no chão enquanto se cultua o que está no céu. O surgimento do fenômeno da espiritualidade é a resposta à inexorável sentença da morte: a gente não foi feito para acabar!

A humanidade representada em Adão se bifurca em duas estirpes. Duas cosmovisões começam a se digladiar entre si. Uma tem como arquétipo a figura de Caim, o primogênito de Adão. A outra, a figura de Abel, seu segundo filho. Caim, o agricultor, representa a fase em que a humanidade dá seus primeiros passos na composição de sua cultura. O que importava era a sobrevivência num mundo hostil, cheio de cardos e espinhos. Diferentemente da Adão, seu pai, que representa o estágio em que o homem vivia da coleta daquilo que encontrava. Abel, seu irmão, era pastor de ovelhas, e representa o desenvolvimento da prática pecuária. Neste estágio, o homem deixa de se preocupar exclusivamente com sua sobrevivência e passa a considerar assuntos relativos à transcendência. A interação entre as duas cosmovisões nem sempre foi amistosa. Todos  conhecemos o desfecho do relato bíblico: Caim mata Abel. Foragido, cabe a ele a construção da primeira cidade. Portanto, a civilização nasce daí, do conflito, da fuga e do desejo de estabelecer-se. Caim representa a humanidade que se assenta nos lugares férteis, geralmente próximos de grandes rios e ali edifica seus centros urbanos. Abel representa a humanidade em trânsito, nômade, hebreia, em busca de novos horizontes. Se esta aspiração houvesse terminado com Abel, talvez ainda estivéssemos às margens do Eufrates. Porém, Abel sai de cena dando lugar a Sete que dá prosseguimento à saga daqueles que não têm cidade permanente, mas buscam a que se insinua no lugar onde nasce o sol, a cidade do futuro (Hb.13:14).
Desde então, a humanidade tem estado dividida entre dois grupos. Os que almejam a manutenção das coisas exatamente como são ou como foram um dia, e constroem suas vidas nas vizinhanças do Éden. E há os que acenam para o futuro, desejando-o, não como repetição de uma história cíclica, mas como algo novo e inusitado. O primeiro grupo tende a produzir uma cultura estática, que valoriza, sobretudo, as tradições, sem ao menos contestá-las ou colocá-las à prova. O segundo grupo tende a produzir uma cultura dinâmica, condenada a reformular-se constantemente. Para uns, a era áurea se encontra no passado, do lado de dentro dos portões do Éden. Para outros, o melhor ainda está por vir. Enquanto, uns sonham voltar para o paraíso, outros sonham com a Nova Jerusalém, arquétipo da civilização do reino de Deus. Esses são os descendentes de Abraão, que deixa sua parentela rumo a uma terra desconhecida que lhe será mostrada no caminho.
Para os que seguem o que chamo de paradigma caímico, a cultura se resume no que se produz para o próprio consumo. Para estes, a gente é feito para acabar. Esta sentença nos persegue por toda a existência. Portanto, aproveitemos ao máximo o tempo de que dispomos. Mas para os que seguem o paradigma abélico, a cultura é o rastro que se deixa para os que virão depois. É a pista de que passamos por aqui. É a sinalização da estrada aberta e pavimentada pelos que nos antecederam. A cultura é, por assim dizer, o que restou de nós. Nossas paixões. Nossos sonhos. Nossos amores. Nossos temores. É o DNA de nossa essência deixado como marca indelével de nossa existência. Tudo fica espalhado pela estrada na qual transitamos durante nossa peregrinação existencial, indicando aos que virão qual o melhor caminho a seguir e qual deve ser igualmente evitado. 

A Igreja e a inserção cultural - Parte 2

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Por Hermes C. Fernandes
Numa de Suas mais conhecidas previsões, Jesus disse que se levantariam “irmãos contra irmãos” (Mc.13:8-12). Aquela geração estava destinada a retroalimentar o ciclo de rivalidade entre irmãos presente ao longo da história desde os seus primórdios, desde Caim e Abel, passando pelos filhos de Noé, os filhos de Abraão, Jacó e Esaú, José e seus irmãos, e a família de Davi. Nem Jesus escapou. João revela que“nem mesmo seus irmãos criam nele” (Jo.7:5). Mas, sem dúvida, Caim e Abel nos oferecem o arquétipo original da rivalidade entre irmãos. Na história bíblica, Abel é assassinado por seu irmão que se sente preterido. Esta tem sido a sina dos sonhadores: serem perseguidos e mortos por quem se nutre do sistema tal qual ele é. Foi assim com Jesus e Seus apóstolos. Foi assim com os profetas que vieram antes d’Ele. E será assim com quem quer que ouse sonhar e desafiar o status quo. Relembrando a história dos irmãos Isaque e Ismael, filhos do patriarca Abraão, Paulo diz que o que fora gerado segundo a carne perseguia o que havia sido gerado segundo o Espírito (Gl.4:29). Um era filho da escravidão, o outro, da liberdade. O apóstolo afirma que o mesmo se dá hoje entre os que são gerados pelo Espírito e os que são filhos de um sistema de escravidão. A convivência entre ambos parece impossível, a menos que sejam devidamente reconciliados.
Caim é o arquétipo do homem da terra. Abel é o precursor do homem do céu (1 Co.15:47).
A cruz proveu o meio de reconciliação entre eles. Paulo afirma que Cristo, “de ambos os povos fez um; e derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade, isto é, a lei dos mandamentos, que consistia em ordenanças, para criar em si mesmo dos dois um novo homem, fazendo a paz, e pela cruz reconciliar ambos com Deus em um corpo, matando com ela as inimizades” (Ef.2:14-16).
N’Ele, todas as coisas que há no céu e todas as que há na terra convergem (Ef.1:10). N’Ele encontramos a grande síntese. Caim e Abel se reconciliam. O nômade e o sedentário caminham e se assentam juntos. O pastor e o agricultor se tornam numa equipe. A cidade de Deus e a cidade dos homens se integram. Os reinos do mundo passam a ser do Senhor e do Seu Cristo (Ap.11:15).
Esta é a proposta do reino de Deus!
Jesus é o segundo Adão, iniciador da nova humanidade (1 Co.15:45). A igreja é a Sua esposa, a nova Eva (2 Co.11:3). Portanto, a igreja está destinada a recapitular a história da humanidade, porém, acertando onde ela errou. Assim como Cristo foi tentado como Adão, porém, resistiu, permanecendo obediente, a igreja deve igualmente proceder obedientemente.
O primeiro casal teve dois filhos que procederam de maneira tal que proveram um arquétipo negativo para a humanidade caracterizado pela rivalidade entre irmãos. Cabe à igreja reverter isso e oferecer à humanidade uma nova referência de relacionamento entre irmãos, onde a competitividade ceda lugar à cooperação.
De um lado encontramos Pedro, representante do paradigma abélico, a quem Cristo confia os cuidados de Suas ovelhas (Jo.21:17). Do outro lado, Paulo, representante do paradigma caímico, que antes de converter-se, respirava ameaças contra os cristãos (At.9:1), a quem Cristo confia os cuidados de Sua lavoura (1 Co.3:9). Assim como Caim, construtor da primeira cidade, Paulo foi o que lançou, como sábio arquiteto, o fundamento da civilização do reino (1 Co.3:10).
Ironicamente, Paulo foi o mais nômade dos apóstolos. Assim como Caim, apesar de ser agricultor, andou foragido pela terra. E o paralelo entre o apóstolo dos gentios e o primeiro filho de Adão não termina aí. Ambos traziam uma marca. No caso de Caim, era uma marca posta por Deus para que ninguém o tocasse. Já Paulo afirmava trazer no corpo as marcas de Cristo. Tal como a marca em Caim, o objetivo da marca de Cristo em Paulo era para que ninguém o molestasse (Gn.4:15; Gl.6:17). A Caim, Deus disse: Se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”(Gn.4:7); o que parece encontrar eco na avaliação que Paulo faz de si mesmo: “Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; e com efeito o querer está em mim, mas não consigo realizar o bem.Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim” (Rm.7:18-20).
Apesar dos inegáveis paralelos entre os dois primeiros filhos de Adão e os dois mais proeminentes apóstolos de Jesus, o fato é entre estes o desfecho foi diferente. Em vez de hostilidade, eles venceram a rivalidade e deram testemunho de que ambos trabalhavam no mesmo propósito, ainda que com focos diferentes.
Veja o que Paulo diz sobre Pedro:
“Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo, e eu de Apolo, e eu de Cefas (Pedro), e eu de Cristo.Está Cristo dividido? foi Paulo crucificado por vós? ou fostes vós batizados em nome de Paulo?” 1 Coríntios 1:12-13
Repare isso: em vez de alimentar a rivalidade, Paulo pôs um ponto final nela. Numa outra passagem da mesma epístola, ele diz: Portanto, ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso;seja Paulo, seja Apolo, seja Cefas (Pedro), seja o mundo, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso,e vós de Cristo, e Cristo de Deus”(1 Co.3:21-23).
Entre os apóstolos ficou acertado que Pedro se dedicaria a alcançar “as ovelhas perdidas de Israel”, “os da circuncisão”, enquanto que Paulo se dedicaria aos gentios (Gl.2:7-9). Delimitadas as fronteiras entre seus ministérios, houve um episódio em que Pedro demonstrou certa instabilidade, assumindo uma postura incoerente com quem se dedicava exclusivamente aos judeus. Paulo não deixou por menos. De maneira honesta e franca, chamou a atenção do colega (Gl.2:14). O respeito entre eles se manteve intacto. Não foi intriga, disse-me-disse ou disputa, mas diálogo respeitoso e sincero. E a prova disso é o testemunho que Pedro dá acerca de Paulo, chegando mesmo a sair em sua defesa:
“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor; como também o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada;falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras, para sua própria perdição.”2 Pedro 3:15-16
Se houvesse qualquer animosidade entre eles, Pedro jamais conferiria às epístolas de Paulo o status de Escrituras. Mesmo admitindo certa dificuldade em entender tudo o que o colega de ministério escrevia, Pedro sai em sua defesa. Portanto, a relação entre Pedro e Paulo nos oferece um novo paradigma em substituição ao arquétipo representado em Caim e Abel. O pastor e o lavrador agora podem caminhar juntos. O pescador e o fazedor de tendas podem somar esforços em um mesmo propósito.
Cristo resgata a importância da vocação original do homem que é a de lavrar e guardar o jardim de Deus. Mas não abre mão da vocação pastoril. Ambas são vocações de cuidado. A união dessas duas vocações é representada pelo arado. O arado é a ferramenta usada para arar a terra, preparando-a para o plantio. Geralmente, o arado é puxado por um animal. Nele, as atividades pastoril e agrícola se mesclam. Jesus diz que “ninguém que lança a mão do arado e olha para trás é apto para o reino de Deus” (Lc.9:62).

O próprio Deus reúne em Si mesmo ambas as atividades. Ele é tanto o agricultor que cultiva a videira (Jo.15:1), quanto o sumo pastor perante quem todos os pastores terão que prestar contas (1 Pe.5:2-4).

* Leia o post anterior desta série para uma melhor compreensão do assunto, e não perca amanhã o último post da série "A Igreja e a inserção cultural".

A Igreja e a inserção cultural - Última Parte

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Por Hermes C. Fernandes
Arquetipicamente, as atividades agrícola e pastoril representam respectivamente a tradição e a vanguarda. Como disse Jesus, um escriba versado no reino de Deus é como um chefe de família que tira do seu bom tesouro coisas novas e velhas (Mt.13:52). Ambas são importantes na composição da sociedade. O que é bom deve ser preservado, mas jamais se deve prescindir do novo.
“Renovo”, por exemplo, é um termo agrícola. Cristo é profetizado como sendo o renovo do Senhor, “cheio de beleza e de glória”(Is.4:2). Esta profecia parece contrastar com outra proferida pelo mesmo profeta, que diz que Ele “foi subindo como renovo perante ele, e como raiz de uma terra seca; não tinha beleza nem formosura e, olhando nós para ele, nenhuma beleza víamos, para que o desejássemos” (Is.53:2). Em ambas as passagens, Cristo é predito como um renovo, porém, numa é dito que Ele viria cheio de beleza e de glória, enquanto que noutra é dito que não veríamos beleza alguma nele. Trata-se, porém, da mesma realidade. O problema não estaria n’Ele, mas em nós, em nossa incapacidade de enxergar Sua beleza. Se não for o Senhor a nos abrir os olhos, permaneceremos indiferentes à beleza revelada em Cristo. Porém, nada altera o fato de que Ele é o renovo da humanidade, brotando de uma terra seca.
Este renovo, todavia, deve se espalhar entre os homens. O salmista profetizou que quando a misericórdia e a verdade se encontrassem e a justiça e a paz se beijassem, “a verdade brotará da terra, e a justiça olhará desde os céus. Também o Senhor dará o que é bom, e a nossa terra dará o seu fruto” (Sl.85:10-12). Portanto, há uma condição que o solo deve apresentar para que a verdade brote dele. Dois binômios aparecem aqui: misericórdia e verdade, justiça e paz. Será o encontro entre eles que produzirá as condições necessárias para a aparição do renovo entre as nações. Urge, portanto, que haja tal síntese. Tanto a misericórdia, quanto a paz apontam para a oferta de Abel, que por sua vez, tipifica o sacrifício de Cristo pelos homens. Ele é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. Ora, quando falamos de cordeiro, lembramo-nos da atividade pastoril, aquela desenvolvida por Abel. Já a verdade e a justiça apontam para os frutos, o que nos remete à atividade de Caim. Sua oferta, todavia, não foi recebida por Deus, não por causa de sua natureza, mas por não ter sido entregue com a motivação correta. Todavia, em Cristo, a natureza da oferta de Caim é reabilitada. Por isso, Paulo diz que devemos ser “cheios do fruto de justiça, que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”(Fp.1:11). Além de ser o Cordeiro, Ele também é a Videira Verdadeira, da qual o Pai é o agricultor. É por meio d’Ele que somos capaz de produzir frutos excelentes, cheios de justiça e verdade.
Em Cristo, Caim e Abel se reencontram. A oferta de Caim é reabilitada. Pastores e agricultores dão as mãos. A cidade de Deus e a cidade dos homens se tornam numa única realidade.
Assim como a videira precisa ter seus ramos devidamente podados para que continuem a frutificar, para que o solo produza o renovo, precisa ser devidamente preparado. O preparo do solo passa por três processos:
·         Fertilização/Adubação
·         Aragem
·         Irrigação
Adubar significa enriquecer o solo com elementos nutrientes, quando este apresenta deficiência de minerais. Para isso, são utilizados adubos, que podem ser orgânicos (por exemplo: esterco, farinha de osso, folhas, galhos enterrados) ou minerais, que são inorgânicos (por exemplo: substâncias químicas são aplicadas, como nitrato de sódio, um tipo de sal).
O que nos serviria de adubo orgânico na fertilização do solo deste mundo?
Depois de apresentar suas credenciais e seu currículo vitae, Paulo diz que considerava tudo aquilo como “refugo”. O fato de ter sido circuncidado ao oitavo dia, como mandava a tradição, de pertencer à linhagem de Israel, à tribo de Benjamim, de ser hebreu de hebreus, fariseu, zeloso e irrepreensível no cumprimento da Lei a ponto de perseguir a igreja (Fl.3:4-8), era considerado pelo apóstolo como sendo adubo orgânico, capaz de preparar o solo para que a semente nele depositada pudesse germinar e frutificar. Nossas experiências existenciais não podem ser desprezadas. Por mais negativas que pareçam, foram permitidas por Deus para serem o adubo orgânico de que o solo necessita. A educação que recebemos, a família na qual nascemos, nossa formação acadêmica, os lugares por onde passamos, os traumas que sofremos, e até os posicionamentos equivocados que adotamos, preparam o solo de nossa existência para que fôssemos quem nos tornamos. Tudo teve um propósito. Até as tradições nas quais fomos inseridos cooperaram para prover um solo fértil para o surgimento de coisas novas. Todavia, não devemos nos estribar em nada disso. O lugar do adubo é no chão! Devemos reconhecer o papel que tudo isso teve em nossa história, sem, contudo, nos envaidecer. Nossa suficiência vem de Cristo.
E quanto ao adubo inorgânico?
“Vós sois o sal da terra; e se o sal for insípido, com que se há de salgar? Para nada mais presta senão para se lançar fora, e ser pisado pelos homens.” Mateus 5:13

Muita coisa se tem dito acerca da passagem em que Jesus afirma que somos o sal da terra. Fala-se em sal como tempero que realça o sabor da comida e como conservante que impede que a carne apodreça. Fica a impressão que o papel do sal é sempre o de conservar, manter as propriedades naturais das coisas ou realçar seu sabor. Porém, não era nisso que Jesus pensava quando tomou o sal como referência de nossa atuação no mundo. Ele não disse que éramos o sal da comida ou o sal da carne, e sim, o sal da terra. Para que serve o sal na terra? Para torná-la fértil novamente e assim, possibilitar que produza frutos. Com o passar do tempo, é natural que o solo perca sua fertilidade, e esta se dá pela perda de sais minerais. Portanto, o uso do sal na terra é uma maneira de remediar. O papel da igreja, portanto, é promover a fertilização do solo deste mundo para que ele volte a frutificar diante de Deus. Se, todavia, nos tornamos insípidos, para nada serviremos senão para sermos pisados pelos homens. Não faremos qualquer diferença no mundo. O mundo se manterá indiferente à nossa presença. Os homens transitarão por nós sem nem sequer nos perceber. Passaremos incólumes pela vida.
Nosso papel como sal é resgatar o mundo de sua esterilidade espiritual. E para tal, precisamos ser pulverizados, espalhados pelo mundo afora, distribuídos em cada área da sociedade. Assim como na ocasião em que o profeta Eliseu pediu que lhe trouxessem um prato novo cheio de sal, e o lançou no manancial das águas para que sarassem de sua esterilidade (2 Reis 2:20-21), temos que ser espargidos na cultura, nas ciências, na política, em nossa vizinhança, nos grandes e pequenos centros urbanos, nas comunidades ribeirinhas, nas favelas, nos condomínios, etc. Nenhum ambiente deve ser poupado de nossa presença. 
Apesar de extremamente importante, adubar o solo é remediar.  A questão é: como impedir que o solo perca a fertilidade? Que medidas preventivas podem ser tomadas?

1 - Rotação de culturas
A rotação de culturas consiste de alternar o plantio de leguminosas com outras variedades de plantas no mesmo local. Dessa forma as leguminosas, pela associação com bactérias que vivem nas suas raízes, devolvem para o local nutrientes utilizados por outras plantas, evitando o esgotamento do solo.
O que tal rotação de culturas representaria para nós que cooperamos com a implantação do reino de Deus neste mundo?
Se há um adjetivo que não cabe em Deus é a previsibilidade. Isso porque Deus está sempre inovando. Suas obras não seguem escala industrial. Quantas vezes O vemos abrir o Mar Vermelho, por exemplo? Quantas vezes O flagramos andando por cima das águas? Quantas vezes transformou água em vinho? Infelizmente, preferimos lidar com uma divindade que seja absolutamente previsível, que haja sempre dentro de um padrão. Sentimo-nos confortáveis com isso. Nada mais desconcertante do que lidar com um Deus que não cabe dentro de uma caixinha, e age com a mais absoluta soberania. Portanto, não há como nos acostumar com Ele. Sempre somos surpreendidos com Suas obras. Daí a exclamação do salmista que nos faz saltar os olhos:
“Ó Senhor, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas.”Salmos 104:24
A igreja deve, no mínimo, buscar parecer com o Deus a quem cultua. Se somos, de fato, a agência do reino de Deus neste mundo, não podemos cair na mesmice. É pela igreja que “a multiforme sabedoria de Deus” é revelada no mundo (Ef.3:10). Portanto, não podemos nos tornar reféns da monotonia, nem esboçar uma fé que cheire a naftalina.
Tudo o que Deus faz por nós, em nós e através de nós tem a marca da variedade. Paulo diz que “há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos.Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil”(1 Coríntios 12:4-7). A despeito da variedade de Suas manifestações, o critério é imutável: a utilidade. Em outras palavras, os dons visam a produção de frutos. Deus não desperdiça recursos. Compete, entretanto, a cada um de nós administrar de melhor maneira possível “o dom como o recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus” (1 Pe.4:10), visando sempre o bem de outrem, e não nossa promoção ou aprazimento pessoal.
Além da variedade de dons e manifestações, há também uma variedade de abordagens. Basta uma leitura superficial dos evangelhos para perceber que Jesus jamais foi repetitivo em Suas abordagens. A igreja, porém, parece preferir usar uma mesma abordagem à exaustão, até que não produza mais os efeitos desejados.
A Nicodemos, o velho fariseu, Jesus disse que era necessário nascer de novo. À mulher samaritana à beira do poço, Ele disse que lhe daria uma água que a saciaria de uma vez por todas. A Zaqueu, o cobrador de impostos corrupto, Ele disse que desejava hospedar-se em sua casa. À mulher flagrada em adultério e prestes a ser executada sumariamente, Ele admoestou: Vai e não peques mais! A Pedro, o pescador, Ele convidou a segui-Lo e a tornar-se num pescador de homens. Repare que eram abordagens distintas e personalizadas. O problema é que o que Jesus fazia no varejo, queremos fazer no atacado. Achamo-nos no direito de padronizar a atuação de Deus no mundo. E qualquer coisa que nos pareça diferente, julgamos ser excêntrica e herética.
A sabedoria e a graça de Deus não são uniformes, mas multiformes. Portanto, deixemos de lado as fórmulas preconcebidas, os apelos padronizados, e recorramos à criatividade concedida pelo Espírito Santo, evitando, assim, que as pessoas se tornem evasivas e resistentes à mensagem do Evangelho.

2 - Aragem do solo
Arar o solo é outro cuidado que se deve tomar para que o solo não fique compactado, "socado". Revolver a terra, além de arejar, facilita a permeabilidade do solo, permitindo que as raízes das plantas penetrem no solo, além de levar para a superfície o húmus existente.
A ferramenta usada na aragem é o arado. Nos tempos bíblicos, o arado era puxado por um animal, geralmente um boi. Por isso, o arado é uma ferramenta que representa a união de duas culturas: a agrícola e a pastoril. Tradição e vanguarda precisam somar esforços para manter o solo fofo, pronto a receber as sementes.
É através da aragem que se abre espaço para a circulação do ar. Engana-se quem pensa que o Evangelho seja um sistema tão hermeticamente fechado que não permita espaço para o diálogo respeitoso com tradições de diversos matizes.
Além da aragem artificial, há também a aragem natural feita pelas minhocas. Um solo sem minhocas indica infertilidade. Por mais asqueroso que nos pareçam, as minhocas cumprem um importante papel na fertilização do solo. As minhocas comem o material do solo e da planta, deixando para trás pedaços de excrementos indigestos - esterco de minhoca, (húmus). Estes pedaços, como qualquer outro estrume, fertilizam o solo, adicionando nutrientes e outros materiais que proporcionam benefícios biológicos, químicos e físicos para o crescimento das plantas. O húmus é o produto resultante da matéria orgânica decomposta, a partir do processo digestório das minhocas, formando uma compostagem natural, agregando ao solo os restos de animais e plantas mortas e também seus subprodutos. É considerado o mais completo adubo, apresentando as seguintes características físico-químicas: não possui cheiro, é uma substância asséptica, rico em nutrientes, além de possuir textura macia.
As minhocas do subsolo escavam túneis e, assim, fornecem drenagem durante os períodos de chuva forte, além de passagem para o ar e para as próprias raízes das plantas. Também ajudam soltando e misturando o solo de modo a formar as condições ideais de plantação.
Não há porque ter nojo, mesmo porque, ninguém vai comê-las. De maneira análoga, há ideologias e tradições humanas que não devem ser ‘digeridas’, mas que servem para manter o solo revolvido e fofo. Instigam os homens a refletirem e a se reposicionarem acerca de grandes temas e dilemas que os cercam.

3 - Irrigação e drenagem
Irrigar e drenar são alguns dos cuidados que devem ser tomados para manter o nível da umidade necessário ao solo a fim de garantir que ele continue fértil.
Com a irrigação, a água chega às regiões ou áreas mais secas. Já com a drenagem, retira-se o excesso de água do solo, possibilitando que ele seja arejado. Com o aumento dos poros, criam-se passagens de ar entre as partículas do solo.
Enquanto a aragem se faz antes de lançar a semente no solo, a irrigação começa antes e continua ao longo do cultivo.
De maneira análoga, nosso trabalho na implantação do reino de Deus deve ser visto dentro de um contexto geracional. Se somos os que plantam, quem nos antecedeu teve que arar a terra, e quem nos suceder terá que regar a plantação.
Paulo demonstra isso tomando-se como exemplo juntamente com Apolo:
“Pois, quem é Paulo, e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor deu a cada um?Eu plantei, Apolo regou; mas Deus deu o crescimento.Por isso, nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento.Ora, o que planta e o que rega são um; mas cada um receberá o seu galardão segundo o seu trabalho.Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus.”1 Coríntios 3:5-9
O cultivo é um trabalho conjunto de várias gerações. Somos todos cooperadores. Tanto quem arou, quanto quem semeou e regou, são partes importantes no processo. Todavia, cabe a Deus garantir que a semente vingue, germine, cresça e frutifique.

4 – Descanso da terra

Quando Deus alojou Seu povo na terra prometida a Abraão e sua descendência, ordenou que a cada sete anos, a terra deveria descansar (Lv.25:3-5). Durante um ano inteiro, nada seria cultivado. Porém, o povo de Israel sonegou o descanso devido ao solo. Por 490 anos a terra continuou sendo cultivada ininterruptamente. Interessante que hoje, milhares de anos depois, a ciência comprova que se a terra não descansar a cada seis colheitas, ela perde a fertilidade.

Foi necessário que Deus permitisse a invasão de Jerusalém por parte do exército da Babilônia e que seus filhos fossem levados em cativeiro por 70 anos.  Chegara a hora da cobrança. A terra já não suportava mais. E se ela deixasse de produzir, a fome destruiria aquela nação. Se dividirmos 490 por 7, veremos que dá exatamente 70 anos, o tempo de descanso acumulado.

Deixar a terra descansar é entregá-la a si mesma, permitindo que produza espontaneamente, no ritmo que a própria natureza impõe, sem interferência humana. O que podemos aprender com isso?

Às vezes temos que diminuir o ritmo e esperar por um tempo de maturação, deixando que as coisas aconteçam sem qualquer pressão externa.

Nas sábias palavras do escritor de Eclesiastes, há um tempo para tudo debaixo do sol. Há um tempo que deve ser dedicado à evangelização ostensiva, e há um tempo em que devemos apenas esperar pacientemente. Uma igreja viciada em proselitismo terá sérias dificuldades de entender isso. Ela está mais preocupada com números, com estatísticas. É daí que surgem os números evangelásticos. Tudo para impressionar. Afinal de contas, quanto mais membros, mais capital político se tem, maior o poder de barganha. É lamentável constatar isso. Quando daremos descanso à terra? Quando a deixaremos produzir por si só, em seu próprio ritmo, sem pressão, sem compromisso com resultados? Durante o tempo de descanso da terra não há poda, nem semeadura, nem colheita. A terra recobra seu estado selvagem.

Precisamos de um tempo de refrigério. Era assim que chamavam ao ano sabático em que a terra deveria entrar em descanso. Chega de estratégias mirabolantes, de avivamentos de marketing, de técnicas de crescimento de igreja. Tudo isso cansa. Exaure a terra. Suga suas energias.

Negar-se a entrar no descanso proposto pelo Senhor é um ato de flagrante rebeldia (Hb.4:1-11). Corremos o risco de recapitular Israel nos tempos dos profetas, quando o Senhor lhes dizia:“Este é o descanso, dai descanso ao cansado; e este é o refrigério; porém não quiseram ouvir.Assim, pois, a palavra do Senhor lhes será mandamento sobre mandamento, mandamento sobre mandamento, regra sobre regra, regra sobre regra, um pouco aqui, um pouco ali; para que vão, e caiam para trás, e se quebrantem e se enlacem, e sejam presos” (Is.28:12-13).

O que vemos hoje, senão uma igreja refém de suas estruturas e programas? Uma máquina eclesiástica preocupada apenas com a manutenção de suas engrenagens. Regras, técnicas, verdadeiras receitas de bolo visando tão somente resultados considerados positivos. 

Por isso temos hoje uma igreja performática, viciada em aplausos e disposta a promiscuir-se com os poderes deste mundo. 

* Para uma melhor compreensão do tema, leia os dois posts anteriores desta série.

Maria, a Mãe Subversiva de Jesus

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Por Hermes C. Fernandes


É indiscutível que para nós, cristãos, a figura central do Natal seja Jesus. José, Maria, os Magos, os pastores de Belém, e até os anjos, são apenas coadjuvantes nesta história de esperança para a humanidade. Cada um deles reagiu de maneira diferente à chegada do Redentor ao mundo. Os pastores anunciaram a todos na cidade. Os anjos cantaram nas alturas. Os Magos O presentearam. E Maria, o que fez? Qual teria sido a reação daquela que hospedou em seu ventre o Filho de Deus?Somente Lucas preocupou-se em relatar o cântico com que Maria expressou sua felicidade e expectativa com a chegada do Messias prometido. Seu cântico ficou conhecido como Magnificat:


"A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; porque atentou na condição humilde de sua serva; desde agora, pois, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas; e santo é o seu nome. E a sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua descendência, para sempre." Lucas 1:46-55

Embora tivesse "sangue azul" por pertencer à dinastia de Davi, Maria viveu na simplicidade e no anonimato, casada com um operário braçal. O trono antes ocupado por seus ancestrais, agora era ocupado por um rei marionete do império romano, cujo nome era Herodes. Seu povo vivia sob a tirania imperial. Maria era virgem, mas não ingênua. Humilde, mas não idiota. Santa, não alienada. 


A imagem que construiu-se de Maria não faz jus à sua postura subversiva expressada neste cântico. A jovem desposada com José era uma adolescente questionadora, com um espírito rebelde e revolucionário. Sua alma anelava por mudanças. Ao receber o anúncio trazido por Gabriel, ela soube que o ente gerado em seu ventre era a resposta aos seus anelos, bem como aos anseios do seu povo. 


Como que vislumbrando o futuro, Maria declarou profeticamente que Deus havia deposto os poderosos do trono, e elevado os humildes. Ela fala como alguém que vivia além do seu próprio tempo. Era como se fosse uma visitante proveniente do futuro. Para ela, tais fatos não aconteceriam um dia, mas já teriam acontecido. Deus já teria enchido de bens os famintos, e despedido vazios os ricos. Se isso não é uma revolução social, o que é, então? Os defensores do status quo preferem espiritualizar passagens como esta, para que se encaixem em sua agenda ideológica e política. Porém, a jovem Maria não está falando de coisas estritamente espirituais, mas concretas, abrangendo a realidade sócio-econômica, política e cultural. 


O nascimento de Jesus anunciava que a linearidade do tempo havia sido subvertida, de modo que o futuro invadira o presente. Aquele que Se apresenta como o Princípio e o Fim, agora vive em nosso meio. A ordem predominante teria que ser colapsada para dar vazão ao Reino de Deus. A revolução há muito esperada fora deflagrada, e aquele seria, definitivamente, um caminho sem volta. Nunca mais o mundo seria como antes. 


Como todo subversivo que ameaça o establishment, Maria teve que exilar-se com seu filho e esposo no Egito, onde viveram na clandestinidade até o momento designado por Deus.


Pelo cântico que compôs, dá para inferir que valores Maria teria transmitido para seu Filho. 


Com o tempo, o cristianismo deixou sua marginalidade essencial para tornar-se em religião oficial. Maria deixou de ser vista como subversiva, para tornar-se numa espécia de padroeira do status quo. Domesticaram a mãe do Salvador.  Desproveram-na de sua rebeldia. Tornaram-na inofensiva. O mesmo fizeram com a igreja cristã, que deu as costas aos pobres, humildes e oprimidos, para aliar-se aos poderosos.


Se quisermos ver as profecias de Maria cumpridas, temos que dar meia-volta, trair nossos laços com os interesses econômicos e políticos, e abraçar nossa vocação subversiva. Se Maria estava certa, e de fato, anteviu o futuro, isso eventualmente acontecerá. E quando ocorrer, o Natal passará a ser celebrado como uma data revolucionária, como é a celebração da revolução francesa ou da inconfidência mineira. 


Ah se arrependimento matasse...

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Por Hermes C. Fernandes

Sempre que se aproxima o fim de mais um ano, proponho em meu coração que me empenharei ao máximo para que no novo ano que estar por nascer eu tenha cada vez menos motivos para me arrepender.

Sim, eu sei que as Escrituras nos exortam ao arrependimento constante (e aqui, não me refiro ao arrependimento simplesmente como metanoia, expansão de consciência, mas à tristeza que sentimos pelos erros cometidos, seguida pela determinação em não mais cometê-los). Todavia, se eu buscar errar menos, terei menos motivo de me arrepender, não é verdade? Não deveria ser este o nosso propósito, errar menos?

Geralmente, destacamos dois grandes motivos pelos quais devemos nos arrepender: pelo mal que fizemos e pela oportunidade de fazer o bem que desprezamos.  Dizem que os piores arrependimentos são justamente por aquilo que poderíamos ter feito, mas não o fizemos. Ambos os arrependimentos são legítimos e plenamente compreensíveis.

Todos conhecemos e já usamos alguma vez a expressão “se arrependimento matasse, eu já estava morto”, o que parece contrastar com a verdade bíblica de que Deus nos concede “arrependimento para a vida” (Atos 11:18) e de que “a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação” (2 Coríntios 7:10). Porém, há um tipo de arrependimento que, de fato, pode nos levar à morte, ainda que espiritual. Trata-se, na verdade, de um arrependimento que chega a ser ofensivo a Deus. Mas por incrível que pareça, é justamente este arrependimento que nos ocorre com maior frequência (ainda que não admitamos!).

Em Jeremias 34, a partir do verso 8, lemos que Deus havia feito um pacto com o Seu povo em Jerusalém através do rei Zedequias, exigindo que todos os escravos recebessem alforria.  Ninguém mais poderia se servir de seu próximo como escravo. Imediatamente, todos os príncipes e o povo em geral concordaram com os termos do pacto e libertaram seus escravos.  Finalmente, uma mazela social que acompanhava a nação judaica desde sua formação estava com os dias contados.  Judá seria a primeira nação a abolir a escravidão, servindo como modelo para todas as nações da terra.

Pode imaginar o sorriso no rosto de Deus?

O Criador de todas as coisas deu-lhes uma ordem, e eles, sem questionar, obedeceram... “mas depois se arrependeram, e fizeram voltar os escravos e as escravas que haviam libertado, e tornaram a escraviza-los” (v.11).

Como assim? Se arrependeram de haver obedecido a Deus? É isso mesmo? Como é possível isso?

Este é o tipo de arrependimento que mata, pois nos afasta da fonte da vida, na medida em que nos desconverte, isto é, nos converte de volta a nós mesmos.

Toda conversão é resultado de arrependimento. Se há um arrependimento que nos leva de volta à fonte, há outro que nos aliena, provocando-nos uma conversão inversa.

Ninguém se arrepende de um bem que faz quando este lhe proporciona um bem ainda maior, principalmente se for imediatamente. A gente até se dispõe a obedecer, desde que esta obediência nos gere dividendos. Que benefício imediato adviria da libertação dos escravos? Nenhum! Pelo contrário, só prejuízo.

Sem os escravos a seu serviço, eles teriam que contratar mão-de-obra paga, ou arregaçar as mangas e trabalhar.

Triste constatar que as pessoas só fazem o bem que lhes traga vantagem. Por isso, pregadores se veem obrigados a prometer mundos e fundos, céu e terra, àqueles que se disponham a se submeter às regras.  Para contribuir com as obras da igreja, seja através de dízimos ou ofertas, precisam de garantias de que serão abençoados. Sem que tenham vantagem, não movem uma palha. Ninguém faz nada exclusivamente por amor. Quão distantes estamos de Deus, não?

O trabalho dos pregadores é convencer a seus respectivos rebanhos das vantagens obtidas por se fazer o bem.  Antes, as pessoas se contentavam com promessas que só seriam cumpridas na vida após a morte. Agora, não mais. Se o resultado de se fazer o bem não for imediato, não tem negócio!

Abolir a escravidão seria uma revolução que, antes de tudo, promoveria o bem dos próprios escravos. De início, os que se achavam seus donos só teriam prejuízo. Por isso, se arrependeram. Enquanto eram exortados por Zedequias e pelos profetas levantados por Deus, na emoção do momento, todos toparam sem titubear. Mas quando a ficha caiu, deram para trás.

Jamais se arrependa de um bem que você faça, ainda que não resulte em qualquer benefício pessoal, nem mesmo num gesto de reconhecimento e gratidão.  Às vezes, fazer o que é certo lhe trará muita dor de cabeça, prejuízo e ingratidão. Ainda assim, posso lhe garantir que terá valido a pena. Nada é mais gratificante do que saber que um gesto foi capaz de extrair um sorriso da face de Deus. E isso geralmente acontece quando tal gesto produz o bem de outros para além de nós mesmos.

Será que Jesus, o único que jamais pecou, alguma vez se arrependeu? Teria Ele se arrependido de haver escolhido Judas como um dos Seus apóstolos? Estou convencido de que não, mesmo levando em conta a traição de que fora vítima. 

Dentre os textos atribuídos a Madre Teresa de Calcutá, nenhum me emociona mais do que o que nos admoesta a fazer o bem, ainda que nos custe caro.

Entre você e Deus

Muitas vezes, as pessoas são egocêntricas, ilógicas e insensatas.
Perdoe-as, assim mesmo.
Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo de egoísta, interesseiro.
Seja gentil, assim mesmo.
Se você é um vencedor, terá alguns falsos amigos e inimigos verdadeiros.
Vença, assim mesmo.
Se você é honesto e franco, as pessoas podem enganá-lo.
Seja honesto e franco, assim mesmo.
Se você tem paz e é feliz, as pessoas podem sentir inveja.
Seja feliz, assim mesmo.
O bem que você faz hoje pode ser esquecido amanhã.
Faça o bem, assim mesmo.
Dê ao mundo o melhor de você, mas isso pode nunca ser o bastante,
Dê o melhor de você, assim mesmo.
Veja você que, no final das contas é entre você e Deus e não entre você e os homens.

*** 

Portanto, ao fazer um eventual balanço existencial em mais um fim de ano, não se arrependa de haver doado, amado, perdoado, acolhido, pois o bem que fazemos durante o tempo de nossa vida terrena, ecoa por toda a eternidade. E lembre-se: a recompensa de quem ama é o bem de quem é amado.

"E vós, irmãos, não vos canseis de fazer o bem." 2 Tessalonicenses 3:13

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Mais presépios, menos presepadas

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Por Hermes C. Fernandes

Um dos costumes mais populares durante o período natalino é o de montar presépios. O primeiro presépio do mundo teria sido montado em argila em 1223 por ninguém menos que Francisco de Assis. Naquele ano, em vez de celebrar a noite de Natal na igreja, como de hábito, Francisco resolveu celebrá-la na floresta, para onde mandou transportar uma manjedoura, um boi e um burro. Seu objetivo era explicar o Natal às pessoas comuns, camponeses iletrados que não tinham acesso aos textos bíblicos que narravam o nascimento de Jesus. O costume acabou se espalhando por entre as principais Catedrais, Igrejas e Mosteiros da Europa durante a Idade Média, começando a ser montado também nas casas de Reis e Nobres a partir do Renascimento. Somente no Século XVIII que o costume de montar o presépio se disseminou pelas casas comuns por toda Europa e, posteriormente pelo mundo.

Cristãos em países de tradição protestante como os Estados Unidos não têm qualquer problema com esta tradição. Porém, no Brasil, o presépio tem encontrado muita resistência por parte dos evangélicos, principalmente os neopentecostais, entre os quais, muitos sequer celebram o Natal. Esta resistência se deve, sobretudo, à associação que se faz entre as imagens do presépio e os santos venerados no catolicismo.

Nem mesmo os católicos mais fervorosos encaram o presépio como um altar de devoção. Trata-se, tão somente, de uma lembrança da cena do nascimento de nosso Salvador. 

Pode ser usado para ajudar as crianças a imaginarem e compreenderem as condições em que Jesus veio ao mundo. 

Em vez de se preocuparem tanto com os presépios, os cristãos deveriam preocupar-se mais com as presepadas que têm sido feitas em cima da figura de Seu Mestre e Redentor. Em vez de vociferarem contra árvores de Natal, guirlandas, papai Noel e presépios, os pregadores fariam bem em denunciar o consumismo exacerbado, a gula que põe em risco nossa saúde, a avareza, o narcisismo, e, sobretudo, as chagas sociais que acometem, sobretudo, aos excluídos e marginalizados. 

Sugiro que neste Natal haja mais presépios e menos presepadas. Mais amor e menos exploração da fé. Mais solidariedade e menos auto-promoção. Mais companheirismo e menos corporativismo. Enfim, mais JESUS!


Porque fiz as pazes com o Papai Noel

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Por Hermes C. Fernandes

Acabo de chegar de uma cantata numa igreja hispana em Deltona, Florida. Devo admitir que aprecio muito a atmosfera natalina. Gosto de ver as casas enfeitadas, os shoppings lotados, o corre-corre, a mesa farta, a troca de presentes, e até… o Papai Noel. Isso mesmo que você acabou de ler. Sou fã do bom velhinho. Tive minhas desafensas com ele anos atrás, pois julgava que estava usurpando o lugar de Cristo. De um tempo pra cá, fiz as pazes com o velho Noel. Antes que alguém me esconjure, deixe-me explicar.

Gosto de ver as casas enfeitadas, porque nesta época do ano elas se tornam mais aconchegantes. Os olhos da criançada brilham enquanto vêem a mãe enfeitando a árvore com penduricalhos e pisca-pisca. Quem não tem uma boa lembrança da infância quando chega este período do ano? Aqui nos Estados Unidos dá pra gente saber quem é cristão ou não pela maneira como a casa é decorada para o Natal. Geralmente, enchem-nas de pisca-piscas ao redor da casa, luzes coloridas, presépios, bonecos de neve, veados e alces, trenós, etc. Quando uma casa não é enfeitada, presume-se que ali more uma família judia, ou hinduísta, ou de qualquer outro credo, ou mesmo, sem credo. As casas iluminadas contagiam a vizinhança de um clima de celebração. Aqui em casa reunimos os filhos para ajudar na decoração. Esta semana, enquanto eu e Tânia armávamos o pinheiro de natal, lembrei-me de que foi o grande reformador Martinho Lutero quem começou esta tradição. As bolas representavam o fruto do Espírito Santo. O pinheiro foi escolhido porque é a única árvore a sobreviver à estação do inverno nos países onde é mais rigoroso sem perder a folhagem.

Por que gosto de ver os shoppings lotados? Não seria isso um culto ao consumismo? Que tal deixarmos um pouco o radicalismo de lado? Primeiro, por conta da explosão de vendas, a indústria e o comércio podem empregar mais gente. A economia do país melhora. E quanto à motivação que leva multidões às compras? Não seria a generosidade, uma vez que a maioria vai aos shoppings para comprar presentes? Não seria isso inspirado no exemplo dos magos que ofertaram ao menino Jesus os seus tesouros? Mesmo que gaste parte do sermão natalino pregando contra o espírito consumista predominante nesta época, gosta de receber presentes ao término do culto. Em vez de criticar quem gaste parte de seu orçamento com lembrancinhas, por que não incentivar que pelo menos uma parte dos presentes seja dada aos mais necessitados? Você sabia que é nesta época que as crianças que vivem em orfanatos recebem mais visitas e presentes? O Natal consegue despertar o melhor que há nos homens.

Gosto de mesas fartas. Alguém aí prefere ver famílias que distribuem seus filhos entre casas de vizinhos e parentes, ou simplesmente vão dormir mais cedo por não terem condição de montar uma mesa com as iguarias natalinas? Não confunda isso com glutonaria! Em vez de criticar, líderes poderiam incentivar os fiéis a não desperdiçarem comida, distribuindo para os moradores de rua no dia seguinte. Toneladas de alimento vão pro lixo um dia depois do natal. Isso é que deveria ser condenado.

E quanto ao Papai Noel? Quer saber por que fiz as pazes com ele? Porque cheguei à conclusão de que não será uma figura imaginária que ameaçará a supremacia de Cristo no Natal. Já houve quem até satanizasse o velhinho. Uma igreja na Inglaterra chegou a dizer que o seu nome em inglês seria um anagrama do nome  "Satan". Isso porque seu nome em inglês é Santa Claus, devido à tradição que o associa a São Nicolau. Na mente fértil desta turma, Santa, como geralmente é chamado pela criançada nos países de língua inglesa, seria na verdade Satan, bastando trocar a letra “n” de lugar. #Peloamordedeus! Imagina se o meu Jesus ficaria enciumado por causa de um personagem fictício, que no imaginário popular representa generosidade! Por que não usar a própria figura do Papai Noel para anunciar a Cristo às crianças? Seria muito mais produtivo do que simplesmente demonizá-lo. Imagine alguém fantasiado de Noel numa comunidade carente, com o saco cheio de presentes pra criançada, de repente, antes de distribuí-lo, ele anuncia que o verdadeiro presente de Natal é Jesus, dado por Deus aos homens para que tenham vida eterna. Ademais, sinto-me mais confortável de ver o "bom velhinho" sendo usado como garoto propaganda durante o período natalino, do que ver o meu Senhor tendo Sua imagem associada a qualquer que seja o produto. Seria, no mínimo, desrespeitoso. 

Cristo jamais foi ameaçado por personagem algum. No Natal há lugar para o magos do Oriente, para os pastores de Belém, para o anjo Gabriel, e pra tantos outros personagens bíblicos, inclusive o malévolo rei Herodes. Noel entra de penetra, mas é bem-vindo. Apesar de ser associado a Nicolau, um cristão primitivo que prezava as crianças, tornou-se num ícone natalino através de uma campanha da Coca-cola nos anos 30. Antes disso, ninguém o reconheceria vestido com aquela roupa vermelha, botas pretas, saco de brinquedos e trenó.

Dito isso, desejo a todos os meus leitores um Natal repleto de alegria e contentamento no Espírito. E que os cristãos não sejam vistos como estraga-prazeres, e sim como aqueles que têm motivo extra pra festejar.

Publicado originalmente em 20/12/2010, durante minha estada na América.

Um culto temático de Star Wars

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Por Hermes C. Fernandes

Aproveitando o enorme sucesso do último filme da franquia "Star Wars", a Reina, igreja situada no bairro do Engenho Novo, zona norte do Rio, promoveu no último domingo um culto temático em que foram traçados inusitados paralelos entre a obra de George Lucas e o Evangelho de Jesus Cristo. 

Empunhando um sabre de luz, o bispo Hermes C. Fernandes abordou o tema "O despertar da força", demonstrando que muitas vezes a verdade pode vazar através de obras ficcionais como Star Wars.

Depois de alguns louvores, o grupo musical da Reina apresentou a canção "Será" de Renato Russo como introdução à reflexão da noite. Alguns dos músicos se vestiam com camisetas com estampas alusivas ao filme.

Sobre a plataforma, além de sabres de luz, o  busto e um boneco de stormtrooper e outro de Darth Vader posicionado sobre a estrela da morte com seu sabre de luz vermelha. 

Assim que assumiu o microfone, o bispo saudou à todos com a famosa saudação do filme: "Que a força esteja com todos!"

A partir daí, apresentou vários textos bíblicos revelando a verdadeira guerra nas estrelas em que estão envolvidos anjos, demônios e humanos. 


Segundo o bispo da Reina, o vilão Darth Vader seria um tipo de Cristo, caso este houvesse cedido ao

lado sombrio da força durante a tentação a que foi submetido no deserto. Foi por ter resistido bravamente, que Ele pôde nos oferecer tão grande salvação. Já Luke Skywalker não cedeu, mesmo ao saber que atrás daquela máscara estava ninguém menos que seu próprio pai. Era preferível perder a vida a sucumbir ao lado sombrio da força.

Por mais de uma hora, as Escrituras foram expostas, começando ao som da famosa trilha sonora do filme. Ninguém desviava a atenção, tanto pela Palavra ministrada, quanto pelos slides com imagens extraídas da obra cinematográfica.

Após a mensagem, todos oraram juntos, alguns com lágrimas nos olhos, desejosos de permanecerem firmes no propósito de servir a Deus, servindo ao próximo.

Um dia antes, a Reina promoveu um Choque de Amor no Lixão de Jardim Gramacho, onde foram distribuídas cestas básicas com itens natalinos para 108 famílias. A verdadeira guerra não é contra homens de carne e osso, mas contra estruturas injustas, contra o egoísmo, contra tudo o que nos desumaniza, enfatizou o bispo ao término de sua reflexão.

A cada domingo, a Reina promove cultos como este, em que assuntos atuais servem de pauta para as reflexões. Nos domingos anteriores, falou-se de racismo, de meio-ambiente e da morte dos cinco rapazes em Costa Barros. O assunto do próximo domingo será revelado ao longo da semana pelas redes sociais.


Abertos para balanço - Para quem não quer desperdiçar mais um ano de sua vida

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Por Hermes C. Fernandes

Chegamos a mais um ano novo. Depois das fartas vendas de final de ano, chega a época em que muitas lojas fecham para balanço. É hora de calcular os lucros ou eventuais perdas. Depois do balanço, as lojas costumam reabrir com grandes liquidações de estoque.

E quanto à vida que temos levado? Não haveria também um momento em que precisamos fazer um balanço?

Há três tipos de avaliação às quais devemos nos submeter.

O primeiro deles é a autoavaliação.

O apóstolo Paulo admoesta à todos os que participam da mesa do Senhor: “Examine-se o homem a si mesmo antes de comer deste pão e beber deste cálice” (1 Coríntios 11:28).

Este autoexame deve ser, ao mesmo tempo, introspectivo retrospectivo. Devemos avaliar nosso estado atual, e verificar se estamos numa carreira ascendente ou descendente, isto é, se estamos progredindo ou regredindo espiritualmente. Para isso, teremos que fazer um balanço que inclua deste do início de nossa caminhada com Deus até o momento presente. Paulo exorta os Coríntios: “Examinai-vos a vós mesmos se permaneceis na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não sabeis quanto a vós mesmos que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados” (2 Coríntios 13:5).

Às vezes não nos damos conta de que nossa vida espiritual se esfriou. Somos como aquela rã colocada numa panela de água fria, que não percebe que aos poucos a água está esquentando, e acaba cozida na água fervendo. Por isso, precisamos de uma referência em nossa própria caminhada, que é chamada nas Escrituras de “primeiro amor”(Ap.2:4). Se neste balanço descobrirmos que já estivemos numa situação espiritual melhor que a atual, temos que dar meia volta, e atender à recomendação de Cristo à igreja de Éfeso: “Lembra-te de onde caíste! Arrepende-te, e pratica as primeiras obras” (Ap.2:5a). Repare num detalhe: Não é lembrar “onde caiu”, mas “de onde caiu”. A caminhada cristã deve ser sempre ascendente. Temos a garantia de que seríamos guiados pelo Espírito Santo de “glória em glória”(2 Co.3:18). E se recuarmos, Deus não terá prazer em nós! A cada nova glória galgada, devemos parecer mais com Jesus.

Escrevendo a uma igreja que havia retrocedido, Paulo deixou escapar: “Corríeis bem. Quem vos impediu de obedecer à verdade?” (Gl.5:7). Paulo compara nossa jornada cristã à uma modalidade esportiva muito popular em sua época: o atletismo. Os cristãos da Galácia deixaram a raia, caíram da graça, abandonaram a santa ambição de um dia subir ao pódio celestial.

Usando a mesma analogia do atletismo, Paulo escreve em outra epístola:

“Todo aquele que luta, em tudo se domina. Eles para alcançar uma coroa corruptível, nós, porém, a incorruptível. Portanto corro, não como indeciso; combato, não como batendo no ar. Antes subjugo o meu corpo, e o reduzo à servidão, para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado.” 1 Coríntios 9:25-27

Se almejamos, de fato, a coroa da vida, temos que ser fiéis até a morte! Temos que concluir nossa carreira, e para isso, subjugar o nosso corpo, mantê-lo sob disciplina.

Muito perto de cruzar a linha de chegada, o apóstolo declarou:

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada...” 2 Timóteo 4:7-8a

As pessoas estão tão preocupadas em acumular bens, e serem bem-sucedidas, que perdem o foco da caminhada cristã, que nada mais é do que nos tornarmos semelhantes Àquele que nos chamou.

A coroa da vida, ou coroa da justiça, será o prêmio da soberana vocação, entregue àqueles que se mantiverem fiéis até cruzarem a linha de chegada. Portanto, a ordem é avançar! Esquecendo-nos das coisas que para trás ficam, e avançando para as que estão diante de nós, prossigamos para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus (Fp.3:13-14).

E para tal, há um custo. Não há balanço sem que se calcule os custos. E o custo para que alcancemos o alvo é a nossa vida. Por isso, não podemos amar nossas próprias vidas. Esta corrida é ganha por aqueles que “não amaram as suas vidas até a morte”(Ap.12:11b). Paulo sabia muito bem disso. Para manter seu corpo em disciplina e manter o foco no alvo, ele tinha que abrir mão da própria vida. Veja o que ele diz: “Mas em nada tenho a minha vida por preciosa, contanto que cumpra com alegria a minha carreira...”(At.20:24a). Alguém poderá objetar: Mas não pela graça? Sim! Mas não se trata de uma graça barata, aí não seria salvação, mas promoção, ou ainda, liquidação! A graça que se manifestou salvadora é a mesma que nos ensina a renunciar as paixões desta vida (Tt.2:11-12).

Quanto mais avançamos nesta corrida, mas nos desapegamos das coisas desta vida e nos voltamos para Aquele que é a própria Vida. Ele é a nossa Coroa! Nada mais nos interessa senão Ele!

Pergunto: Estamos hoje mais parecidos com Ele do que há dez anos? Como está o processo de transformação conduzido pelo Espírito Santo em nossa vida? Examine-se. Abra-se para este balanço.

Abertos à avaliação de outros

O segundo tipo de avaliação é a feita pelos outros. Quem disse que não devemos nos submeter a ela?

Temos que estar abertos constantemente à avaliação dos que nos cercam. E isto inclui, principalmente, aqueles que nos precederam na fé, ou que exercem autoridade espiritual sobre nós. Às vezes precisamos até de um avalista que dê testemunho de nossa transformação diante dos demais.

Confira comigo o episódio que narra a primeira viagem de Paulo a Jerusalém para encontrar-se com os apóstolos, três anos depois de sua conversão:

“Quando Saulo chegou a Jerusalém, procurava juntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não acreditando que fosse discípulo. Então Barnabé, tomando-o consigo, levou-o aos apóstolos e contou-lhes como no caminho ele vira o Senhor, e que este lhe falara, e como em Damasco pregara ousadamente em nome de Jesus. Andava com eles em Jerusalém, entrando e saindo, e pregando ousadamente em nome do Senhor...” Atos 9:26-29a

Barnabé foi o avalista de Paulo perante os apóstolos veteranos. Ninguém se sentia confortável diante de um homem que fora cúmplice no assassinato do primeiro mártir da igreja. As pessoas o olhavam com desconfiança. Mas quando Barnabé prestou testemunho de sua conversão, Paulo foi convidado a acompanhar os apóstolos por algum tempo. Isso lhe rendeu credibilidade diante dos demais cristãos. Não é em vão que a sabedoria popular diz: Diga-me com quem tu andas, e direi quem tu és. Os apóstolos fizeram questão que todos vissem Paulo caminhando ao lado deles, e desta maneira, abonaram sua conduta.

Quatorze anos se passaram. Paulo já desfrutava de total credibilidade entre as igrejas. Mas mesmo assim, voltou a Jerusalém para prestar contas aos demais apóstolos. Confira:

“Depois, passados quatorze anos, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também comigo a Tito. E subi por causa de uma revelação, e lhes expus o evangelho que prego entre os gentios. Mas particularmente aos que pareciam ter maior destaque, para que de maneira alguma não corresse, ou não tivesse corrido em vão.” Gálatas 2:1-2

Repare que a preocupação do apóstolo era não ter corrido em vão. Uma vida ministerial, ou mesmo uma vida cristã regular, poderá ser um completo desperdício de tempo e de energias, se não estivermos dispostos a prestar contas com outros.

Paulo já não era um novato. Pelo contrário. Sozinho já havia feito mais do que todos os apóstolos juntos. Mas isso não lhe dava o direito de levar uma vida autônoma, fazendo o que lhe desse na gana.
Líderes também devem prestar contas a outros líderes. Ninguém pode isolar-se dos demais. Nossa experiência não nos isenta da prestação de contas.

Lucas nos oferece outra narrativa desta segunda prestação de contas de Paulo: “Quando chegaram a Jerusalém, foram recebidos pela igreja, pelos apóstolos e pelos anciãos, e lhes anunciaram quão grandes coisas Deus tinha feito com eles.” (Atos 15:4).

Se não quisermos desperdiçar uma etapa inteira de nossa vida, estejamos prontos para prestar contas, expondo-nos à avaliação de nossos líderes e companheiros de jornada. Lembremo-nos que, enquanto estamos na pista, estamos cercados por uma nuvem de testemunhas. Portanto,“deixemos todo embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com perseverança a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para Jesus” (Hb.12:1-2).

Abertos à avaliação de Cristo

Até que ponto nossa avaliação é confiável? Ou ainda: até que ponto a avaliação de outros é honesta? Haveria alguma outra instância a qual deveríamos nos submeter à constante avaliação? É claro que sim! Temos que estar abertos à avaliação de Deus.

O fato é que não poucas vezes somos enganados por nossa própria avaliação, e tornamo-nos insensíveis ao escrutínio do Espírito Santo. Nem sempre nossa avaliação coincide com a de Cristo.

Veja, por exemplo, a diferença entre a avaliação que os cristãos laodicenses faziam de si mesmos e a feita por Cristo.

“Dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta. Mas não sabes que és um coitado, e miserável, e pobre, e cego, e nu.” Apocalipse 3:17

Enquanto os cristãos de Laodiceia declaravam ser ricos, Jesus diz que eram coitados. Enquanto se diziam enriquecidos, Jesus os chamava de miseráveis. Enquanto afirmavam não terem falta de nada, Jesus os chamava de pobres, cegos e nus. Eles estavam cegos ao seu próprio estado de lástima e miséria. A soberba os cegou. Portanto, sua autoavaliação estava comprometida.

Só lhes havia uma esperança: abrirem-se para um balanço feito por Cristo.

“Eis que estou à porta, e bato. Se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo.” Apocalipse 3:20

Quando abrimos a porta para Ele, somos convidados a uma ceia de mão-dupla. Repare no que Jesus diz: Com ele cearei, e ele comigo. Pode até parecer redundante, mas não é. Cear com Ele é permitir que Ele perscrute as entranhas do nosso ser, numa comunhão íntima e profunda. Cear com Ele é submeter-nos inteiramente à sua avaliação. Mas quando Ele diz que irá cear conosco, está dizendo que Ele mesmo endossará nossa auto-avaliação, pois esta condirá com a Sua. Poderemos examinar-nos a nós mesmos sem medo de errar, pois este autoexame será conduzido pela luz do Espírito Santo em nós.

Às vezes as pessoas que nos avaliam também não o fazem com justiça. Julgam-nos segundo seus interesses e não com retidão. Mesmo sujeitos a isso, não podemos nos fechar. Temos que estar sempre abertos à avaliação de outros. Porém, se formos injustiçados, Deus sempre sairá em nossa defesa.

A antítese da igreja de Laodiceia é a igreja de Esmirna. Veja o que Jesus diz a esta igreja em Apocalipse:

“Conheço a tua tribulação e a tua pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são da sinagoga de Satanás. Não temas as coisas que estás para sofrer. Escutai: o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais provados, e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até a morte, e dar-te-ei a coroa da vida.” Apocalipse 2:9-10

Aos olhos humanos, aquela era uma igreja pobre, desprovida de qualquer ostentação. Porém, na avaliação de Cristo, ela era rica. Não importava as blasfêmias com as quais os falsos judeus a atacavam. Deus comprara sua briga. Mesmo que fossem provados por uma tribulação aguda, o que os esperava do outro lado era a coroa da vida.

Jamais se esqueça que a corrida se dá aqui, na pista da vida, mas o pódio é na eternidade. É lá que receberemos o grande prêmio, o galardão eterno. Deixe que digam o que quiserem. Deixe que te julguem e até te sentenciem. Mas jamais te esqueças de que tens um advogado no céu. É Ele quem pleiteia nossas causas, e que por fim, nos fará justiça. A morte não tem a última palavra. Ela é apenas a linha de chegada que separa a pista do pódio. O que nos espera não pode ser comparado a nada que soframos nesta vida. O que representa uma década em comparação à eternidade?

Deixe ecoar em seu peito a garantia encontra na Palavra:

“Pois a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória, acima de toda comparação.” 2 Coríntios 4:17

Um dia todos devemos comparecer perante o tribunal de Cristo para o balanço final, “para que cada um receba segundo o que tiver feito por meio do corpo, ou bem, ou o mal” (2 Co.5:10). Não há o que temer! Se Aquele que em nós houver começado a boa obra, enfim a tiver terminado, poderemos então fitar n’Ele nossos olhos em plena confiança. O mesmo Cristo que nos justificou pelo Seu sangue, também nos transformou pelo Seu Espírito. E foi este Espírito que derramou em nós o Amor de Deus (Rm.5:5), fazendo-nos amados, e fazendo-nos amar. Como diz João: “Nisto é aperfeiçoado em nós o amor, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo” (1 Jo.4:17).

A obra finalmente terá sido concluída. Estaremos aperfeiçoados no amor. O Espírito Santo terá cumprido Sua missão em nós, transformando-nos segundo a imagem de Cristo. No balanço final, só haverá prejuízo para aqueles que insistiram em viver para si mesmos, gastando todos os recursos para seu aprazimento. Os que amaram sua própria vida, perdê-la-ão, mas os que a desprezaram por amor de Cristo, a receberão com juros e correção monetária, para gastá-la por toda a eternidade (Jo.12:25). Numa total subversão da contabilidade humana, no balanço de Deus quem gasta aqui, poupa lá. Quem se poupa aqui, desperdiça para sempre. Foi sabendo disso que Paulo declarou aos Coríntios: "Eu de muita boa vontade gastarei, e me deixarei gastar pelas vossas almas, ainda que, amando-vos cada vez mais, seja menos amado" (2 Co.12:15).

Nos balancetes de Deus em nossa vida, o que importa não é sair ganhando, ficar no lucro, levar vantagem. Prejuízos momentâneos podem representar ganhos eternos. Há uma total inversão dos valores impostos pelo mundo. Daí Paulo ser enfático ao dizer: "Mas o que para mim era lucro, considerei-o perda por causa de Cristo" (Fp.3:7).


Portanto, deixe-se gastar. Não poupe energias! Ame intensamente a todos ao seu redor sem esperar qualquer retorno. Viva por eles e para eles. Que eles reconheçam Cristo transpirando por seus poros.

Assista ao vídeo com esta mensagem gravado na Flórida, EUA.


Presença de Tabita - O presente dos ausentes

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Por Hermes C. Fernandes 

Gosto de imaginar a vida como um trem. A cada estação, pessoas embarcam, enquanto outras descem. Algumas, porque chegaram ao seu destino, outras porque precisam fazer baldeação, tomar outro trem que as leve ao seu destino. Quantos embarcaram ou desembarcaram do vagão de nossa vida ao longo deste ano que se encerra? Os que fazem baldeação, simplesmente trocam de trem, mas continuam por aí, prosseguindo em sua viagem existencial. Pode ser que em algum momento, a gente se cruze novamente (se bem que, às vezes, a gente prefira que não). Há ainda as que não descem do trem, mas mudam de vagão por já não apreciarem nossa companhia. E quanto aos que chegaram ao seu destino? Refiro-me aos que nunca mais veremos, pelo menos, não nesta vida. Quantas saudades deixaram! Seus lugares ficaram vagos e não há quem possa preenchê-los. 

Afinal, o que torna alguém insubstituível na vida da gente? Por que deixam uma sensação de vazio ao partirem? Lemos no livro de Atos dos Apóstolos acerca de uma discípula chamada Tabita, conhecida também como Dorcas (tive uma prima com este nome e que partiu ainda jovem). O escritor faz questão de ressaltar que ela estava “cheia de boas obras e esmolas que fazia”. Portanto, tratava-se de alguém solidário com o sofrimento humano, que se negava a levar uma vida autocentrada. 

Naqueles dias, Tabita enfermou e veio a falecer. Sabe o que fizeram com o seu corpo? Ora, o que se esperaria que se fizesse a um corpo sem vida? Sepultasse, certo? Surpreendentemente, em vez disso, banharam-na e puseram-na no quarto mais alto da casa. Quem em sã consciência faria tal coisa? Mas o que pode parecer insano, na verdade, revela o quanto Tabita era importante para aquela comunidade. Muito além de uma medida sanitária que visa nos precaver da infestação de bactérias provenientes de um corpo em decomposição, o sepultamento é um ritual através do qual dizemos adeus ao corpo da pessoa amada. Depositar o corpo de Tabita no quarto mais alto da casa era recusar-se a dar aquele adeus esperado. Obviamente, eles sabiam de todos os riscos. O processo de decomposição seria seguido pelo de putrefação. O cheiro ficaria insuportável. Mas por Tabita, valia a pena o esforço. Suas expectativas quanto a ela não haviam se esgotado. Uma inexplicável esperança teimava em perdurar. Em vez do fatídico goodbye, preferiram deixá-la em stand by

Quantas coisas em nossa vida temos sepultado ao menor sinal de desgaste? Relacionamentos que deveriam ser perenes são simplesmente descartados. Sonhos que nos acalentaram durante a juventude são engavetados tão logo tenhamos chegado à maturidade. Amizades enterradas vivas. Não seria o caso de nos recusarmos a sepultá-los? Até que ponto não nos temos entregado a um luto precoce? Não seria melhor depositá-los num lugar alto de nossa vida, acreditando que a qualquer momento o quadro possa ser revertido? 

Ao serem informados de que Pedro estava nas circunvizinhanças, enviaram-lhe dois homens, “rogando-lhe que não demorasse em vir ter com eles.” Sem saber do que estava acontecendo, Pedro prontamente atendeu. Ao chegar à casa, deparou-se com uma cena inusitada. Chegando ao aposento em que jazia o corpo de Tabita, o apóstolo se viu rodeado por viúvas que chorando, exibiam as túnicas e roupas que ela lhes havia confeccionado. 

Mudando um pouco o foco: será que temos sido imprescindíveis na vida de alguém? Quantas “túnicas e vestidos” já costuramos para quem não tinha o que vestir? Que diferença temos feito na vida dos que nos acompanham nesta jornada? O que cochicharão entre si quando nosso corpo inerte estiver descendo à sepultura? Alguém seria capaz de reivindicar nossa restituição como fizeram a Tabita? Ou alguém deixaria escapar por entre os lábios: já foi tarde!? Pedro, visivelmente comovido, pediu que todos se ausentassem do cômodo, pôs-se de joelhos e orou. Rogou a Deus que restituísse aquela vida tão preciosa. Dirigindo-se ao corpo, disse: “Tabita, levanta-te. E ela abriu os olhos, e, vendo a Pedro, assentou-se. E ele, dando-lhe a mão, a levantou e, chamando os santos e as viúvas, apresentou-lha viva” (Atos 9:36-41). 

O que importa não é o quanto teremos amealhado para nós mesmos ao longo de nossa vida, e sim o bem que houvermos feito ao nosso semelhante. Se nossa vida houver sido verdadeiramente presente, nossa ausência será sentida e lamentada. Muito mais do que distribuir presentes é ser presente, digo, em ambos os sentidos. Ser presente no sentido de marcar presença e no sentido de ser uma dádiva. A propósito, nenhum presente material é capaz de compensar a ausência. Estar presente é mais importante do que cobrir alguém de presentes. 

Que dentre os votos que faremos na passagem para o novo ano, esteja o de ser presente dos céus a todos à nossa volta, ao mesmo tempo em que acolheremos àqueles cujas vidas são igualmente uma dádiva celestial para nós. O amor tem o poder de eternizar o que se é amado. Ninguém pode dizer que amou alguém sem que , no fundo, ainda o ame. Como disse Paulo, o amor jamais se acaba. Portanto, mesmo que um dia tenhamos que sepultar o corpo de quem tanto amamos, depositemos sua lembrança no mais alto lugar de nosso ser. 

Abaixo a canção eternizada por Tim Maia na voz de Nando Reis. Dedico-a à minha querida sogra Edelzuíta que nos deixou no dia 7 de dezembro de 2009, mas que estará eternamente gravada em nossos corações. No dia em que eu e Tânia fomos nos despedir dela na véspera de nossa mudança para os Estados Unidos, ela me disse com lágrimas nos olhos, na esquina de sua igreja em Paciência, que nunca mais nos veríamos novamente. Meses depois, ela nos deixou, e nem sequer pudemos vir ao seu sepultamento por questões documentais que estavam em processo. Jamais me esquecerei quando de volta ao Brasil, levei Tânia ao Jardim de Saudade onde o corpo de sua mamãe foi depositado. Fechou-se ali um ciclo. Mas como cristão, estou certo de que nos veremos novamente. Não importa em que estação se desça, todos desembarcaremos um dia na estação final. O reencontro se dará com muitos abraços, beijos e lágrimas.

O melhor pedido de fim de ano que você poderia fazer

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Por Hermes C. Fernandes

O que você faria se na contagem regressiva para o ano novo, antes que os fogos estourassem, Deus aparecesse para você e dissesse: Pede-me o que quiser que te darei? Diga-me sem pensar: que pedido estaria na ponta da língua? Uma cobertura de frente para a praia?  Um carro novo importado? Promoção no trabalho? Prêmio da loteria? Casamento?  A gente fica até tonto só de imaginar, não é verdade? Como não aproveitar a maior chance de nossa vida?

Pois foi justamente isso que aconteceu a ninguém menos que Salomão, o sucessor de Davi no trono de Israel.  Sabe o que ele pediu? Se respondeu “riquezas”, errou feio.  Ciente de sua grande responsabilidade à frente do seu povo, o jovem monarca pediu que Deus lhe desse “sabedoria e conhecimento para saber sair e entrar perante aquele povo.”[1]

Deus sorriu. Quem mais lhe pediria algo assim? Mas pensando bem, de que adiantaria pedir riquezas sem que tivesse a sabedoria necessária para geri-las? De que adiantaria o aumento de seu império sem sabedoria para administrá-lo?  Seria como pedir um carro sem estar devidamente habilitado.

Mais interessante ainda é a resposta que Deus lhe dá ante àquele inusitado pedido:

 “Então Deus disse a Salomão: Porquanto houve isto no teu coração, e não pediste riquezas, bens, ou honra, nem a morte dos que te odeiam, nem tampouco pediste muitos dias de vida, mas pediste para ti sabedoria e conhecimento, para poderes julgar a meu povo, sobre o qual te constituí rei, sabedoria e conhecimento te são dados; e te darei riquezas, bens e honra, quais não teve nenhum rei antes de ti, e nem depois de ti haverá.”

Cumpriu-se na vida de Salomão o que Paulo diria séculos depois: “Ora, àquele que é poderoso para fazer tudo mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos, segundo o poder que em nós opera.”[2]

Há certos pedidos que, uma vez atendidos, trazem consigo bônus inesperados. Porém, se invertemos as coisas, priorizando o que não tem tanto valor assim, ainda que sejamos atendidos, o que hoje nos chega às mãos como bênção, amanhã ou depois se dissipará como fumaça. Imagine se Salomão houvesse pedido riquezas, será que de quebra Deus lhe daria também sabedoria? Acredito que não, pois seu pedido revelaria seu caráter ganancioso.

Agora, repare num detalhe de seu pedido: ele suplicou que Deus lhe desse sabedoria para “entrar e sair”; em outras palavras, ele queria começar e terminar bem. De nada adianta iniciar algo da melhor maneira possível, mas não ser capaz de levar aquilo adiante.  

Já que estamos a poucas horas do fim de mais um ano, gostaria de propor que nos concentrássemos em saber sair. Se não soubermos como sair, também não saberemos como entrar.

Permita-me enumerar alguns critérios que nos farão sair bem, não apenas do ano que se encerra, mas também de qualquer situação, ambiente, emprego, ou mesmo relacionamento.

1 – Sair bem é sair com a sensação de missão cumprida

Quando se despedia dos irmãos de Éfeso, Paulo afirmou que durante os três anos que lá estivera, jamais se esquivou de anunciar-lhes tudo o que era útil, bem como todo o conselho de Deus. Portanto, ele se despedia de cabeça erguida. Fez o seu melhor. Não poupou energia. Trabalhou diuturnamente, tanto publicamente, quanto de casa em casa, para que tomassem conhecimento de toda a verdade encerrada no Evangelho. Mesmo que não tenhamos alcançado as metas programadas, se fizemos tudo o que estava ao nosso alcance, não há porque nos lamentar.  

Os efésios até questionaram a razão de Paulo querer deixá-los num momento tão promissor. Dizem que em time que está ganhando não se deve mexer. Todavia, quem vive por um propósito, não se deixa iludir com resultados, sejam positivos ou negativos. De acordo com o apóstolo, sua decisão de deixar Éfeso e partir para Jerusalém era em obediência a uma direção do próprio Espírito Santo, mesmo sabendo que lá lhe aguardavam prisões e tribulações.  Diante das tentativas de dissuadi-lo, Paulo diz:

“Em nada tenho a minha vida como preciosa para mim, contando que complete a minha carreira e o ministério que recebi do Senhor Jesus, para dar testemunho do evangelho da graça de Deus. E eis agora, sei que nenhum de vós, por entre os quais passei pregando o reino de Deus, jamais tornará a ver o meu rosto.”[3]

Era como se dissesse: Não adianta querer fazer chantagem emocional. Sei que vocês me amam, se importam comigo, mas minha missão aqui terminou. É pra frente que se anda!

Antes de partir, Paulo faz algumas recomendações, preparando-os para a sua ausência. Nossa missão não termina quando saímos. O verdadeiro sucesso só se consolida quando há sucessão. Com efeito, Paulo diz: Fiz a minha parte, agora é a vez de vocês. Tratem de cuidar do rebanho que o Espírito Santo confiou em suas mãos. Eu sei que depois da minha partida, surgirão lobos cruéis que não pouparão o rebanho. Então, fiquem espertos, lembrando-se de que durante esses três anos, tenho admoestado vocês com lágrimas.

Mesmo que não haja previsão de sair, trabalhe sempre com o objetivo de preparar o ambiente e as pessoas para lidaram com sua eventual ausência.  Invista na autonomia das pessoas. Prepare seus filhos para a vida, para se virarem sem você. Isso também é saber sair de cena, evitando que todo o seu trabalho tenha sido um desperdício de tempo e energia.

2 – Saber sair é sair com gratidão

Por mais difícil que tenha sido o ano de 2015, há razões de sobra para sermos gratos a Deus. Afinal, sobrevivemos. Somos mais fortes hoje do que quando adentramos o ano. Parafraseando Nietzsche, o que não causa sua morte, no mínimo, lhe faz mais forte. Então, que tal parar de se lamentar?  O casamento não vingou? Não foi o que você imaginou? Nunca se esqueça dos bons momentos que viveram juntos, mesmo quando estiveram diante das barras de um tribunal. Foi despedido do emprego sem justa causa? Não lhe deram seus direitos? Você está coberto de razão em estar decepcionado. Mas jamais se esqueça do quanto aquele emprego foi bênção em sua vida enquanto durou.  

Nada que nos aconteça é em vão. Não há ninguém que entre em nossa vida à toa. Nem há lugares pelos quais passemos que não interfiram na maneira como enxergamos a vida e o mundo. Como disse Saint-Exupéry, autor de “O Pequeno Príncipe”: “Aqueles que passam por nós não vão sós, deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.”

Paulo demonstra a mesma percepção em sua primeira carta aos Tessalonicenses. Ele diz:

“Porque vós mesmos, irmãos, bem sabeis que a nossa entrada para convosco não foi vã (...)  Por isso também damos, sem cessar, graças a Deus (...) Por que, que ação de graças poderemos dar a Deus por vós, por toda a alegria com que nos regozijamos por vossa causa diante do nosso Deus.”[4]

Queixar-se de tudo não vai nos levar a lugar algum. Já pensou se na manhã do primeiro dia do ano só nos restasse aquilo pelo qual temos sido gratos? O que nos sobraria?

Além de sermos gratos por tudo que nos aconteceu e tudo do que fomos poupados, busquemos igualmente ser motivo de gratidão para os que nos cercam. Que durante o ano que se aproxima, ninguém se dirija ao trono da graça para queixar-se de nós, mas somente para agradecer a Deus por nossa existência. Agradecer a Deus por alguém é mais do que pedir por ele. 

3 – Saber sair é deixar a porta aberta

Ainda não inventaram a máquina do tempo. Que pena! Quando a inventarem, quero ser o primeiro da fila. Sempre fui aficionado por filmes de viagens no tempo, desde de criança, quando assistia ao seriado “O Túnel do Tempo”.  Daqui a pouco, 2015 estará no passado. Nada há que possamos fazer para reverter isso. Porém, há lugares por onde passamos, que talvez devamos passar novamente em 2016 ou os próximos anos. Há pessoas que encontramos, que certamente reencontraremos. Logo, nada mais sábio do que deixar a porta aberta.

Na mesma carta endereçada aos cristãos de Tessalônica, Paulo diz que orava abundantemente dia e noite para que pudesse rever os seus rostos e suprir o que porventura lhes faltasse em sua experiência de fé. [5]Por mais que acreditemos que nossa missão em algum lugar haja terminado, pode ser que falte um complemento. Dai a importância de deixar a porta aberta. Nunca sabemos o que nos reserva o dia de amanhã.

4 – Saber sair é sacudir a poeira e seguir em frente

Jesus jamais iludiu a ninguém. Ao enviar Seus discípulos, deixou claro que nem sempre teriam sucesso por onde passassem. Haveria lugares de onde seriam expulsos e pessoas que os rejeitariam. Como fazer para que essas amargas experiências não comprometessem empreendimentos futuros?
Observe a orientação dada aos Seus pupilos:

 “E, quando entrardes nalguma casa, saudai-a; e, se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz; mas, se não for digna, torne para vós a vossa paz. E, se ninguém vos receber, nem escutar as vossas palavras, saindo daquela casa ou cidade, sacudi o pó dos vossos pés.” Mateus 10:12-14

Dizem por aí que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar (há controvérsias...rs). Mesmo que caia, a probabilidade é mínima. Então, não há razão de viver nos auto-sabotando por causa das experiências ruins que tivemos no passado.

O que há de bom para ser relembrado, celebremos com gratidão. Mas aquilo de que nos lamentamos deve ser sacudido de nossos pés. Entrar o ano novo com o coração cheio de mágoas, ressentimentos, queixas é como entrar numa sala que acabou de ser faxinada com os pés enlameados.  Deixemos em 2015 o que não merece ser trazido para 2016. Caso contrário, seguiremos sendo assombrados por fantasmas que já poderiam ter sido exorcizados.  

No próximo post, falaremos sobre como “saber entrar” para que não tenhamos do que nos arrepender mais tarde.

A todos os meus leitores e companheiros de jornada, desejo um ano em que possamos viver tudo o que houver para se viver, sob os auspícios da graça do Cristo. 





[1] 2 Crônicas 1:7-12
[2] 2 Crônicas 1:7-12
[3] Atos 20:17-32
[4] 1 Tessalonicenses 2:1,14; 3:9
[5] 1 Tessalonicenses 3:10-11


Abaixo, o clássico "Volta por cima" de Paulo Vanzolini na doce voz de Lienne Aragão.

O Cristo da nossa fantasia

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Por Hermes C. Fernandes

Uma das passagens mais misteriosas do Novo Testamento é a que narra o encontro entre Jesus e dois dos Seus discípulos no caminho de Emaús. O que chama mais a atenção neste episódio é o fato de eles não O reconhecerem de primeira mão. O que os impediu, afinal? Ainda que fossem discípulos novatos, provavelmente já haviam estado com Ele o suficiente para reconhecê-lo. Em vez disso, travaram um diálogo onde demonstraram o quão frustrados estavam pelo fim fatídico que havia tido o seu mestre três dias antes.

Jesus se aproxima como se fosse um peregrino qualquer. Propositadamente, não se apresenta. Apenas pergunta do que se lamentavam. Eles o respondem grosseiramente: És tu só peregrino em Jerusalém, e não sabes as coisas que nela têm sucedido nestes dias(Lc. 24:18)?

O texto diz que eles estavam como que com os olhos vendados, de sorte que não pudessem identificar o próprio mestre. Como explicar isso?

Certamente, o que os mantinha neste estado era a própria fantasia que haviam construído acerca de Jesus. Eles mesmos confessam: “...esperávamos que fosse ele o que remisse Israel; mas agora, sobre tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram” (v 21).

Antes de condená-los, devemos considerar que esta era a mesma expectativa fantasiosa dos demais discípulos. Portanto, não era a Cristo que seguiam, mas a uma projeção de suas angústias e anseios. Para eles, Jesus deveria ser o estadista que comandaria a rebelião que tiraria Israel de sob o domínio romano e restauraria a sua soberania como nação. Há quem acredite que a intenção de Judas ao entregá-lo às autoridades era que Ele se revelasse e promovesse um levante contra Roma. O tiro parecia ter saído pela culatra. Suas fantasias desvaneceram. Nada do que sonharam ocorreu.

Deus não tem compromisso com nossas agendas particulares. Ele tem Sua própria agenda. Seus caminhos não são os nossos caminhos, nem seus pensamentos coincidem com os nossos. Que Ele é fiel, ninguém duvida. Mas fiel a quê? Fiel aos Seus propósitos e não aos nossos caprichos.

Semelhante àqueles discípulos, muitos em nossos dias estão seguindo a uma projeção a quem identificam como Cristo. Confundem a proposta do evangelho com ideologias políticas, e o reino de Deus com projetos de poder. Por isso, não reconhecem Cristo onde verdadeiramente Ele Se manifesta. Outros confundem Cristo com um gênio da lâmpada, cobrando d'Ele promessas que jamais fez. 

Não percam seu tempo buscando-o nos credos e confissões. Tampouco nas estruturas denominacionais rígidas e cheirando a mofo. Ele é encontrado no caminho, no chão empoeirado da existência.

Percebendo a ignorância daqueles discípulos, pacientemente começou a abrir-lhes as escrituras, apontando os trechos que afirmavam tudo o que Ele teria que passar. Ainda assim, apesar de seus corações arderem ante a exposição da Palavra, seus olhos se mantinham cerrados.

Conhecimento das Escrituras não garante que nossos olhos espirituais estejam abertos. Decorar versículos não evidencia intimidade com o Deus revelado na Palavra.

Quando já estavam chegando à sua casa, Jesus fez como quem prosseguiria viagem. Eles, porém, insistiram para que ficasse com eles aquela noite.

Quando estavam à mesa para a refeição, Jesus tomou o pão e repartiu-o com eles. Seus olhos, então, se abriram. Mas, subitamente, Ele desapareceu diante deles.

Ora, se Jesus houvesse feito algo sobrenatural diante deles enquanto caminhavam, eles certamente O teriam reconhecido. Em vez disso, Jesus preferiu expor-lhes as Escrituras. Ele só fez algo miraculoso depois de O terem reconhecido. Imagine o susto que levaram quando Ele simplesmente desapareceu ante seus olhos!

Nenhum dos milagres feitos por Jesus tinha a intenção de provar quem Ele era. O que o movia a realizá-los era a compaixão. Penso que Ele não mudou Seu jeito de ser. Não consigo imaginar Jesus fazendo sensacionalismo em cima dos milagres como vejo alguns de Seus supostos representantes fazerem hoje na TV. Pelo contrário. Ninguém era tão discreto quanto Ele, a ponto de pedir que os curados não espalhassem o que lhes sucedera.

O mundo não reconhecerá a presença de Cristo entre nós através de nossas performances circenses. Ele O reconhecerá em nós da mesma maneira como aqueles dois O reconheceram à mesa: no partir do pão.

Um pequeno gesto de amor pode fazer cair muitas vendas. Quando os cristãos se dispuserem a repartir o que têm recebido, todos saberão que Ele está entre nós, tão vivo quanto naquele dia em que ressuscitara dentre os mortos. 

Pra não dizer que não falei do diabo...

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Por Hermes C. Fernandes

Alguém já deve ter observado que raramente falo dele. É possível ouvir dez sermões meus sem uma única menção ao traste. Porém, hoje, resolvi abrir uma exceção. Lá vamos nós. 

Pode-se falar tudo de mal acerca do Diabo, o arqui-inimigo do povo de Deus. Que ele é astuto, mentiroso, sagaz, perverso, todos já sabemos. Mas há nele uma virtude inegável, e que, por incrível que pareça falta em muitos cristãos. Antes que alguém se escandalize, achando que estou fazendo o papel de advogado do diabo, ou mesmo desista de ler o resto do texto, deixe-me revelar que virtude seria esta. Trata-se da persistência. O inimigo de nossas almas não desiste fácil. E quando ele não obtém êxito com suas ameaças e tentações, ele parte para sua última cartada, a negociação. Já que o prejuízo é inevitável, o diabo busca uma maneira de atenuá-lo ao máximo.  Para tal, ele é capaz de recorrer à via da diplomacia.

Foi esta a estratégia usada por Faraó ao convidar Moisés para o diálogo. O Egito já havia sido alvo de várias pragas enviadas por Deus. Moisés parecia irredutível em sua decisão em tirar seu povo da escravidão. Chegara, portanto, a hora do monarca egípcio usar de toda a sua sagacidade para reduzir as perdas.

Ao todo, foram quatro propostas feitas por Faraó a Moisés, e que coincidem com as propostas que o mundo nos faz. Quando digo “mundo”, refiro-me ao sistema edificado sobre a injustiça, a corrupção e a cobiça, que tem no diabo o seu arquiteto.

Na primeira proposta, Faraó diz ao Moisés: “Ide e oferecei sacrifícios ao vosso Deus nesta terra” (Êx.8:25). Parafraseando-o: Por que deixar o Egito para adorar ao seu Deus? Vocês têm permissão de fazê-lo aqui mesmo.

Poderia parecer benevolência de Faraó, porém, por trás desta proposta havia o receio de que aquele povo, ao deixar o perímetro egípcio, jamais retornasse. Se isso ocorresse, aquela sociedade entraria em colapso, pois dependia da mão de obra escrava. 

De maneira semelhante, o mundo tenta convencer-nos de que podemos servir a Deus sem romper com seus valores, mesmo que sejam antagônicos aos valores do Reino de Deus. Esta proposta se esbarra na advertência feita pelo Espírito Santo:
“Não ameis o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Pois tudo o que há no mundo, a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo. Ora, o mundo e a sua cobiça passam, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre.” 1 João 2:15-17
E mais:
“Não sabeis que a amizade do mundo é inimizade com Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” Tiago 4:4b
Diante disso, não há margem que nos permita aceitar tal proposta do inimigo. Se quisermos agradar a Deus, temos que romper com o sistema, negando-nos a ser mais uma de suas engrenagens. 

Ao sermos convertidos, somos transportados do império das trevas para o Reino de Cristo (Cl.1:13). Embora ainda vivamos no mundo, já não somos reféns do sistema. Deixamos a condição de escravos do império das trevas, para tornarmo-nos filhos e cidadãos do Reino de Deus.

Dada a recusa imediata de Moisés à primeira proposta, Faraó apresentou-lhe a segunda:
"Eu vos deixarei ir, para que ofereçais sacrifícios ao Senhor, o vosso Deus, no deserto, apenas se, saindo, não fordes muito longe. Agora orai por mim." Êxodo 8:28
Já que vocês insistem em deixar o Egito, vamos combinar o seguinte: podem ir, mas não vão longe. Seria hoje, o equivalente a dizer: Querem congregar numa igreja? Fiquem a vontade! Mas cuidado pra que vocês não fiquem fanáticos. Vão, mas não tão fundo. Envolvam-se com as coisas do Reino, mas não se comprometam. 

Fica óbvio que a preocupação de Faraó era mantê-los ao alcance de sua vista. Esta tem sido uma constante preocupação do inimigo. Ele tenta parecer amistoso, cordial. Chega a pedir que orem por ele. Tudo para conquistar sua confiança, e mantê-los enredados. 

Não podemos cair em sua artimanha! Se é pra deixar o Egito em direção à Terra Prometida, então temos que ir fundo neste propósito. Nada de barganhas com o Diabo! Deus nos chama ao comprometimento com os valores preconizados pelo Evangelho. Envolver-nos na causa do Reino sem nos comprometermos radicalmente com ela é total perda de tempo. 

Deus deseja levar-nos para muito além do alcance da vista do inimigo. Trata-se, portanto, de um caminho sem volta. Satanás terá que aceitar que ficou no prejuízo. Nunca mais vai recuperar seus escravos.

Insatisfeito com a resposta de Moisés, Faraó partiu pra terceira tentativa. Reunido com Moisés e Arão, pergunta-lhes:
"Ide, servi ao Senhor, o vosso Deus. Quem deverá ir?" Êxodo 10:8
Ele queria certificar-se do tamanho do prejuízo que sofreria.

Confira a resposta de Moisés, e a réplica de Faraó:
"Temos de ir com os nossos jovens e com os nossos velhos, com os nossos filhos e com as nossas filhas, com os nossos rebanhos e com o nosso gado, porque temos que celebrar festa ao Senhor. Disse-lhe Faraó: Seja o Senhor convosco, se eu vos deixar ir com as crianças! Vede como tendes más intenções. Não será assim. Agora, ide vós, os homens, e servi ao Sehor, pois isso é o que pedistes. E os expulsaram da presença de Faraó."  Êxodo 10:9-11
Até ali, Faraó havia mantido a compostura. Mas agora Moisés fora longe demais. Se as crianças ficassem no Egito, Faraó garantiria a próxima geração de escravos. Caso os pais não retornassem, os filhos os substituiriam imediatamente. O que ele não podia era ficar sem mão-de-obra escrava. 

Muitos cristãos sinceros têm aceito esta proposta do inimigo, pois acham que não devem forçar os filhos a servirem a Deus. Dizem: - Quando eles forem adultos, escolheram por si mesmos. Ora, se os pais têm o sagrado direito de escolher onde os filhos moram, em que escola estudam, o que comem, vestem, e até o time pelo qual torcem, por que não podem influenciar em sua vida espiritual? 

Deveríamos espelhar-nos na postura de Josué, que ao introduzir os hebreus na Terra Prometida, disse-lhes:
"Escolhei hoje a quem sirvais (...) Eu e a minha casa serviremos ao Senhor." Josué 24:15
A maior herança que os pais deixam para o seus filhos é a sua fé.  

Se Satanás acha que aceitaremos negociar com a alma de nossos filhos, ele está redondamente enganado, e merece uma resposta mal criada à altura de sua petulância. 

Não permitamos que eles sejam educados pela babá eletrônica. Ou que sejam criados na rua. Assumamos a responsabilidade de criá-los debaixo do temor do Senhor, e nos princípios de Sua Palavra. Quando crescerem, nos agradecerão.

Faltava agora a última proposta. Mandando chamar novamente a Moisés, Faraó lhe disse:
"Ide, servi ao Senhor. Somente fiquem os vossos rebanhos e o vosso gado; vão também convosco as vossas crianças." Êxodo 10:24
Já que não dá pra ficar com as famílias (velhos, adultos e crianças), Faraó tenta evitar que eles levem também os seus bens. Quem deixar o Egito? Ok. Estão liberados! Querem ir longe? Vão com Deus! Querem levar a família inteira? Então, sumam da minha frente! Mas não se atrevam a levar seus recursos!

Infelizmente, esta tem sido a proposta mais indecorosa e tentadora que o Diabo tem feito aos cristãos de todas as eras. E não poucos têm cedido a ela. Dizem que comprometem suas almas e famílias com o Reino de Deus, porém, mantém seus recursos distante de qualquer compromisso que não seja com seu próprio bem-estar. Como se fosse possível servir a Deus e ao dinheiro. 

Parece que Martinho Lutero tinha razão ao afirmar que a última parte do indivíduo a ser converter é o bolso. 

Ora, a libertação promovida por Deus ao Seu povo devia abranger todas as áreas. Por isso, lemos que Ele os fez sair do Egito com "prata e ouro", e que entre as suas tribos não houve um só enfermo (Sl.105:37). 

Não adianta dizer que servirmos a Deus, enquanto nossos recursos continuam à mercê do sistema deste mundo. O dinheiro que antes gastávamos com vícios, jogatina, promiscuidade, prazeres, agora deve ser empregado naquilo que enaltece a Deus e beneficia nossos semelhantes. 

A resposta dada por Moisés a esta última proposta de Faraó deve ecoar em nossos lábios:
"Também o nosso gado há de ir conosco; nem uma unha ficará!" Êxodo 10:26
Tudo o que somos, e tudo o que temos, há de servir ao Senhor. Nas palavras do Salmista: "Bendize, ó minh'alma ao Senhor, e tudo o que há em mim, bendiz ao Seu santo nome" (Sl.103:1). E isso inclui, naturalmente, nossos recursos materiais. 

Quando ofertamos, dizimamos e repartimos nosso pão com o nosso próximo, estamos saqueando o Egito, consagrando nossos bens à causa do Reino. Estamos colocando nossos haveres em seu devido lugar. Em vez de servirmos ao dinheiro como um senhor, fazemos dele nosso servo. Assim, ele jamais será instrumento através do qual Faraó nos cativará. 

Se o inimigo é perseverante em seus funestos propósitos, sejamos ainda mais perseverantes que ele no propósito de ser a Deus no lugar onde Ele designou, acompanhado das pessoas que Ele escolheu, e em posse daquilo que Ele nos deu.


Eduardo e Mônica: O mito do jugo desigual

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Por Hermes C. Fernandes

Uma das perguntas mais recorrentes que tenho recebido pelas redes sociais é sobre o tal “jugo desigual”. Para quem não está familiarizado com o evangeliquês, trata-se do namoro entre pessoas de credos diferentes, ou ainda, entre um cristão e um não cristão. Em alguns círculos, isso é inadmissível, e quem insiste corre o risco de ser excluído da igreja.

O texto usado para justificar tal postura está em 2 Coríntios 6:14:

 “Não se ponham em jugo desigual com descrentes. Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas?”

Para início de conversa, precisamos entender o que significa “jugo” (não confundir com “julgo” do verbo julgar). Trata-se de uma peça de madeira, um tipo de canga que se prende com correias ao pescoço de animais de carga, para que assim possam puxar uma carroça ou um arado (1 Sm 6:7). Num sentido figurado negativo, o jugo representa domínio, opressão (Gn 27.40; Jr 28.2; Gl 5.1); sofrimento (Lm 3.27); mas do ponto de vista positivo, representa comprometimento (Mt 11.29-30) e companheirismo (Fp 4.3).

É interessante notar que nenhuma das passagens acima fala de namoro ou casamento. Nem mesmo a que fala de jugo desigual. Então, em que consistiria o jugo desigual? 

Geralmente, usavam-se pares de animais de carga como bois ou cavalos para puxar os arados que abriam sulcos na terra para receber as sementes. Se o jugo sobre um fosse mais pesado que sobre o outro, fazendo com que caminhassem em ritmos diferentes, o arado acabava puxado na diagonal, e, eventualmente, travava, agarrando-se ao solo. Isso, obviamente, atrasava todo o processo. Ambos tinham que caminhar na mesma velocidade, de modo que os sulcos se abrissem uniformemente nos dois extremos do arado. Portanto, os animais precisavam ter mais ou menos o mesmo porte, carregando jugos de pesos iguais.

Quando Paulo fala do jugo desigual, ele está pensando em qualquer trabalho conjunto entre seres humanos. Em Filipenses 4:3, ele pede a um “leal companheiro de jugo” que ajudasse a duas outras companheiras de ministério que atuavam naquela cidade. O que esperar de um leal companheiro de jugo, senão que caminhe na mesma direção e no mesmo ritmo, imbuído do mesmo propósito?

Obviamente, tanto o namoro quanto o casamento podem ser incluídos neste escopo. Como poderá dar certo qualquer relação em que cada um puxa o arado numa direção ou ritmo diferente? Ou como dizem as Escrituras, "andarão dois juntos se não estiverem de acordo" (Amós 3:4)?

Há que se pensar no futuro e não apenas no aqui e agora. Lembre-se que o arado prepara a terra para receber a semente e que esta, por sua vez, é a garantia de uma boa colheita amanhã. Todavia, isto não se limita à questão do credo. É possível que haja jugo desigual entre pessoas da mesma fé (1 Co.5:9-12). Há muitos tipos de jugo desigual. Diferenças culturais, por exemplo, podem ditar ritmos e maneiras distintos de se conduzir a vida. Imagine um relacionamento em que não seja possível um diálogo sobre temas de interesse comum. Poderíamos enumerar ainda as questões de faixas etárias, graus de instrução e até o fato de serem oriundos de camadas sociais diferentes. 


E o que dizer da compatibilidade sexual? Quão difícil é manter um relacionamento perene em que ambos tenham opiniões e expectativas divergentes acerca do sexo. Que futuro teria uma relação em que um dos cônjuges fosse mais atrevido e o outro cheio de pudor. Um, tarado. Outro, travado. Ainda que professem a mesma fé, frequentem a mesma igreja, e até orem juntos, a tensão envolvendo a vida sexual poria em risco a estabilidade do casamento.

Só há uma maneira de se precaver sobre isso. Aproveitar o namoro para conversar tudo o que for pertinente. Beijar menos, dialogar mais. Expor menos o corpo, e mais o coração. Dizer com sinceridade quais são suas expectativas.

Há ainda casos de homossexuais que para provar sua conversão ao evangelho, casam-se com pessoas do sexo oposto, mesmo não se sentindo atraídos por elas. Isso também é jugo desigual. Pior: é de uma desumanidade inacreditável. Ninguém deveria ser forçado a contrariar sua natureza. Seria mais digno optar pelo celibato do que viver uma hipocrisia, sendo incapaz de ser feliz e de fazer o outro feliz. 

O sucesso de qualquer relacionamento passa pela compatibilidade. Por isso, lemos no poema da criação que Deus daria ao homem uma mulher que lhe correspondesse, isto é, que lhe fosse compatível (Gn. 2:18). O mesmo vale para a mulher. Deus deseja dar-lhe um homem que corresponda aos anseios de sua alma e não apenas aos desejos do seu corpo. 

É importante que, se possível, apreciem as mesmas coisas, os mesmos ambientes, as mesmas atividades. Caso contrário, terão poucos motivos para estarem juntos, a não ser desfrutar da companhia um do outro. Não estou dizendo que devem torcer pelo mesmo time, gostar de ver o mesmo tipo de filme ou música, mas que, pelo menos, cultivem algumas atividades em comum.

E quanto à fé? O ideal seria que professassem o mesmo credo. Isso facilitaria muito a vida, principalmente a criação dos filhos. Se, todavia, este ideal não for alcançado, deve-se acreditar que o amor que os conecta é maior do que qualquer discordância doutrinária. Vale aqui a opinião pessoal de Paulo:

“Aos outros eu mesmo digo isto, e não o Senhor: se um irmão tem mulher descrente, e ela se dispõe a viver com ele, não se divorcie dela. E, se uma mulher tem marido descrente, e ele se dispõe a viver com ela, não se divorcie dele. Pois o marido descrente é santificado por meio da mulher, e a mulher descrente é santificada por meio do marido. Se assim não fosse, seus filhos seriam impuros, mas agora são santos. Todavia, se o descrente separar-se, que se separe. Em tais casos, o irmão ou a irmã não fica debaixo de servidão; Deus nos chamou para vivermos em paz. Você, mulher, como sabe se salvará seu marido? Ou você, marido, como sabe se salvará sua mulher? Entretanto, cada um continue vivendo na condição que o Senhor lhe designou e de acordo com o chamado de Deus. Esta é a minha ordem para todas as igrejas.” 1 Coríntios 7:12-17


Repare que nos dois casos, tanto do homem, quanto da mulher, são os não cristãos que devem consentir ou não no relacionamento. Então, não deveria ser um problema para nós. 

Por incrível que pareça, há casos em que o jugo carregado por um cristão é mais pesado do que o carregado por um não cristão. Isso se dá porque alguns trocaram aquele "jugo suave" prometido por Jesus (Mt. 11:30), por um jugo de escravidão imposto pelo legalismo religioso. Bom seria se desse ouvidos ao que Paulo diz aos Gálatas: "Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a colocar-vos debaixo do jugo da servidão" (Gl.5:1). Com um jugo suave sobre os ombros, todo cristão vai desejar aliviar o jugo do outro em vez de adicionar peso extra. 

O relacionamento entre um cristão e um não cristão não é o fim do mundo. Pode até dar certo. O que verdadeiramente importa é que haja amor. Como disse Pedro, “o amor cobre multidão de pecados” (1 Pe. 4:8). Quando se ama pra valer, a gente aprende a conviver com as diferenças. Não digo será fácil. Mas é possível. Um exemplo bíblico disso é o casamento entre Ester e Assuero, um rei pagão. Graças a ele, o povo judeu escapou de uma tentativa de extermínio.

Pior do que um não cristão é aquele que “dizendo-se irmão”, com o tempo, revela-se um mau caráter, desonesto, avarento, covarde (1 Co.5:11).

 Se você está namorando uma pessoa que não seja cristã, não há razão para se desesperar. Certifique-se de que verdadeiramente a ame a ponto de enfrentar todas as dificuldades que esta relação possa produzir. Não ligue para os julgamentos de quem se acha no direito de apontar o dedo. Talvez seja um frustrado, mal amado, casado com alguém da mesma fé, mas que não tem o mesmo amor e apreço pela vida.

Numa relação de amor o mais importante é encontrar a felicidade na realização do outro. No amor não sobra espaço para o preconceito. Todas as distinções perdem totalmente o sentido diante da supremacia do amor. 

Abaixo, a canção que exemplifica um caso de "jugo desigual" que tinha tudo para dar errado.


Ossos do ofício: os pesos extras que carregamos em nossa jornada

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Por Hermes C. Fernandes

A expressão “ossos do ofício” é usada comumente quando nos referimos às dificuldades de uma determinada atividade. Por exemplo: por trás de todo glamour que envolve a medicina, o contato diário que o médico tem com portadores de doenças contagiosas pode ser considerado como ossos do ofício.  

A origem desta expressão é, no mínimo, curiosa. Diz-se que antigamente utilizava-se pó de tutano para obter o tom alvo das folhas de ofício. O tutano é uma substância encontrada no interior dos ossos e era conhecido por suas propriedades alvejantes. Como esse processo de branqueamento era lento e trabalhoso, convencionou-se chamar de “ossos do ofício” toda e qualquer atividade que oferecesse alguma dificuldade para o exercício pleno de uma profissão.

Toda e qualquer atividade tem seus "ossos". Porém, alguns desses "ossos" são completamente desnecessários. Pesos extras que carregamos nos ombros e que acabam por retardar nossas caminhada.

Quando Moisés retirou o povo do Egito, lembrou-se de que quatro séculos antes um juramento havia sido feito entre José e seus irmãos: seus ossos não poderiam ficar no Egito depois que o Senhor removesse de lá o Seu povo para introduzi-lo na terra que prometera a Abraão, Isaque e Jacó.

Se já é difícil carregar um caixão desde a capela até o túmulo, imagine ter que carregar um sarcófago egípcio bem mais pesado que um caixão por quarenta dias pelo deserto. Este era o tempo estimado da jornada entre o Egito e a Terra Prometida. O que Moisés jamais poderia supor é que, em vez de quarenta dias, a jornada duraria quarenta anos. Quantos se interessariam de ser voluntários para carregar os ossos de José? Por mais que ele tenha sido o instrumento usado por Deus para prover a subsistência daquele povo em seus primórdios, não duvido que não raras vezes alguém tenha sugerido a Moisés que largasse seus restos mortais no meio do caminho. Mas juramento é juramento. Aquela múmia teve que acompanhá-los até que atravessassem o Jordão e pisassem na terra da promessa.

De maneira semelhante, muitos têm carregado um "peso morto" durante sua peregrinação existencial. A caminhada, além de longa, se torna insuportavelmente pesada. Esses "ossos" podem representar um padrão de comportamento, resquício de nosso velho homem, que deveria ter sido sepultado juntamente com ele no batismo, porém, teima em nos assombrar. Podem ser uma palavra que ouvimos lá trás e que ainda repercute em nosso coração, minando nossas energias e sobrecarregando-nos de expectativas fantasiosas e sobrehumanas. Podem ser um paradigma que precisa ser rompido. Um vício que deveria ter sido abandonado. Um hábito que ainda não foi desarraigado. Um ciclo que se retroalimenta. Mesmo que jamais nos tire da rota, no mínimo retardará nossa caminhada.

Diferentemente de José, Miriam e Arão, ambos irmãos de Moisés que tiveram participação importante na retirada dos hebreus do Egito, morreram a caminho de Canaã, e ali mesmo, onde morreram, foram sepultados. Nenhum deles deu trabalho extra para o seu povo como o fez José. O próprio Moisés, apesar de sua liderança inquestionável, morreu também no caminho, faltando pouquíssimo para adentrarem a terra prometida. Moisés nem sequer deu trabalho para que o sepultassem. Deus mesmo o sepultou e seu túmulo jamais foi encontrado. Nenhum mausoléu foi construído em sua memória. Todavia, o legado que deixou à humanidade jamais se perderá. 

Que ninguém tenha que se ocupar de carregar o que restar de nós. Que em vez de um peso a ser carregado pelas próximas gerações, deixemos uma chama que lhes caberá manter acesa até que adentremos à era prometida. Que sejam depositárias de nossos sonhos e não de nossos ossos. Que perpetuem nossas virtudes, jamais nossos vícios, nossa paixão pelo bem comum e não nossos interesses mais vis. 


Ainda há gente extraordinária no mundo...

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Por Hermes C. Fernandes

Ainda há pessoas extraordinárias no mundo. Porém, não se encontram entre os moralistas e defensores dos bons costumes, mas entre os que foram e têm sido julgados. E justamente por isso, não se atrevem a julgar. Sabem exatamente o quanto dói. São compreensivas. Humanas. Sensíveis. Destilam graça por onde passam...

Ainda há pessoas extraordinárias no mundo. Gente capaz de priorizar a felicidade do outro, mesmo que jamais o tenha visto. Confidente, pois conhece a dor da exposição. Gente que não precisa se esconder atrás de um linguajar puritano. Mesmo quando fala impropriedades, deixa extravasar graça e amor. Gente que ri e faz rir. Capaz de rir de si mesmo, pois não se leva tão a sério. Que torna a vida mais divertida, menos estressante. Que chora sozinha porque não quer despertar pena em ninguém. Aprendeu a ser forte. Criou resistência depois de tantas decepções. Apesar disso, não ficou amarga. 

Insisto: Ainda há gente extraordinária no mundo. Que não se aproveita de nossa fraqueza. Que nos estimula a não desistir. Que nos faz enxergar as coisas de ângulos inusitados. Que não busca felicidade à custa da infelicidade alheia. Gente decente, apesar de não ser pudica. Gente que, mais do que ninguém, merece ser feliz, mas nem sempre faz questão disso. Gente que, de tão bela interiormente, acaba deixando transparecer tal beleza em seu olhar e sorriso. Gente autêntica que diz o que pensa, e pensa no que diz. Como é bom esbarrar de vez em quando com gente assim. Poder abrir o coração sem preocupar-se em ser censurado. Desnudar a alma, pensar em voz alta sem medo de que isso seja usado contra você. Pena que sejam tão raras e nem sempre próximas de nós. Espero que um dia o mundo seja povoado de gente assim. Todos seríamos mais felizes e realizados. Elas mesmas descobririam a felicidade em sua extraordinária capacidade de fazer os outros felizes.

Gente assim são anjos sem asas, de carne e osso, de riso e lágrimas, de dor e gozo. Se não existissem, teriam que ser inventadas, senão, a vida se tornaria insuportável. 

Nem é necessário que estejam próximas de nós. Basta saber que existem e o coração se enche de esperança de que o mundo tenha jeito. Gente que mesmo longe dos olhos, deve ser carregada no coração. Se tiver a sorte de tê-la por perto, não desperdice sua companhia, antes, desfrute-a e compartilhe-a com os demais ao seu redor. 


Um profeta "maluco beleza" e a "Marcha para Satanás"

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Por Hermes C. Fernandes

É verão. Estação predileta dos cariocas. O que significa praias lotadas a cada final de semana. E basta que tenhamos um final de semana seguido de feriado, e lá vamos nós para a região dos lagos. Este é o destino mais concorrido pelos cariocas durante a estação mais quente do ano.  Enquanto todos disputam quase que à tapa um metro quadrado das areias de Arraial do Cabo para fincar seu guarda-sol, como carioca atípico que sou, reuni minha família e fomos para Campos do Jordão. Trocamos o “Rio 40º” pelo “Campos do Jordão 14º" em pleno verão. Em vez de roupas de banho, casacos. No lugar dos chinelos de dedo, botas.  Em vez de churrasco na arejada varanda de nosso apartamento, fondue ou massas numa aconchegante cantina italiana.

Destinos. Cada qual tem o direito de escolher o seu. Mas quais os critérios que usamos na hora de decidir entre um e outro? O que influencia nossas escolhas?

Um dos debates mais longos travados pela filosofia e pela teologia gira em torno da tensão entre a soberania divina e a responsabilidade humana, ou se preferirem, entre a predestinação e o livre arbítrio. Esta difícil equação é tratada num dos menores livros do Antigo Testamento: Jonas.

Jonas é enviado por Deus a uma grande cidade chamada Nínive, capital do império assírio. Qualquer um gostaria de passar uma temporada em Nínive. Qualquer um, menos um profeta. Principalmente, tratando-se de um profeta hebreu. Seria um ótimo lugar para se passar férias, mas não para desempenhar uma missão tão árdua. O povo ninivita costumava ser amistoso com os visitantes, mas hostil com quem ousasse questionar seu estilo de vida. Ainda assim, Deus demonstra se importar com eles. Algo teria que ser feito para que se evitasse a degradação daquela sociedade. Ser enviado a Nínive era um voto de confiança e tanto.  Mas Jonas não estava disposto a honrá-lo.

Ao ver a fila dos passageiros que embarcavam para Társis, tratou de comprar seu bilhete. Afinal de contas, Deus é o mesmo em todo lugar, não é mesmo? Se Ele poderia usá-lo em Nínive, por que não o usaria em Társis?

Jonas age como se a ordem divina não passasse de uma sugestão que poderia ou não ser acolhida. No exercício de sua liberdade, Jonas opta por desobedecer.

Convém aqui distinguir entre livre arbítrio e livre agência. O primeiro diz respeito à suposta capacidade do homem de arbitrar de maneira isenta de qualquer influência. Ora, tanto à luz da teologia, quanto da filosofia e até da psicologia, o livro arbítrio não passa de um mito. Todas as nossas escolhas são direta ou indiretamente influenciadas pelo ambiente, pela cultura, por pressões sociais, por taxas hormonais, e tantos outros fatores que dificilmente conseguiria enumerar. Apesar disso, somos responsáveis perante Deus por nossas escolhas. Caso contrário, não faria sentido sermos julgados por elas. Como agentes morais, somos dotados de livre agência. Independentemente de quantas vozes ouçamos no transcorrer do processo de escolha, cabe-nos a decisão final.

E como fica a soberania de Deus nisso tudo? No mesmo lugar de sempre. Absoluta. Somente um Deus verdadeiramente soberano não se sentiria ameaçado pela liberdade humana. Um Deus que precisasse nos privar desta liberdade para assegurar Sua soberania, estaria demonstrando o quão fraco e inseguro é.

Vamos deixar esta discussão para outra hora. Voltemos a Jonas.

O texto bíblico diz que ele pagou pela passagem. Não vejo razão para este detalhe, senão como aviso de que, quando optamos por fazer nossa própria vontade, quem paga o bilhete somos nós.  Mas se nos submetemos à vontade de Deus, Ele mesmo arca com os custos. Assim como ocorreu aos discípulos enviados por Jesus de cidade em cidade, sem lenço e nem documento. Ao retornarem, o mestre perguntou-lhes: Porventura vos faltou alguma coisa? E a resposta dada em uníssono foi: Nada!

Tudo seguia tranquilo até que uma inesperada tempestade atingiu em cheio o navio. Primeira medida tomada pela tripulação: livrar-se da bagagem. Com o barco mais leve, o naufrágio se tornaria numa possibilidade mais remota. Porém, a medida drástica não foi suficiente. O navio ameaçava quebrar ao meio.

Não basta tornar a vida mais leve, livrando-se dos pesos extras da preocupação. Nem basta praticarmos atos benevolentes por desencargo de consciência. Há que se descobrir a razão pela qual nosso barco existencial está a um fio de afundar. Que tal começarmos investigando os porões de nossa alma? Pois ideia semelhante teve o capitão daquela nau. Descendo ao porão do barco, flagrou ali o profeta rebelde tirando um cochilo. Enquanto cada membro da tripulação clamava à divindade de sua devoção, Jonas dormia. Espera aí... quem consegue dormir numa situação daquela? Quem consegue apagar embalado pelos açoites das ondas?

Ora, se Jonas consegue, nós também conseguimos. Jonas é o retrato da igreja cristã de nossos dias. Deixamos a proa do navio e nos aconchegamos em seu úmido porão, sem nos importar com o nauseante balanço provocado pelas ondas. Cultivamos uma espiritualidade que nos aliena da realidade e nos torna indiferentes à tragédia que nos circunda, como se não fôssemos igualmente vítimas dela. E ainda por cima, nos achamos no direito de julgar e condenar os que clamam pelo socorro de outros deuses.

Ficamos ofendidos com a marcha para Satanás, mesmo percebendo não passar de uma sátira que visa expor o anacronismo de nossa agenda. Enquanto dormimos o sono da indolência ao som dos trios elétricos que nos conduzem pela avenida em nossas marchas para Jesus, os que dizem marchar para Satanás, clamam em favor das minorias, saem em defesa de valores que nos deveriam ser caros. E nós, os que marchamos para Jesus, estamos mais preocupados em dar uma demonstração de nossa força. Nem sequer cogitamos que nosso fervor está sendo usado como capital político usado inescrupulosamente na barganha entre os líderes eclesiásticos e os detentores do poder político.

Jonas teve que ouvir um sermão do capitão do navio.

- Acorda, dorminhoco! Quem é você? De onde vem? Você não é nenhum gaiato, é?

- Eu sou hebreu e temo ao Senhor.

- Então, trate de nos dizer por que razão nos sobreveio este mal.

Como era costume entre os povos antigos, lançaram sorte e ela caiu sobre Jonas. O profeta agora estava encurralado. Todos cobravam dele uma resposta. Tonto de sono, Jonas assume a responsabilidade pela situação.

- O problema aqui sou eu. Se quiserem poupar suas vidas, lancem-me ao mar.

Ora, até onde sabemos, só havia pagãos naquele barco. O que esperar de gente que não comunga de nossa fé? No mínimo, não titubeariam em arremessar o profeta do navio imediatamente. Em vez disso, optaram por remar com mais força para tentar alcançar a terra seca. De onde menos se espera, compaixão. De onde mais se espera, indiferença. Deus estava dando uma baita de uma lição no profeta rebelde, semelhante à dada por Jesus aos Seus discípulos com a parábola do Bom Samaritano.
Vendo que era inútil remar, os homens daquele navio clamaram ao Senhor. Lançar Jonas ao mar era a última medida que pretendiam tomar. Tenho a impressão de que o próprio Jonas deva ter insistido com eles que, finalmente, cederam.

Homem ao mar!

É disso que a igreja contemporânea necessita desesperadamente. Um choque de realidade. Enquanto não deixarmos o conforto dos porões de nossa religiosidade e não formos arremessados no mar da realidade, não poderemos retomar a rota da qual temos fugido há tanto tempo.

Deus, porém, já havia preparado um submarino para resgatá-lo. Um submarino de carne e osso, coberto de escamas. Engolido pelo grande peixe, Jonas concluiu que estava no inferno. O que dizer de um lugar fétido e gosmento e ainda por cima sem luz?

Por alguma razão que não nos é revelada, Jonas cria que mesmo do inferno Deus poderia ouvi-lo e reverter sua sentença. Por isso, clama desesperadamente. Admite seu pecado. Implora por misericórdia.

Três dias depois (que pareceram uma eternidade), surge uma luz que o deixa quase cego. A língua do peixe se estende como um tapete vermelho e Jonas é convidado a se retirar.

Uma voz se faz ouvida desde o céu: Levante-se e vai para Nínive!

Nossa liberdade não interfere nos planos de Deus. Às vezes aprendemos às duras penas que “nenhum dos seus planos pode ser frustrado”.  De uma maneira ou de outra, o propósito de nossa existência se cumprirá. O universo inteiro está calibrado para isso. Por isso, inútil é tentar fugir dos propósitos divinos.  Temos, porém, diante de nós, duas alternativas: a mais fácil e a mais difícil. A indolor e a dolorosa.

O que parecia ser castigo, na verdade era livramento. Não apenas para Jonas que se afogaria caso o peixe não o tragasse, mas também para milhares de ninivitas que pereciam sem a oportunidade de conhecer a vontade de Deus e se arrepender de seus descaminhos. 

Não somos o centro gravitacional do universo.  O Deus que tanto se importa conosco, também se importa com o restante da criação. Ele não vai livrar nossa cara ao custo de perdição dos demais.

Então, que tal deixarmos de “recalcitrar contra os aguilhões”e nos rendermos a este amor do qual somos canais e não apenas receptáculos?


Esta reflexão continuará ao longo da semana. 

***

P.S. Sinto-me feliz de morar num país em que seja possível marchar pelo que quisermos.Pena darmos tanto peso ao que não passa de uma sátira, sem perceber que os satirizados somos nós. E com razão. Em vez de alardearmos a igreja quanto à insurgência do mal, deveríamos submeter-nos a uma autocrítica madura. Quem fornece a munição usada para nos satirizar somos nós mesmos. Tornamo-nos numa igreja caricata, bem distante do ideal proposto pelo Cristo a quem dizemos amar. Quem, de fato, marcha para Satanás, é quem se opõe ao projeto de Deus de redimir toda a criação. É quem segue o rumo ditado pelo sistema baseado em valores contrários ao do reino de Deus. Um sistema em que o maior é o que se impõe sobre os menores, o primeiro é quem sabe se valorizar, o mais forte é quem prevalece sobre os mais fracos e o sábio é quem sabe tirar vantagem de qualquer situação. Em contrapartida, quem, de fato, marcha para Jesus é o que entende que no reino de Deus o menor é o maior, o que admite sua fraqueza é o forte, e o que não se estriba em sua própria sabedoria é o verdadeiro sábio. O resto é gaiatice, não importa o  nome que exiba, Jesus ou Satanás.

Atendendo a pedidos de quem grita da plateia: "Toca Raul!"


Músicas seculares nos cultos: Estaria o mundo entrando mesmo na igreja?

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Por Hermes C. Fernandes

De acordo com o relato bíblico, tão logo as águas do dilúvio recuaram, Noé soltou um corvo, que ia e voltava, mas nada trazia em seu bico. Até que foi e não voltou mais. Ora, depois de tantos dias de chuva que praticamente exterminou todo ser vivo que havia na face da terra, era de se esperar que houvesse inúmeras carcaças tanto de homens quanto de animais espalhadas boiando pelo mundo afora. O corvo, que é uma ave de rapina, deve ter se banqueteado. Das vezes que voltou para a arca, estava de barriga cheia, mas de bico vazio.

Depois de algum tempo, Noé soltou uma pomba. Da primeira vez, ela voltou com o bico vazio. Mas da segunda, ela trouxe no bico um raminho de oliveira. Noé entendeu que aquilo era o sinal de que mesmo em meio a tanta podridão, a esperança voltava a germinar. Corvos se encantam com a carniça. Pombas, não.

O corvo representa nossa natureza pecaminosa que se esbalda com a sujeira deste mundo. Por isso, muitos pastores preferem manter seus corvos, quer dizer, seu povo preso na arca, isto é, na redoma da igreja. Eles sabem que se soltá-los, não voltarão mais. Mas aquele que tem a natureza regenerada representada pela pomba não se sente atraído por carniça. Ele sobrevoa este mundo fétido e traz sempre no bico um sinal de esperança.

Nem tudo está perdido, amigos. Os puros hão de perceber sinais de esperança dentro da cultura. Rastros inequívocos da graça que nos fazem apostar que um novo mundo começa a emergir diante dos nossos olhos. Enganam-se os que pensam que por estarmos cantando canções seculares nos cultos, estamos traindo nossa fé e introduzindo o mundo na igreja. Não! Estamos apenas trazendo nos lábios sinais de esperança. Oliveiras que brotam nos mais inusitados lugares, mesmo cercadas de carniça e podridão.

Agora entendo porque os magos só chegaram dois anos depois do nascimento de Jesus: para evitar cruzar com os pastores que o visitaram antes. Talvez estes, por serem judeus, se sentissem ofendidos ao verem astrólogos pagãos oferecendo ao menino presentes e adoração. Imagine agora como alguns judeus devotos devem ter se sentido quando Deus se dirigiu a Ciro, um rei pagão idólatra, chamando-o de "meu servo", "meu pastor". O mesmo se deu com Nabucodonosor que mandou construir uma estátua para ser adorada.

Como poderia Deus receber adoração de gente comprometida com o outro lado? Assim tem pensado muitos cristãos que se sentem ofendidos quando afirmo que é possível encontrar rastros da graça de Deus na obra de gente cuja biografia desafia nossos escrúpulos religiosos. Somos vaidosos demais para admitir. Isso lembra os discípulos que quiseram impedir os que faziam a obra sem ser um dos deles. Jesus respondeu: Não os impeçais. Quem não é contra nós, é por nós.

Não precisa pertencer ao clube dos santos para ser eventualmente usado por Deus. Por isso, em vez de dar uma de Satanás, apontando os erros desses cantores 'mundanos' para desqualificá-los, prefiro garimpar suas obras musicais em busca de rastros inequívocos da graça de Deus. O Deus que recebeu os presentes dos magos, certamente não se ofende com as canções de Raul Seixas.

Além do mais, altar não é aquela plataforma que usamos como púlpito, mas o ambiente de um coração humilde e grato a Deus; culto não é o que acontece durante as duas horas em que nos reunimos, mas o que ocorre ao longo da vida, quando temos a consciência da companhia de Deus e a celebramos cada vez que a vislumbramos na face do nosso semelhante. A verdadeira liturgia não são mãos erguidas ao alto, mas mãos estendidas ao próximo, não são gritos de "aleluia", mas de protesto contra toda injustiça, não são sermões que nos fazem levitar, mas que nos devolvem ao chão e nos enviam a transformar o mundo.

Permitam-me, ainda, um esclarecimento: quando cantamos músicas seculares na Reina, nosso objetivo não é atrair não cristãos ao culto. Não se trata de uma estratégia evangelística. Os que vierem, virão atraídos pela maneira como vivemos e encarnamos os ensinos de Jesus. Também não é para satisfação da nossa carne, como alguém insinuou. O objetivo é fazer com que nos sensibilizemos ante os anseios da criação tão eloquentemente expressados através da cultura e em especial da música. Como poderemos oferecer respostas a perguntas que desconhecemos? A graça que nos alcançou tem sido destilada pelo mesmo Espírito por todas as culturas humanas. Compete-nos identificar seus rastros e celebrar seus feitos.

E por fim, parafraseando Paulo, "ninguém se glorie nos homens; porque tudo é vosso; seja John Lennon, seja Elvis, seja Renato Russo, seja Elis Regina, seja o MUNDO, seja a vida, seja a morte, seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, e vós de Cristo, e Cristo de Deus" (1 Coríntios 3:21-23). Nada, nem ninguém, vai restringir nossa liberdade em Cristo!
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