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Precipício à vista: Pastores entregam colegas para serem torturados

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Por Hermes C. Fernandes

É assustador notar que depois de mais de cinquenta anos do golpe militar, boa parte da liderança evangélica brasileira sinta-se atraída pela possibilidade de que o país retroceda e volte aos "anos dourados" da ditadura. Razão pela qual resolvi postar novamente este artigo que oferece um vislumbre do que foram os anos que se seguiram e de quanto alguns setores da igreja evangélica se beneficiaram do regime, apoiando-o a ponto de pastores entregarem seus colegas para serem torturados.

Durante os primeiros anos do regime militar, os grandes centros do Brasil experimentaram uma enxurrada de pregadores norte-americanos. Com suas tendas portáteis, eles pregavam uma versão do evangelho diluída em ideologia capitalista, com discurso notavelmente fundamentalista e anti-comunista. Esses movimentos foram os matizes do neo-pentecostalismo brasileiro. Qualquer vertente protestante ou católica socialmente engajada era considerada subversiva, e por isso, tinha que ser combatida. Foi nesta mesma época que o Brasil importou dos EUA o movimento de renovação carismática da igreja católica.

Os militares, atendendo aos interesses do imperialismo americano, perceberam que uma religiosidade mais mística, que promovesse alienação nas camadas populares, inibiria a emergência de uma consciência crítica da realidade. A ênfase exacerbada nos dons espirituais, nas manifestações prodigiosas, somada a uma escatologia escapista, se incumbiriam de manter as pessoas distraídas, enquanto a agenda política americana fosse implantada na América Latina (o mesmo aconteceu no Chile e na Argentina). O fruto disso tudo é o estado atual em que se encontra a igreja brasileira. Lamentável. Deprimente. Para não dizer, desesperador.

Quanto aos pastores delatores, estes certamente achavam estar prestando um serviço à causa de Deus. Foram marionetes nas mãos dos poderosos. Desde então, a igreja evangélica brasileira vêm se promiscuindo, aliando-se às famigeradas oligarquias que têm governado este país desde as capitanias hereditárias, em vez de denunciar as injustiças, sendo voz profética em favor dos que não têm voz.

Temo que a presente animosidade que tem dividido nosso povo tenha chegado também à classe pastoral, e que isso possa gerar disposição semelhante a de outrora; se não de entregar colegas à prisão, pelo menos usar as redes sociais e os púlpitos para desmoralizá-los pelo simples fato de não esboçarem uma visão reacionária ou por não apoiarem o impeachment de Dilma Rousseff. Deixa-me perplexo ver homens que têm dado uma grande contribuição à evangelização do país sendo vítimas deste patrulhamento ideológico, execrados por companheiros que antes os apoiavam. Eu mesmo já recebi comentários inusitados em minhas páginas nas redes sociais. Fui chamado de patife, esquerdopata, comunista, e o pior de tudo é que isso partiu de irmãos em Cristo. Eles apenas repetem exaustivamente o que ouvem de seus gurus e mentores espirituais. Se, de fato, almejamos dias melhores, temos que aprender a conviver com o contraditório, sem nos ressentir nem sair por aí ofendendo a quem quer que seja. Por favor, mais amor, menos rancor. 

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O Ato Institucional Número Cinco foi o quinto de uma série de decretos emitidos pelo regime militar nos anos seguintes ao Golpe militar de 1964 no Brasil. Redigido pelo Presidente Artur da Costa e Silva em 13 de dezembro de 1968, veio em represália à decisão da Câmara que se negara a conceder licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por um discurso pedindo ao povo brasileiro que boicotasse as festividades do dia 7 de setembro. Mas o decreto também vinha no correr de um rio de ambições, ações e declarações pelas quais a classe política fortaleceu a chamada linha dura do regime instituído pelo Golpe Militar. O Ato Institucional Número Cinco, ou AI-5, foi um instrumento de poder que deu ao regime poderes absolutos e cuja primeira conseqüência foi o fechamento do Congresso Nacional por quase um ano.

O AI-5 era o endurecimento do regime militar. A tortura tornou-se instrumento de política de Estado e a repressão entrou na sua fase mais violenta. Começava então o estranhamento entre o governo militar e a Igreja Católica, principalmente com o setor progressista, defensor da Teologia da Libertação, uma leitura da inspiração marxista do Evangelho. Aquele foi o único espaço que realmente encarou a ditadura. Até jovens evangélicos abandonados por suas igrejas encontraram apoio nos progressistas católicos. Diante do silêncio da maioria das igrejas evangélicas, para muitos seminaristas e pastores, a Igreja Católica tornou-se um grande guarda-chuva onde podiam se abrigar.


Em Volta Redonda, no sul do Estado do Rio de Janeiro, o pastor batista Geraldo Marcelo foi preso três vezes como agente da subversão, chegando a ficar 43 dias em poder dos militares. Ex-funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e membro do Conselho Fiscal do Sindicato dos Metalúrgicos, o religioso, hoje com 84 anos, superou os traumas e relembra dos cultos que realizava na cadeia: “Cinco companheiros se converteram e um deles hoje é pastor”, aponta. A mesma sorte não teve Anivaldo – preso em 1970, ele permaneceu 11 meses incomunicável no famigerado Departamento de Operações e Informações - Centro de Operações e Defesa Interna, o DOI-Codi, principal órgão de repressão do regime militar. Sofrendo torturas diárias, pensou em suicídio para não sucumbir à coação para entregar os amigos e irmãos de fé. “Eu pensava em me matar. A pressão era muito grande. Só que eu era forte – precisava de cinco, seis, para me torturar”, conta, ainda visivelmente comovido com as lembranças. “Foi pela ação de Deus que eu não morri. Eu me sentia como Jesus, querendo passar de mim aquele cálice de dor”.

Por sua vez, Anivaldo soube pelos torturadores que foi denunciado por um pastor e um bispo da Igreja Metodista. Mas a certeza só veio quando, anos depois, teve acesso à sua documentação nos arquivos da ditadura. “No meu processo está o bilhete que o pastor José Sucasas Junior e seu irmão, o bispo Isaías Sucasas, mandaram ao coronel Faustine, diretor do Serviço Nacional de Informações e presbiteriano, me entregando. Havia uma aliança implícita entre os setores conservadores da Igreja e os órgãos de repressão”, denuncia. A falta de registros históricos do período da ditadura pela Igreja Evangélica é uma das formas de não revelar seus paradoxos. A mesma denominação que o delatou também tinha setores que o apoiavam e à sua família. “Houve um bispo que tentou me visitar e não conseguiu. Igrejas oraram em atos de fé e coragem”.

Deduragem– Luiz Caetano Grecco Teixeira, também preso após o AI-5, lembra que a “deduragem era fenomenal” entre os crentes e até entre pastores e as próprias ovelhas. Ele conta que, numa reunião de oração de estudantes cristão, uma então líder da Aliança Bíblica Universitária, a ABU – hoje, pregadora conhecida – entregou ativistas aos agentes da repressão que entraram no recinto. Entre eles, estava Mozart Noronha, que na época era crente presbiteriano e hoje é pastor luterano no Rio. O nome da mulher, Grecco não revela. “É um acerto de contas pessoal”, justifica.

Para ele, a partir de 1970 houve um desmonte da consciência política da Igreja Evangélica brasileira, movimento com influência americana: “Veio para cá o chamado grupo da Califórnia, da extrema direita protestante americana, uma organização com muito dinheiro.” A ação do movimento consistia em enviar ao Brasil professores de teologia e recursos para tocar projetos educacionais ligados a igrejas. “Era a direita se fortalecendo dentro da Igreja."

A partir dali, começou a falência da Escola Bíblica dominical e o fortalecimento do modelo eclesial americano”, avalia Gracco.Percival de Souza, que em 1968 era repórter do Jornal da Tarde, em São Paulo, foi duas vezes enquadrado na Lei de Segurança Nacional, acusado de jogar o povo contra os militares através de suas matérias. Denunciado na Justiça Militar, o jornalista diz que não recebeu nenhuma palavra de apoio da igreja a que pertencia: “Só não fui preso pelos desígnios divinos”, comenta.

Enquanto o regime prendia pessoas que sequer sabiam porque eram detidas, Percival lembra que movimentos extremistas de esquerda executavam sumariamente companheiros que consideravam ter práticas burguesas. Ele conta um episódio curioso: “Um casal de militantes comunistas foi repreendido simplesmente por cantar Parabéns pra você no aniversário da filha”. Percival também faz questão de contar que Diógenes de Oliveira, que durante o regime pertencia ao movimento revolucionário, em 2001 foi acusado de fazer acordo com a polícia para não incomodar o jogo do bicho, em Porto Alegre (RS), quando era coordenador financeiro da campanha de Olívio Dutra à reeleição para o governo do Estado. “Escapamos da ditadura militar e entramos na ditadura da mediocridade, inclusive na Igreja”, conclui Percival.

Comissão da Verdade vai apontar religiosos que ajudaram a ditadura

A Comissão Nacional da Verdade criou um grupo para investigar padres, pastores e demais sacerdotes que colaboraram com a ditadura militar (1964-1985), bem como os que foram perseguidos. 

“Os que resistiram [à ditadura] são mais conhecidos do que os que colaboraram”, afirmou Paulo Sérgio Pinheiro, que é o coordenador desse grupo. “É muito importante refazer essa história." 

Ele falou que, de início, o apoio da Igreja Católica ao golpe de Estado “ficou mais visível”, mas ela rapidamente se colocou em uma “situação de crítica e resistência.” 

O bispo Carlos de Castro, presidente do Conselho de Pastores do Estado de São Paulo, admitiu que houve pastores que trabalharam como agentes do Dops, a polícia de repressão política da ditadura. Mas disse que nenhuma igreja apoiou oficialmente os militares. 

No ano passado, a imprensa divulgou o caso do pastor batista e capelão Roberto Pontuschka. De dia ele consolava os presos, falando sobre Deus, e à noite os torturava. Em maio deste ano, a Comissão de Anistia concedeu indenização ao evangélico Anivaldo Padilha, 72, que foi denunciado ao regime pelo bispo Isaías Fernando Sucasas e pastor José Sucasas Jr, da Igreja Metodista. Os sacerdotes desses casos já morreram. 

O batista Enéas Togninini, 97, é um religioso que ficou do lado da repressão militar. Ele chegou a pedir aos aos fiéis um dia jejum e oração ao regime. "Não me arrependo porque eles [os militares] fizeram um bom trabalho", disse ele recentemente à revista Istoé. "Salvaram a pátria do comunismo."

O novo grupo da Comissão da Verdade vai pesquisar documentos, depoimentos, teses e arquivos internacionais. O resultado desse trabalho será divulgado em um relatório final. 

"Podemos indicar elementos de igreja que trabalharam como informantes da ditadura, mas não condená-los", disse Pinheiro.


Pastor torturava à noite presos da ditadura e de dia falava da Bíblia


O pastor batista e capelão Roberto Pontuschka era um assíduo frequentador dos porões da ditadura militar (1964-1985). À noite ele torturava os presos políticos, no pau de arara, e de dia os consolava falando de Deus e lhes dava exemplares do Novo Testamento. Entre os presos, havia evangélicos, como o presbiteriano Rubem Cesar Fernandes, 68.

Fernandes foi preso em 1962 pelos policiais da Oban (Operação Bandeirantes) por ser militante estudantil. Ele disse ter sido dedurado por pastores por ser considerado “elemento perigoso”. Até hoje o antropólogo não se conforma: “Não é justificável usar o poder militar para prender irmãos”.

Outras histórias como a de Fernandes estão vindo à tona a partir do exame das cópias de documentação de tribunais militares que o CMI (Conselho Mundial de Igrejas), organização internacional ecumênica, acaba de repatriar ao Brasil. Mais de um milhão de páginas estavam protegidas em Chicago, no Center For Research Libraries. Sem que os militares suspeitassem, as cópias foram feitas quando os advogados dos presos retiravam dos tribunais os processos para examiná-los por 24 horas.

Os militantes de oposição à ditadura sempre acusaram as igrejas evangélicas de terem dado apoio à repressão, diferentemente da Igreja Católica de dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, que se colocou na linha de frente da resistência ao regime.

A documentação do CMI confirma a conivência institucional dos evangélicos.

Anivaldo Padilha foi torturado pela ditadura militar
Padilha foi denunciado
por pastores metodistas
Anivaldo Padilha (foto), hoje com 71 anos, foi denunciado pelo pastor José Sucasas Jr. e pelo bispo Isaías Fernandes Sucasas, ambos metodistas e já falecidos.

Padilha foi torturado por 20 dias no DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo entre fevereiro e março de 1970. Estava com 29 anos. Era metodista e estudava ciências sociais na USP (Universidade de São Paulo). O trauma quase o levou ao suicídio. Viveu 13 anos no exílio.

Preso em 1969, Leonildo Silveira Campos foi torturado por dez dias. Estava com 21 anos e era seminarista da Igreja Presbiteriana Independente. Hoje é teólogo e professor de ciências da religião na Umesp. Ele também não se esqueceu das “pregações” de Pontuschka, o pastor torturador.

Zwinglio Mota Dias, 70, hoje pastor emérito da IPU (Igreja Presbiteriana Unida do Brasil), foi expulso em 1962 do Seminário Presbiteriano de Campinas porque defendia que a salvação das almas passava pelas questões sociais. Outros 38 seminaristas foram expulsos.

Na Faculdade de Teologia de São Paulo, da Igreja Metodista, o pastor Boanerges Ribeiro, presidente na época da denominação, “convidou” alunos e professores a se retirarem.

Anivaldo Padilha afirmou que vários evangélicos colaboraram com a repressão, delataram irmãos e assumiram o discurso dos militares. “Eu acreditava ser impossível que alguém que se dedica a ser padre ou pastor, cuja função é proteger suas ovelhas, pudesse dedurar alguém.”

Ele contou que anos depois se encontrou com um de seus torturadores em um Carnaval e o perdoou. “O perdão, para mim, foi uma forma de exorcizar os demônios das torturas que me causaram pesadelos durante quase seis anos”.

Mas nem por isso os torturadores devem ficar impunes, disse.

“A punição deles é importante para resgatar a dignidade dos que foram torturados, da memória dos assassinados, das famílias que não puderam ainda sepultar seus membros desaparecido.”

Fontes: Wikipéida, Eclésia, Istoé e Blog do Paulo Lopes


O ato patético do Malafaia e o comunismo mequetrefe do PT

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Por Hermes C. Fernandes

Isenção. Parece que esta palavra não anda muito em alta ultimamente. Todos requerem que saiamos de cima do muro, escolhendo um dos lados. Porém, quando falo de isenção profética, refiro-me a olhar para além do muro, posicionando-se de maneira tal a tornar possível uma avaliação desprovida de paixão.

Tomo como parâmetro as cartas de Jesus registradas no livro de Apocalipse endereçadas às igrejas da Ásia Menor. Nelas, Jesus elogia o que podia ser elogiado, critica o que devia ser criticado, encoraja o que precisava ser encorajado, adverte no que tinham de ser advertidas. À igreja em Éfeso, por exemplo, Ele diz:

“Conheço as tuas obras, e o teu trabalho, e a tua paciência, e que não podes sofrer os maus; e puseste à prova os que dizem ser apóstolos, e o não são, e tu os achaste mentirosos. E sofreste, e tens paciência; e trabalhaste pelo meu nome, e não te cansaste. Tenho, porém, contra ti que deixaste o teu primeiro amor. Apocalipse 2:2-4

Quando pendemos para um lado, fazemo-nos cegos ante os equívocos, enfocando apenas os acertos, ou vice-versa. Tal dicotomia é falaciosa e, pelo bem da verdade, deve ser evitada e denunciada.

Permita-me expor um pouco do que penso sobre o atual governo e o partido que está no poder a 13 anos.

O Partido dos Trabalhadores me proporcionou duas grandes surpresas. Primeiro, positiva. Depois, negativa.  A positiva se deve ao fato de haver crescido ouvindo horrores acerca dos “comunistas”.  Cresci durante o regime militar. Fui doutrinado em sala de aula por matérias como OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e “Moral e Cívica”. Na escola pública onde estudava, tínhamos que nos formar no pátio e jurar a bandeira embalados pelo Hino Nacional todos os dias. 

Diferentemente das crianças dos anos 80 e 90 que cresceram aos cuidados de Xuxa e Cia, eu cresci assistindo ao Capitão Aza, programa infantil comandado por um personagem militar que usava um capacete com o símbolo do Capitão América. Minha visão de mundo foi diretamente influenciada pelos enlatados Made in USAtransmitidos na sessão da tarde, em que o homem branco era sempre o mocinho e o índio, também chamado de pele vermelha era sempre o bandido.

Meu pai, filho do seu próprio tempo, nos advertia que se um dia os comunas chegassem ao poder, teríamos que dividir nossa casa com outras famílias e estar dispostos a morrer por nossa fé. Foi para frear a ascensão comunista que ele apoiou Moreira Franco para o governo do Rio em oposição a Leonel Brizola. Mais tarde, ele foi o orador do lançamento da candidatura de Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás, num restaurante do Rio de Janeiro. Portanto, posso assegurar que nasci e cresci num lar tipicamente cristão e conservador. Infelizmente, meu pai não viveu o suficiente para ver seus temores ruírem com a eleição de um metalúrgico ao mais importante posto político do país.

Assim que Lula assumiu o poder, uma das primeiras medidas que tomou foi convidar líderes evangélicos para um encontro no Palácio do Planalto. Ainda desfrutando do prestígio alcançado pelo meu pai no cenário político-religioso, fui convidado com outros 39 líderes de várias denominações para nos reunir com aquele a quem por anos chamávamos de “sapo barbudo”.  Alguns dos que hoje vociferam em seus programas de TV contra o governo também estavam lá, faceiros, orgulhosos por entrarem pela primeira vez no centro do poder para uma audiência com ninguém menos que o presidente da república (o mesmo que eles duramente criticaram durante a campanha). Nunca antes na história de nosso país, pastores haviam sido convidados para participar de políticas sociais que pretendiam tirar milhões de pessoas da mais absoluta miséria. Em vez de nos enviar para o temido paredão (houve quem pensasse que aquela reunião fosse uma armadilha), Lula nos pediu que o ajudasse, mas não nos prometeu nada. Soava-me ingênuo de sua parte acreditar que alguns daqueles homens se engajariam numa luta contra a miséria sem esperar algo em troca. Assim que cheguei a Brasília, pensei com os meus botões: com o que será que nossos pastores estão se metendo? Mas depois de ouvir os comentários dos mesmos nos bastidores, pensei: Este presidente é que não sabe onde está se metendo...

Devo confessar que não saí dali convencido. Cheguei a imaginar que tudo aquilo poderia ser uma manobra de alguém que quisesse implantar um regime totalitário no país. Verdade é que alguns daqueles líderes acabaram se envolvendo em tais políticas sociais; eu preferi manter distância. Não apenas por não estar convencido da sinceridade do presidente, mas por haver decidido manter nossa igreja distante de qualquer envolvimento político-partidário.

Os anos se passaram. Lula foi reeleito e terminou seu governo com o maior índice de popularidade entre todos os presidentes. Pela primeira vez, ao apresentar-me no exterior como pastor brasileiro, perguntavam-me por Lula e não mais por Pelé. Percebi em minhas viagens aos EUA que o fluxo migratório havia se revertido. Havia mais brasileiros voltando para o Brasil cheio de esperanças, do que o abandonando e trocando-o pelo american dream. O brasileiro passou a ser tão cobiçado pela indústria turística, que alguns países deixaram de exigir dele um visto de entrada. Até os EUA passaram a estudar a possibilidade de suspender a dura política de vistos para brasileiros. Mesmo que não tenha suspendido, é muito mais fácil conseguir um visto hoje em dia do que há quinze anos. Tudo graças ao período de prosperidade que vivemos nos últimos anos.  Sem contar que o país deixou de ser mero coadjuvante para tornar-se num poderoso e respeitado protagonista no tabuleiro da política internacional. Deixamos de ser vistos como república das bananas para ser visto como uma potência em ascensão.

Trinta e seis milhões de cidadãos brasileiros foram içados de sua condição de miséria absoluta. Outros tantos milhões foram introduzidos à nova classe média.

Visitando os membros de nossa igreja que moram em comunidades carentes, pude observar quantos tiveram acesso a bens de consumo. A velha geladeira com a porta pendurada com arame cedeu a um refrigerador duplex. Aparelhos de ar condicionado nos quartos. TVs de tela fina. Celulares. Internet e TV por assinatura. E não raras vezes, um carro estacionado no pé do morro. Vibrei cada vez que celebrei o aniversário de quinze anos da filha de uma família pobre ou o casamento dos sonhos de um casal de origem humilde.

Comemorei cada vez que um irmão de comunidade vinha me contar que seu filho ou filha havia entrado para uma universidade pública.

Se por um lado, vibrava com as conquistas sociais, por outro, preocupava ver as alianças que o governo fazia em nome da governabilidade. Constrangia-me ver Lula posando ao lado dos caciques da política, gente do quilate ético de José Sarney e Paulo Maluf. Também ficava constrangido cada vez que lia a notícia de que “nunca na história do país” os bancos haviam lucrado tanto. Temia que o PT houvesse vendido sua alma ao diabo e que, eventualmente, ele viria cobrar. E veio.

Detestei ver Dilma desfilando nos púlpitos de igrejas evangélicas durante sua campanha presidencial (ela não foi a única!). Não gostei de vê-la na inauguração do Templo de Salomão. Durante todo o seu governo, a IURD colou feito um carrapato. Jamais gostei de vê-la falar em público. Uma lástima. Falta-lhe o traquejo e o carisma de seu mentor. Mas, sinceramente, não consigo ver nela uma pessoa de má fé. Mesmo não me passando confiança em seu discurso, respeito sua história de luta contra o regime militar, o que lhe rendeu prisões e torturas.

Sem dúvida, minha maior decepção se deu quando começaram a estourar os escândalos de corrupção. Parafraseando Jesus aos Efésios, parece que o PT deixou o seu primeiro amor. Todo o discurso ético que marcou sua trajetória foi lançado na lata do lixo.

Posso dizer, sem medo de errar, que o PT traiu o seu povo e a sua própria história, e, certamente pagará um alto preço por isso. Seria tolice acreditar que ele esteja só nesta lama. Quase todos os partidos estão atolados até o pescoço. Porém, nenhum deles tem o histórico do PT. Que todos errassem, mas ele não tinha o direito de errar. Pelo menos, não no que tange à corrupção. Que fosse por gestão incompetente, mas nunca por corrupção.

Como todo brasileiro que se preze, estou farto de corrupção. O país precisa ser passado a limpo. Todo este mar de lama tem que ser varrido de uma vez por todas.

O Brasil precisa de muito mais que um “lava-jato”. Ele precisa de uma faxina completa, e não apenas de uma ducha rápida na carroceria para inglês ver. Nossas instituições precisam ser aspiradas do lado de dentro, e ter suas rodas devidamente calibradas e balanceadas. O país precisa de um pitstop para trocar o óleo do motor que a esta altura já virou uma gosma queimada que perdeu sua viscosidade. E isso, antes que o motor entre em pane.

Pelo jeito, teremos que cortar na própria pele. Deixar de lado as paixões ideológicas e partidárias. Admitir que fracassamos como sociedade, a que instituiu o jeitinho e despudoradamente se orgulha disso como se fosse um patrimônio tombado.

Isso não significa que vale tudo para destituir uma presidente democraticamente eleita. Sim, eu disse “democraticamente eleita”, porque não acredito em teorias da conspiração em torno das urnas eletrônicas. Se isso fosse verdade, por que o PSDB conquistou o governo do mais importante estado da federação? E os outros estados onde o PT perdeu? Se houvesse fraude, por que permitir um segundo turno tão conturbado? Quem frauda no segundo turno, poderia ter fraudado ainda no primeiro, evitando tanto desgaste e uma vitória tão apertada.

Não vale tudo para reverter o que está aí. Devemos pautar pela ética, pelo estado de direito, pelo o que é justo e verdadeiro. Infelizmente, boa parte das lideranças evangélicas há muito trocou a Bíblia por Maquiavel. Paulo, o apóstolo, nos adverte a que não usemos armas carnais em nossa militância contra o mal (2 Coríntios 10:4). Dentre tais armas está a mentira, as meias-verdades, as insinuações, as calúnias.

Como cantava Cazuza, “eu vejo o futuro repetir o passado, um museu de grandes novidades.” Ou como disse o sábio Salomão, “não há nada novo debaixo do sol. O que é, já foi um dia.”

Os mesmos argumentos usados em 1964 pelos que participaram da “marcha pela família com Deus pela liberdade”, são exaustivamente repetidos nos púlpitos e programas evangélicos televisivos. Aceitamos a oferta de Saul e vestimos sua armadura.

Como se não bastasse a mentira de afirmar que o atual governo é comunista, conclama-se o povo evangélico para um “ato profético” na esplanada do planalto, no afã de dar uma aura espiritual àquilo que esconde pretensões políticas e econômicas inconfessáveis.  Quando aprenderemos, afinal?

A manifestação de demonstração de poder (não passa disso!) está prevista para coincidir com o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff no Congresso e deve mobilizar caravanas de todo o país. Malafaia disse em entrevista que o evento tem o objetivo de profetizar o fim da corrupção e da crise econômica no Brasil. Chega ser cômico, não fosse trágico. Como o mundo poderia nos levar a sério com um mico desses?

Será que o Eduardo Cunha, paladino da transparência e da honestidade, estará no palco com a dupla dinâmica, Malafaia e Feliciano, como esteve tantas outras vezes? Será que basta meia dúzia de palavras mágicas “em nome de Jesus” e tudo se reverterá? É este o tipo de espiritualidade ensinada por Jesus? Ou será que o objetivo seria mandar um recado ao próximo mandatário do país?


Por que um governo que fosse uma ameaça comunista, como alega Malafaia, isentaria as igrejas de IPTU? Se houvesse pretensão de instalar uma ditadura, por que ainda não o fez, mesmo tendo aparelhado o estado? O que é que estão esperando? Que comunismo mais mequetrefe, que nem sequer cassou concessões de TV que lhe fazem oposição aberta diuturnamente!

Que governo totalitário permite que a polícia federal e o judiciário façam o que estão fazendo? O que, aliás, outros governos considerados conservadores nem de longe permitiram.

De acordo com Renato Janine, professor de Ciências Políticas da USP, “o princípio de todo partido ou militante comunista é a abolição da propriedade privada dos meios de produção. Quer dizer que só a sociedade pode ser dona de fábricas, fazendas, empresas. Já residências, carros, roupas e hortas para uso pessoal ou familiar não precisariam ser expropriadas de seus proprietários privados. A casa em que eu moro não é ‘meio de produção’. Menos ainda, minha roupa. Mesmo a horta, em vários países comunistas, ficou em mãos particulares. Seja como for, o ponto de partida do comunismo é: a propriedade privada dos meios de produção — fazendas, fábricas — é injusta e, também, ineficiente. Deve ser suprimida. Sem essa tese, não há comunismo.”

Ora, até o presente momento, não se ouve falar de latifúndios que teriam sido desapropriados pelo governo em benefício do MST, por exemplo. A tão esperada reforma agrária nunca saiu do papel. E por que as estatais privatizadas pelos tucanos a preço de banana não foram ainda retomadas?  Que comunismozinho mais sem vergonha!

Outra coisa: os Malafaias e Felicianos da vida seguem aterrorizando os crentes dizendo que o comunismo trabalha para destruir o conceito de família tradicional, com sua agenda LGBT e sua ideologia de gênero. Ora, ora, quem introduziu a equivocadamente chamada “ideologia de gênero” não foi algum país comunista, mas a maior potência capitalista do mundo, os Estados Unidos. Países considerados comunistas como a China punem severamente a prática homossexual.

A que conclusão podemos chegar com o que expus até aqui? Há muito que criticar o atual governo, mas será um baita equívoco criticá-lo por ser comunista. Por trás da falsa e alardeada conexão entre o PT e o comunismo está uma visão de mundo reducionista, fruto de um raciocínio raso e primitivo, que atrela qualquer grupo ou ato da esquerda política ao bolchevismo ou ao bolivarismo.

Definitivamente, 1964 é um filme que não vale a pena ver de novo. Os argumentos são os mesmos. As mentiras, idem. Alegavam que João Goulart pretendia dar um golpe comunista e que a única maneira de evitá-lo seria um contragolpe. Deu no que deu.  Que não se repita nunca mais. No que depender de mim, a menos que se comprove o envolvimento da presidente na corrupção, NÃO VAI TER GOLPE. Até o momento, o nome de vários de seus detratores conta na lista do Lava-Jato, exceto. O dela, não. 

Se quisermos limpar o país, comecemos pelos nossos púlpitos. Que nunca mais políticos transitem por eles. Que nunca mais líderes negociem os votos de seu rebanho. Que nunca mais usem o prestígio advindo de sua posição para pressionar governos a atenderem suas solicitações nem sempre louváveis. 

Não se trata de ideologia de gênero, mas de educação para a diversidade

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Por Hermes C. Fernandes

A primeira vez que me deparei com a questão da homossexualidade eu tinha por volta de 8 ou 9 anos e estudava na Escola Municipal Haiti, uma escola pública no bairro de Quintino, zona norte do Rio. Havia um casal de gêmeos em minha classe. O menino era o que costumávamos chamar de afeminado. Devido a seus trejeitos, sofria todo tipo de bullying. Houve um dia em que várias garotos correram atrás dele para espancá-lo. Apensar de não participar das brincadeiras cruéis de que ele era vítima, confesso que não me importava. Como cristão, havia aprendido que aquilo era uma abominação. Se não quisesse sofrer, ele que mudasse sua maneira de ser e virasse homem. Era exatamente assim que eu pensava. Até que um dia, os mesmos garotos que correram atrás dele para espancá-lo, correram atrás de mim para me espancar. Ele sofria por sua orientação sexual e eu por causa da fé intransigente que professava. Após a aula, juntaram-se nove garotos para me bater. Saí disparado pela rua afora e consegui me esconder atrás do balcão de uma farmácia próxima da praça e da estação ferroviária. Naquele dia, eu e aquele garoto de trejeitos femininos tínhamos algo em comum. Ambos sabíamos o que era sofrer por causa do preconceito. Desde então, comecei a olhá-lo com outros olhos, e algumas vezes, pelo que me lembro, saí em sua defesa. 

O ambiente escolar costuma ser cruel com os diferentes. Por isso, acredito que cabe aos professores trabalhar para atenuar este tipo de comportamento. 

Recentemente, um menino de apenas doze anos, amiguinho de algumas crianças que frequentam nossa igreja, suicidou-se tomando chumbinho e sufocando-se com um saco plástico, por não suportar o bullying sofrido na escola. 

Nem sempre os pais sabem o que acontece na escola. E às vezes, mesmo sabendo, não tomam qualquer providência, seja por sentirem-se impotentes, ou simplesmente por não se importarem. Por estas e outras, sou 100% a favor da proposta da educação para a diversidade.

Leia abaixo uma matéria que considerei muito pertinente acerca deste delicado e controverso assunto:

Não é 'ideologia de gênero', é educação e deve ser discutido nas escolas

Pesquisa realizada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), no interior de São Paulo, mostrou que 32% dos homossexuais entrevistados afirmaram sofrer preconceito dentro das salas de aula e também que os educadores ainda não sabem reagir apropriadamente diante das agressões, que podem ser físicas ou verbais, no ambiente escolar.

Os dados, segundo os pesquisadores, convergem com aqueles apresentados em pesquisa do Ministério da Educação que ouviu 8.283 estudantes na faixa etária de 15 a 29 anos, no ano letivo de 2013, em todo o país, e constatou que 20% dos alunos não quer colega de classe homossexual ou transexual.

A professora do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) da Ufscar, que é uma das autoras do estudo, Viviane Melo de Mendonça, afirma que o entendimento desse cenário e a busca por estratégias capazes de revertê-lo não são questões do movimento LGBT, mas sim uma questão da educação que deve ser defendida e compreendida por todos os educadores.

“A educação para a diversidade não é uma doutrinação capaz de converter as pessoas à homossexualidade, como se isso fosse possível. O objetivo é criarmos condições dentro das escolas para que professores e alunos possam aprender e ensinar o convívio com as diferenças que naturalmente existem entre todos”, disse a pesquisadora.

Segundo ela, este e outros estudos de gênero e sexualidade “contribuem para levantar questões e pensar em ações na escola em uma perspectiva da educação para diversidade e, desse modo, para uma educação que combata a discriminação e preconceitos, as violências de gênero, violência contra mulher e a violência homo, lesbo e transfóbica”.

Para a pesquisadora, a escola tem que ser um espaço aberto à reflexão e de acolhimento aos alunos em sua individualidade e liberdade de expressão.

Para a promoção da diversidade e dos direitos humanos nas escolas, de acordo com a pesquisadora, é necessária a formação de educadores para a questão.

“É necessário que a formação de professoras e professores tenham um debate mais aprofundado sobre as questões de gênero e sexualidade, com disciplinas obrigatórias que tratem do tema. É fundamental também que se desconstruam as resistências para se falar da diversidade sexual e das diferenças, bem como das desigualdades persistentes e estruturais em nossa sociedade que são, sim, produtoras das violências”, disse.

Plano Municipal de Educação

O tema da educação para a diversidade foi bastante debatido no ano passado durante a formulação dos Planos Municipais de Educação (PME), projeto que tem o objetivo de nortear o planejamento da educação para a cidade nos próximos 10 anos. Na capital paulista, após muitas discussões e protestos favoráveis e contrários, o projeto de lei que trata do PME foi aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo, em agosto de 2015, mas o texto não incluiu questões de gênero e sexualidade.

Na época, o vereador Ricardo Nunes se referiu ao assunto como “ideologia de gênero” e justificou a retirada do tema do PME com referências a Deus e à religiosidade. Ele acredita que a educação relacionada à sexualidade cabe à família.

Já a vereadora Juliana Cardoso ressaltou os diferentes modelos de família que existem hoje. Algumas têm mulheres como chefes de família, pais homossexuais ou heterossexuais, somente pai ou somente a mãe, avós como referência materna e paterna, entre outros casos. “Essas famílias precisam ser visibilizadas na escola, porque refletem a realidade brasileira”, disse na ocasião.

Ela elencou ainda algumas mentiras, que estariam sendo disseminadas sobre a inclusão de gênero no PME, e disse que a exclusão de banheiros separados, os professores ensinando os alunos a serem transexuais e a destruição da família não correspondem à realidade: “queremos discutir gênero nas escolas para garantir respeito à diversidade.”

A pesquisa da Ufscar apontou ainda que os ambientes familiar e religioso também são locais predominantemente de discriminação devido à orientação sexual. Com isso, os pesquisadores acreditam que a análise das questões familiares e religiosas como causadoras da violência homofóbica deve estar na agenda de proposições e ações para que haja superação desses problemas no cotidiano escolar.

“Apenas aceitando o desafio de um debate mais aprofundado sobre as questões de gênero e diversidade sexual é que se torna possível superar as dificuldades de se implantar uma perspectiva de gênero nas escolas e, assim, trazer para a cena a família e a comunidade de seu entorno”, disse Mendonça.

Camila Boehm em Agência Brasil

***

Para saber o que penso sobre a tal "ideologia de gênero", leia aqui.

Nada como sentir na pele o que o outro sente para mudar um pouco nossa visão. Assista abaixo a um vídeo que nos conclama à empatia com um dos segmentos sociais mais vitimados pelo nosso preconceito:


Um cálice de 'cale-se' - Um brinde ao Silêncio

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Um cálice de 'cale-se'

O silêncio é tributo prestado àquilo que a alma encanta

Se falo, ao céu expresso o que sinto
Se calo, réu confesso, consinto

Se falo, descrevo o que vejo
Se calo, é pela paz que almejo
Se falo, eu ancoro o desejo
Se calo, num mar calmo velejo
Se falo, demonstro traquejo,
Se calo, de repente um lampejo
Se falo, faço sempre gracejo
Se calo, só desperto bocejo
Se falo, enxurrada despejo
Se calo, valorizo o gotejo

Palavra é braçada.
Silêncio, mergulho.
Palavra é presente.
Silêncio, embrulho.
Palavra é porta.
Silêncio, janela.
Palavra conforta.
Silêncio, anela.
Palavra exorta.
Silêncio, apela.
Palavra distrai.
Silêncio, revela.
Palavra é tinta.
Silêncio é tela.
Palavra distingue.
Silêncio, nivela.
Palavras marcam.
Silêncio, sequela.
Palavra é palácio.
Silêncio, capela.
Palavra é barco.
Silêncio, a vela.
Palavras são partos.
Silêncio, gestação.
De palavras, fartos
Por silêncio buscarão.

Antes de levantar nossas vozes
lembremo-nos que diante dos algozes
O Verbo Divino se calou
Por nós sorveu inteiro o cálice
Se vai orar, primeiro, cale-se
em reverência à sua dor e a eloquência do amor.



Por Hermes C. Fernandes em 15/08/2013

* O poema tem a sugestiva forma de cálice.

Procura-se igreja saudável e liderança confiável

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Por Hermes C. Fernandes

Em meio a tanta confusão nos arraiais evangélicos, muitos preferem servir a Cristo em seus próprios lares, engrossando assim a fileira da igreja que mais cresce no Brasil e no Mundo: a dos desigrejados. Seu desapontamento com a igreja instituída fez com que agissem como Elias, o profeta solitário que cansou-se de nadar contra maré de corrupção que abatera sobre Israel, planejando terminar seus dias confinado numa caverna. O que ele não sabia é que Deus havia preservado sete mil pares de joelhos que não haviam se dobrado a Baal.

Basta visitar alguns dos milhares de blogs que povoam a blogosfera cristã para certificar-se de que ainda há esperança. A blogosfera transformou-se numa enorme congregação virtual. Gente oriunda de todos os setores da igreja cristã tem a liberdade de expor seu descontentamento com o rumo que a igreja tem tomado.

Como pastor, preocupo-me com aqueles que simplesmente desistiram de congregar e se alimentam unicamente do que é postado em nossos blogs. Precisamos muito mais do que isso. Precisamos construir relacionamentos sólidos, submeter-nos a uma liderança madura e respaldada na Palavra, encaminhar nossos filhos a um ambiente saudável, sentir-nos pertencentes a uma família espiritual, e mesmo, contribuir financeiramente com projetos que visem a glória de Deus e o bem-comum.

Daí surgem algumas questões pertinentes:

Poderíamos congregar numa igreja que não fôssemos capazes de recomendar a outros? Sentir-nos-íamos constrangidos e desconfortáveis em trazer nossos amigos e parentes a um culto?

Que tipo de igreja proveria um ambiente seguro e saudável para os nossos filhos? Que igreja poderia ajudar-nos na formação do caráter deles sem intrometer-se em assuntos domésticos e particulares, e sem expor nossa autoridade como pais? Há igrejas onde o pastor se vê no direito de estabelecer regras nos lares de seus congregados. Filhos crescem sem saber se devem honrar a seus pais ou obedecer cegamente a seus líderes espirituais. Imagine um pastor que exija ser chamado de “pai”, ou ser tratado como tal. Ou ainda: o desconforto de um pai cuja autoridade é rivalizada pela autoridade pastoral.

A que tipo de liderança deveríamos nos submeter? Um pastor que não é respaldado por sua própria família (pais, irmãos, filhos, esposa, etc.), estaria apto a mentorear outras famílias? E quando todos percebem que entre ele e a esposa não há amor? Você se submeteria à orientação de um pastor cujo casamento não passasse de um embuste? Que tipo de tratamento ele dá aos filhos? A família pastoral deve ser referência. Não digo que deva ser perfeita, mas pelo menos saudável.

Seria sábio submeter-nos a uma liderança susceptível a todo tipo de modismo doutrinário? Hoje prega uma coisa, amanhã prega outra totalmente diferente? Seria correto submeter-nos a uma liderança emocionalmente desequilibrada? Como nossos pastores reagem ante a uma crise? Como reagem quando são elogiados? E quando são criticados? Costumam trazer problemas de casa para o púlpito, ou vice-versa? Gostam de apelar ao emocionalismo ou à conscientização? Gostam de tornar as pessoas dependentes deles ou trabalham por sua emancipação?

Seria sábio submeter-nos a uma liderança antiética? Quem suporta um pastor que só sabe falar mal dos que o antecederam? Você se submeteria a um pastor que sequer sabe ser grato a quem o instituiu? E mais: com quem ele anda? Quem são seus amigos? Quem frequenta sua casa? Não me refiro a amizade com pessoas não cristãs, e sim a amizade com falsos cristãos, lobos infiltrados no meio do rebanho para causar-lhe dano.

Como acolhem as pessoas que chegam a igreja? Dão o mesmo tratamento independente da posição social? Desprezam os veteranos para dar maior atenção aos novatos? Como são tratados os anciãos? Lembre-se que um dia você será um deles.

Quanto ao discurso, que tipo de reação provoca? É pautado num moralismo extremado ou na ética? Aliena ou insere as pessoas em seu próprio contexto social com o objetivo de contribuir pela sua transformação? Separa o mundo entre "nós" e "eles" ou busca estimular uma visão integrada da sociedade? Provoca posturas preconceituosas para com alguns segmentos sociais ou encoraja a empatia e o engajamento? 

E quanto às contribuições? Seria sábio contribuir numa igreja onde a liderança fosse pródiga? É correto o pastor fazer compromissos maiores do que os que a igreja possa arcar e depois escapelar os irmãos na hora das ofertas? Como as ofertas são pedidas? Há muita apelação, manipulação e pressão psicológica? E como elas são administradas? A quem o pastor presta contas? Há uma instância acima dele? O que entra na igreja é usado exclusivamente ali ou parte é destinada a trabalhos missionários? Há projetos sociais relevantes? Que resultado esses projetos têm alcançado?

É correto usar o dinheiro da igreja para pagar cachês a cantores e bandas convidadas?

E se o pastor eventualmente cometer um deslize grave, como adultério ou roubo, quem poderá admoestá-lo, ou mesmo discipliná-lo?

Como a igreja lida com questões políticas? É certo a liderança apontar em quem os membros devem votar? É correto levar candidatos para o púlpito e ceder-lhes a palavra? Há algum trabalho de conscientização para que as pessoas exerçam sua cidadania cabalmente, sem interferência?

Quais os critérios usados pelo pastor para ceder seu púlpito a outro pregador?

Olhe para as pessoasà sua volta, principalmente para as que chegaram antes de você e pergunte-se: Elas são hoje pessoas melhores do que eram anos atrás? As pessoas que congregam ali estão amadurecendo na fé? Lembre-se: elas podem ser você amanhã.

E quanto ao culto? Percebe-se a presença de Deus naquele lugar? Há reverência ou simplesmente oba-oba? As pessoas que frequentam estão realmente interessadas na Palavra ou só aparecem quando há algum evento ou convidado especial?

Essas são apenas algumas questões que precisam ser consideradas. Se você tiver alguma outra questão igualmente relevante, por favor, poste em seu comentário.

O que não podemos é desistir da igreja de Cristo, seja reunida de maneira formal ou informal. Não basta criticar, urge encontrarmos saída para resgatá-la deste estado calamitoso em que chegou.

Originalmente postado em 27/04/2010

De Letícia Sabatella a Ariovaldo Ramos: As novas vítimas da intolerância

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Por Hermes C. Fernandes

Em tempo de polarização política, era de se esperar que voassem farpas para todo lado. O problema se agrava quando os que se apresentam como os paladinos da moral e da ética atacam injustamente seus oponentes. E o pior é que instigam outros a empreenderem uma verdadeira cruzada de ódio visando desmoralizar os que se atrevem a pensar diferentemente.

Quero tomar alguns exemplos, tanto do mundo artístico, quanto do mundo religioso, em especial, do mundo evangélico.

Recentemente o jornalista Rodrigo Constantino, ex-articulista da Veja, publicou uma lista de artistas que a seu ver deveriam ser boicotados por se pronunciarem contrários ao impeachment da presidente Dilma. Sua sugestão foi dada em tom imperativo: "Não comprem mais nada deles. Não assistam seus programas, não leiam suas colunas. Não comprem seus livros, não vão às suas peças de teatro, não comprem seus CDs. Eles precisam saber que não será impune atentar contra a democracia brasileira. Xô, petralha!"

Entre seus alvos estão grandes e reconhecidos talentos da música, do teatro, do jornalismo. Gente do quilate de Chico Buarque, Gilberto Gil, Wagner Moura, Gregório Duvivier, Jô Soares, Camila Pitanga, Marieta Severo, Luís Fernando Veríssimo, Alcione, Beth Carvalho, Tonico Pereira, Dinho Ouro Preto, Chico César, Marcelo Adnet e Letícia Sabatella. 

Letícia Sabatella e Wagner Moura, talvez devido à sua visibilidade e seu engajamento nas redes sociais, foram duas das principais vítimas desta caça às bruxas. O perfil de Letícia no facebook que chegou a ser suspenso, sofreu vários ataques de trolls que destilaram seu ódio injustificável com acusações infundadas, insultos e palavras de baixo calão. Quem a segue como eu faço já a algum tempo, sabe de sua postura aguerrida, porém, dócil e equilibrada, que não dá margem para este tipo de reação estúpida e estapafúrdia. 

Uma das acusações que seus detratores fazem diz respeito ao fato de Letícia e outros artistas que se opõem ao impeachment serem beneficiados pela Lei Rouanet, como se a mesma houvesse sido sancionada pelo atual governo. A tal lei foi sancionada ainda no governo de Fernando Collor de Mello, e nada mais é do que a concessão do direito dos artistas de recolher fundos privados com incentivo fiscal para possibilitar o desempenho de seu trabalho artístico, visando com isso, garantir que a população tenha acesso à cultura e à arte como sendo uma necessidade básica de uma sociedade democrática. Qualquer artista, independentemente de seu posicionamento político, tem o direito de recorrer a esta lei. Alguns dos artistas mais engajados em favor do impeachment também foram contemplados pela Lei Rouanet, dentre eles, o Lobão e o cineasta José Padilha. Nem por isso, o governo os impediu de serem beneficiados. 

Não importa de que lado da trincheira estão, e sim o talento que expressam em sua arte. Não é justo destruir a reputação de artistas que já nos brindaram com momentos inesquecíveis, quer com sua música ou com sua performance no teatro, no cinema ou na TV.  Eles deveriam ser o orgulho nacional e não motivo de chacota e ataques inescrupulosos de quem se morde de inveja de seu talento. 

O mesmo tem ocorrido no mundo religioso, e, em particular, no mundo evangélico.

Recentemente, Dom Odilo Scherer, Arcebispo de São Paulo, foi atacado por uma mulher durante a celebração de uma missa na Catedral da Sé. Além dos arranhões em seu rosto e derrubar sua mitra, Dom Odilo foi xingado de comunista. Aos gritos, ela dizia: "Você e a CNBB são comunistas infiltrados; não podem fazer isso com a minha igreja." Atitudes grotescas como esta são encorajadas por um discurso de ódio como o encontrado em um dos vídeos de Olavo de Carvalho em seu canal no Youtube, onde o filósofo que se tornou o guru da direita brasileira vocifera contra Dom Odilo, chamando-o de comunista excomungado, e dizendo não reconhecê-lo como bispo. Muitos dos haters que atuam na internet bebem desta fonte, usando palavras de baixo calão e outros insultos tão comuns nos vídeos de Olavo. Triste é saber que boa parte daqueles que o seguem é cristã protestante. 

No meio evangélico, o porta-voz deste tipo de postura é, sem dúvida, o pastor Silas Malafaia. Em vídeo recente, ele afirmou que os pastores que assinaram um manifesto contrário ao impeachment estariam recebendo dinheiro do governo. A partir daí, pastores como Ariovaldo Ramos, Ed René Kivitz, Neil Barreto e outros tornaram-se alvos de ataques por parte de "irmãos em Cristo". Foram chamados de "falsos profetas", vendidos, mercenários. Tudo por saírem em defesa do estado de direito e serem contrários à maneira como o processo está sendo conduzido. Trata-se de homens que não se enriqueceram com o ministério. Não são vistos cruzando os céus em seus próprios aviões. Ao contrário de alguns de seus detratores.

O próprio Silas que hoje faz campanha ostensiva para derrubar o governo, não faz muito tempo, surpreendeu seus telespectadores ao agradecer à presidente Dilma pela sanção da Medida Provisória (MP) 668 que, não só ampliou a isenção tributária de igrejas, incluindo as comissões pagas a pastores como ajuda de custo, como também livrou muitas denominações de multas milionárias. Silas Malafaia e o missionário R. R. Soares foram dois dos principais beneficiários da MP, graças à atuação de ninguém menos que Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Silas se livrou de uma multa de R$ 1,5 milhão, enquanto o presidente da Igreja Internacional da Graça se livrou de uma multa de R$ 220 milhões. Dentre os beneficiários, estariam Robson Rodovalho, bispo da Sara Nossa Terra e Mário de Oliveira da Igreja do Evangelho Quadrangular. À luz disso, não faz qualquer sentido atacar os pastores da Missão Integral acusando-os de receberem qualquer benefício do governo. 

Não expus tais fatos para credibilizar a uns ao custo do descrédito de outros, mas com o objetivo de demonstrar que não vale a pena recorrer à difamação para impor seu posicionamento em detrimento de outros. De ambos os lados da trincheira, há gente de bem, mas também há gente do mal, que só almeja se locupletar, nem que para isso tenha que ver o circo pegando fogo. 

O que atenta contra a credibilidade de um ministro ou de um artista não é seu posicionamento político ou ideológico, e sim o faltar com a ética, com o decoro, agindo de maneira incoerente com aquilo que professa. 

Afinal, de que lado você está?

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Por Hermes C. Fernandes

Você já se viu no meio de uma disputa entre pessoas que deveriam se amar? Você já se sentiu pressionado a tomar partido por alguém, tendo que posicionar-se contra o outro que também é seu amigo?

Como administrar este tipo de conflito, onde ambos parecem ter razão?

Paulo se viu numa situação semelhante com os cristãos em Roma. De um lado da arena estavam os cristãos judeus, que traziam consigo toda uma bagagem cultural, tradições milenares, e uma boa dose de legalismo. Do outro lado estavam os recém-chegados gentios, que abraçaram a fé em Jesus sem o ranço judaizante, porém trazendo sua própria cosmovisão.

Era como se dois universos paralelos se colidissem. No meio dessa colisão estava Paulo, um judeu convertido a Cristo, que também usufruía de cidadania romana. Quanto tato Paulo teve que ter para lidar com a situação! Quanto jogo de cintura! Ele não podia simplesmente tomar partido pelos judeus, ou pelos gentios. Seu trabalho seria promover a reconciliação pelo exercício da diplomacia. Mesmo correndo o risco de parecer que estivesse em cima do muro, ou que fosse um homem de fronteiras, Paulo preferiu ser um reconciliador, um diplomata do reino de Deus.

Em vez de tomar partido, Paulo aponta as qualidades e vicissitudes de ambas as partes, convidando-as ao convívio amistoso patrocinado pelo amor.

A discussão ali girava em torno da dieta alimentar e da guarda de um dia santo (sábado), além da circuncisão, um rito de iniciação adotado pelos judeus desde seu patriarca Abraão. Para os cristãos judeus, os gentios deveriam submeter-se a esses regulamentos para pertencer à comunidade cristã. Durante os primeiros capítulos da epístola endereçada aos romanos, Paulo deixa claro que para Deus não há diferença entre judeus e gentios. Ambos são carentes da mesma graça (Rm.3:22-29).  Vários capítulos foram dedicados a demonstrar a inutilidade da justiça própria, e a caducidade de regras impostas pela lei, como por exemplo, a circuncisão.

Podia transparecer que Paulo se colocara em favor dos gentios, e contra seu próprio povo. Mas como “pau que dá em Chico, também dá em Francisco”, chegara a hora de mirar o outro lado.

Referindo-se àqueles que já haviam compreendido a abrangência da graça, e que já não estavam sob o jugo da lei, Paulo diz:
“Ora, quanto ao que é fraco na fé, recebei-o, mas não para condená-lo em questões discutíveis" (Rm.14:1).
É claro que Paulo tinha uma posição firme acerca dessas coisas, porém, tais questões ainda eram “discutíveis” para aqueles que não as tinham compreendido plenamente.
“Um crê que de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes. O que come não despreze o que não come, e o que não come não julgue o que come, pois Deus o recebeu por seu"(vv.2-3).
Se da parte dos judeus, havia quem julgasse os gentios que não se submetiam às ordenanças da Lei, da parte dos gentios havia que desprezasse quem o fizesse. Ambos estavam igualmente errados. Ninguém tem o direito de julgar, tampouco de desprezar. O fato de havermos recebido uma compreensão que julgamos ser mais acurada acerca da graça de Deus não nos faz melhores ou superiores àqueles que ainda não a receberam.
“Quem és tu, que julgas o servo alheio? Para o seu próprio Senhor ele está em pé ou cai. E estará firme, pois poderoso é Deus para o firmar" (v.4).
O que nos firma os pés não é o nível de conhecimento adquirido, e sim o fato de Deus nos ter recebido como Seus. Ele é que é poderoso para nos firmar. Por isso, não temos o direito de nos estribar em nosso próprio conhecimento. Muito mais do que conhecer a Deus, o que realmente importa é ser conhecido por Ele.

Paulo prossegue em seu argumento:
“Um faz diferença entre dia e dia, mas outro julga iguais todos os dias. Cada um esteja inteiramente seguro em sua própria mente. Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz. E quem come, para o Senhor come, pois dá graças a Deus; e o que não come, para o Senhor não come, e dá graças a Deus" (vv.5-6).
Muito mais peso do que a ação em si tem a motivação por trás dela. Vejo pessoas que se abstêm de certas coisas que a meu ver não têm qualquer valor. Posso discordar delas, mas não posso julgá-las. Só Deus conhece suas motivações. Não acho, por exemplo, que uma mulher que sirva a Deus necessite abrir mão de cuidar de sua aparência, frequentando salão de beleza, academia, etc. Também não acredito que seja errado para um homem cuidar de sua aparência, e, principalmente de sua saúde. Mas não tenho direito de me sentir superior à quem prefira abster-se disso. Pois quem assim faz, para o Senhor o faz.

Posso discordar de certas práticas, mas não posso julgar a intenção de quem as adota. Posso até argumentar no afã de fazê-lo compreender um pouco mais dos desígnios de Deus, mas não me atrevo a sentir-me superior, mirando-o de cima para baixo. Da mesma forma, tal pessoa não tem o direito de julgar-me por não adotar suas práticas.

Afinal, “nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si. Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o Senhor morremos. De sorte que, quer vivamos quer morramos, somos do Senhor (...) De modo que cada um de nós dará conta de si mesmo a Deus" (vv.7-8, 12).

Tal postura, porém,não tem a pretensão de endossar ensinos legalistas que mantêm as pessoas sob um jugo insuportável de regras e ordenanças. Em muitos textos Paulo simplesmente detona tais ensinos (Confira Fp.2:8-23). Mas aqui, Paulo não está falando com líderes, e sim com pessoas que precisam aprender a conviver com quem pensa de maneira diferente. Ele está tratando com uma comunidade heterogênea, onde seus membros teriam que aprender a co-existir pacificamente.

Para mantermos os elos que nos unem intactos, temos que aprender a lidar com as diferentes opiniões de maneira sóbria e modesta, sem jamais impor nossos pontos de vista. Veja o que ele diz mais sobre isso:
“Portanto, não nos julguemos mais uns aos outros. Antes seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao irmão. Eu sei, e estou certo no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é de si mesmo imunda. Mas se alguém a tem por imunda, então para esse é imunda"(vv.13-14).
Não é fácil lidar com a subjetividade. Minhas certezas não devem servir de tropeço ou escândalo pra ninguém. Então, às vezes, é melhor abrir mão do direito de opinar, até que as pessoas tenham alcançado maturidade para entender o que agora não compreendem.

A liberdade que a graça me confere deve ser delimitada pelo amor que tenho a meus irmãos. Devo viver uma espiritualidade ex-cêntrica, isso é, em que o centro gravitacional não seja meu “eu”. Devo aprender a viver em função do bem daqueles por quem Cristo morreu.
Se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não faças perecer por causa da tua comida aquele por quem Cristo morreu (…) Não destruas por causa da comida a obra de Deus" (v.15,20a).
Este princípio tem múltiplos aplicativos. Por exemplo: gosto de ir à praia com minha família. Não vejo qualquer mal nisso. Porém, se estou em meio a irmãos que se escandalizariam com isso, prefiro abster-me de algo que aprecio, só para não ser tropeço para os mais fracos de consciência. Não se trata de hipocrisia, mas de amor.

É claro que há assuntos que são centrais, e que não devem ser alvo de qualquer transigência. Porém, há outros que são, no dizer de Paulo, discutíveis. Deixemos, portanto, que o amor nos restrinja a liberdade, haja vista que o bem comum é mais importante do que o nosso bem-estar particular.

Se todos pensassem e agissem assim, de quantas divisões o Corpo de Cristo seria poupado? Quantas igrejas se dividiram por causa de assuntos periféricos? A quantidade de água ideal para o batismo, se o jejum deve ser total ou parcial, se o pão da Ceia deve ser ázimo ou não, se as mulheres podem ou não exercer cargos eclesiásticos, etc. E assim, destruímos a obra de Deus por causa de preferências pessoais.

É mais fácil renunciar a um vício do que renunciar ao direito de ter razão. Ninguém quer dar o braço a torcer! Porém, no reino de Deus, quem vence não é quem tem razão, mas quem tem amor, não é quem dá a última palavra, mas quem se silencia para não causar escândalo.

Paulo prossegue:
"Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos, e não agradar a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao seu próximo no que é bom para edificação. Pois também Cristo não agradou a si mesmo" (Rm. 15:1-3a).
Muitas das discussões e desavenças na igreja não se dão por amor à verdade, mas por amor próprio. Todos querem provar que estavam certos, e em contrapartida, o outro lado estava errado. Só o amor nos faz enxergar o outro dentro de sua própria ótica, levando em consideração seu background, seu histórico, e as circunstâncias em que vive. É relativamente fácil julgar a árvore pelos frutos, mas quem se dá o trabalho de avaliar primeiro suas raízes? Em que terreno ela foi plantada? Como foi cultivada?

Só poderemos abrir mão de termos sempre a razão quando formos batizados no amor. E será este amor que nos concederá uma boa dose de paciência para que suportemos a fraqueza uns dos outros. Paulo arremata:
“Ora, o Deus de paciência e consolação vos conceda o mesmo sentimento uns para com os outros, segundo Cristo Jesus, para que, concordes e a uma voz, glorifiqueis ao Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, recebei-vos uns aos outros, como também Cristo vos recebeu para a glória de Deus" (vv.5-7).
******

P.S.: Neste tempo marcado pelas polaridades, onde discussões políticas chegam a dividir famílias e até igrejas,  nada melhor do que dar  um passo atrás. Isso não quer dizer que devamos fazer vista grossa às nossas idiossincrasias, negando-se a denunciá-las. É melhor dirigir nossas críticas a nós mesmos, cortando na própria carne, sobretudo, quando temos telhado de vidro. Todavia, ao entrar em questões ideológicas, busquemos respeitar pontos de vistas conflitosos, esforçando-nos para enxergar o idealismo sincero por trás do discurso. No fundo, todos queremos o melhor para o nosso país. A única coisa que não devemos tolerar é a intolerância. O mesmo Paulo que buscou promover o entendimento entre judeus e gentios, não pestanejou para denunciar os que se aproveitavam dos ânimos acirrados para promover partidarismo com o fim de se locupletarem.

Nem esquerda, nem direita: Livrando a Fé da Matrix Ideológica

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Por Hermes C. Fernandes

O
teólogo alemão Rodolf Bultmann afirmou que o Evangelho, para manter-se relevante ao homem moderno, teria que passar por uma desmitologização, isto é, uma desvinculação da linguagem mitológica fartamente usada na antiguidade. Sem querer entrar neste mérito, creio o que o Evangelho necessita atualmente é de uma desideologização, que consistiria em desvinculá-lo de qualquer ideologia.

A ideologia tem sido motivo de rompimento entre muitos cristãos. Durante os primeiros anos do regime militar, muitos pastores entregaram colegas às autoridades, mesmo sabendo do risco de que fossem torturados sob a alegação de serem subversivos. Será que uma posição ideológica teria mais peso para nós do que nossa irmandade em Cristo? Como Jesus se comportaria nessas circunstâncias?

Teria Jesus abonado ou desabonado alguma ideologia vigente em Seus dias? Sabemos por fontes históricas, além da própria Bíblia, que naqueles dias o povo judeu estava dividido em vários partidos político-religiosos, entres os quais podemos destacar os fariseus, os saduceus, os zelotes, os essênios e os publicanos. De fato, como dizia o sábio escritor de Eclesiastes, não há nada novo debaixo do céu. Esses partidos já defendiam posturas que mais tarde seriam adotadas por ideologias modernas.

Os zelotes, por exemplo, eram um movimento político que procurava incitar o povo da Judeia a rebelar-se contra Roma e a expulsar os conquistadores através da luta armada. Foram eles os responsáveis pela Primeira Guerra Judaico-Romano entre 66 e 70 d.C., que culminou com a queda de Jerusalém. Eram considerados subversivos, insurgentes, dispostos a desafiar o status quo. Não vemos nenhuma crítica direta de Jesus aos zelotes, apesar de Seu discurso pacifista ser o inverso da proposta deles. Mesmo assim, um dos apóstolos de Jesus, “Simão, o Zelote”, era membro deste partido (Lc.6:15 e At.1:13). Eu diria que sua ideologia era o equivalente à extrema esquerda de nossos dias. Imagine, Jesus seguido por um discípulo chamado ‘carinhosamente’ de “Simão, o Comuna”.

Os zelotes eram considerados um partido clandestino e seus membros não tinham representação no sinédrio. O mesmo se dava com os essênios. Sob vários aspectos, os essênios eram extremamente progressistas, apesar de seu ascetismo e de viverem em comunidades separadas dos demais. Aboliam a propriedade privada (quer mais comunista que isso?). Defendiam que as mulheres tinham os mesmos direitos que os homens, podendo ser alçadas à posição de mestres. Acreditavam que a natureza, os seres humanos e todas as coisas vivas constituíam o verdadeiro Templo de Deus, e que Ele não habitava em santuários feitos por mãos de homens. Defendiam que as ofertas aceitas por Deus eram o partilhar da comida com os famintos, fossem homens ou animais. Assim como os crentes primitivos, os essênios tinham tudo em comum.  Jesus não disse uma só palavra contra este movimento. Alguns até acreditam que Jesus tenha sido influenciado por suas ideias e que João Batista fora um dos seus membros mais proeminentes.

Deixando a ala esquerda, consideremos a ala direita dos tempos de Jesus. Àquela época, grupos reacionários surgiram dentro da sociedade judaica, tentando restabelecer o seu prestígio e poder, ou pelo menos o que eles consideravam como certo segundo a Lei e as tradições judaicas. Entre eles, os saduceus, considerados como "pertencentes ao partido da estirpe sacerdotal dominante". Diferiam dos fariseus por serem mais abertos às influências helênicas (gregas). Formavam um dos dois partidos aceitos no sinédrio, e como tal, representavam os interesses da classe dominante. Talvez por sua hostilidade a qualquer coisa considerada sobrenatural, não há registro nas Escrituras de saduceus seguidores de Cristo.

Já os fariseus compunham o partido mais popular dentre os que tinham assentos no sinédrio. O termo “fariseu” (prushim, heb.) significa “separado”. Todavia, sua separação não envolvia ascetismo, como os essênios, pois julgavam ser importante o ensino das Escrituras e das tradições dos pais à população. Eram muito religiosos e respeitados na comunidade como pessoas que pautavam seu comportamento na ética e na moral. Jesus, entretanto, denunciou sua hipocrisia e formalidade. Apesar dos constantes pegas pra capar que Jesus tinha com eles, um dos Seus mais fervorosos discípulos pertencia a este partido: ninguém menos que Paulo, o apóstolo dos gentios.

O último grupo que gostaria de citar são os publicanos. Eram os responsáveis pela coleta de impostos para os romanos. Arqui-inimigos dos fariseus, os publicanos eram detestados pelos judeus e muitas vezes envolviam-se em corrupção cobrando das pessoas além do devido. Os Evangelhos relatam que alguns deles se converteram ao cristianismo, entre os quais Mateus, também chamado de Levi, que deixou o ofício para se tornar apóstolo, e Zaqueu (Lucas 19:1-10) que ao ser visitado por Jesus, fez questão de restituir a todos o que havia defraudado. Apesar da má fama dos publicanos, Jesus utilizou-os para ilustrar algumas de Suas mais importantes parábolas, entre elas a Parábola do Fariseu e do Publicano e a Parábola da Ovelha Perdida.

Imagine se Jesus diluísse Sua mensagem em qualquer uma das ideologias vigentes em Seus dias. Como Ele poderia congregar sob o mesmo teto, zelotes, fariseus e publicanos? Uns separatistas, outros inclusivistas. Uns a favor da propriedade privada, outros contra. Uns trabalhando por Roma, outros promovendo rebelião contra o império.

Em momento algum Jesus comprometeu o conteúdo de Sua mensagem com as agendas político-ideológicas do Seu tempo. Ele a manteve intacta. O que Lhe importava era a agenda do Reino de Deus. Por conta disso, salvaguardou Sua isenção profética. Se Ele Se deixasse levar pela pressão ideológica daqueles que O cercavam, certamente teria marchado para o palácio de Herodes, destituindo-o e assumindo o seu trono no dia em que foi recebido em Jerusalém ao som de “hosanas ao que vem em nome do Senhor!”. Foi justamente por não atender à demanda popular, que as mesmas vozes que O louvavam, vinte e quatro horas depois pressionavam no pátio de Pilatos para que este O crucificasse.

Temos tanto o que aprender com o Mestre! Constitui-se uma afronta fazer da pregação do Evangelho panfletagem ideológica, ou usar passagens isoladas das Escrituras para justificar suas preferências. Jesus não é garoto-propaganda de regime algum. Ele não é americano, nem cubano. Não é petista, nem tucano. Não é conservador, nem progressista. Não é socialista, nem neoliberal. Sua mensagem é comprometida com o idealismo, não com a ideologia, seja de esquerda, de centro ou de direita. Seu compromisso é prioritariamente com os pobres, mesmo que alguém o acuse de comunista. Porém, o mesmo Jesus que atende ao clamor de Bartimeu, o mendigo cego às margens do caminho, também atende aos anseios de Zaqueu, o publicano corrupto. Não confundam prioridade com predileção. O Cristo dos Evangelhos jamais fez acepção de pessoas. Ele é capaz de cercar-se de prostitutas em plena luz do dia e ainda atender a um figurão da sociedade na calada da noite. Ele perdoa os romanos que O crucificam, mas também demonstra importar-se com o destino da alma do ladrão crucificado ao Seu lado.

Ele não despreza homem algum, senão o arrogante, o presunçoso, o que se acha dono da verdade, e que em seu nome despreza os que pensam diferentemente dele. Todos têm o direito de ter suas predileções ideológicas. Mas não se enganem. Não há ideologia perfeita. Portanto, não vale a pena matar ou morrer por elas. Nem é de bom tom demonizar a ideologia do outro. Neste campo não há mocinhos ou bandidos. Ambos têm telhado de vidro. Todos os regimes produziram heróis e mártires, mas também algozes e torturadores. Protegeram interesses legítimos, mas às vezes, ao custo de vidas inocentes. Todos são bestas furiosas que devoram seus adversários, e, por vezes, seus próprios cidadãos.

Atribui-se ao nazismo a morte de vinte milhões de pessoas, e ao comunismo, cem milhões. E quanto ao capitalismo? Quantas vítimas fez e está fazendo até hoje? De acordo com “O livro negro do Capitalismo”[1], pelo menos cem milhões de pessoas foram mortas por causa deste sistema. Os tópicos abordados por este livro vão desde o tráfico de escravos africanos até a era financeira da globalização. Na lista incompleta de vítimas do século XX, Gilles Perrault[2] inclui 58 milhões de mortos da Primeira e Segunda Guerras Mundiais (ambas por motivos capitalistas), além de mortes nas várias guerras coloniais, repressões, conflitos étnicos, sem contar as inúmeras vítimas de fome ou desnutrição. Basta uma viagem à África atual para verificar do que o capitalismo é capaz. São milhões e milhões de mortos e famintos, vítimas da ganância e da exploração dos países desenvolvidos. Quando se quer criticar o comunismo aponta-se Cuba, com o seu atraso tecnológico, esquecendo-se que o mesmo se deve ao embargo econômico promovido pela a maior potência capitalista do mundo.

Há santos e pecadores, anjos e demônios em ambas as trincheiras. Se a esquerda produziu Lenin, a direita produziu Hitler e Mussolini. Não há sistema capaz de produzir a verdadeira justiça preconizada pelo Evangelho. Todos estão fadados a fracassar. O mesmo Cetro de Cristo que derrubou o Muro de Berlim, também derrubará a ganância de Wall Street. Não ficará pedra sobre pedra.

É perda de tempo ficar contabilizando para ver que regime matou mais, ou promoveu mais a prosperidade do seu povo. Cada regime tem seu próprio altar e sacrifício. Se um sacrifica a liberdade no altar da justiça social, o outro sacrifica a justiça social no altar da liberdade. Sempre alguém sairá ganhando enquanto outros sairão perdendo. É inevitável. Então, não queiram canonizá-los, tampouco demonizá-los. São simplesmente humanos, tão falhos quanto os que os criaram. Sabendo disso, por que nos digladiarmos com nossos irmãos na fé em nome de uma ideologia qualquer?

Parafraseando Paulo, se por causa de uma ideologia se contrista teu irmão, já não andas conforme o amor. Não destruas por causa de uma ideologia aquele por quem Cristo morreu (Rm.14:15). Posso até considerar que um irmão esteja enganado quanto à sua ideologia, mas isso não me confere o direito de pôr em xeque a sua integridade e fé.





[1] Perrault, Gilles, O livro negro do Capitalismo, Editora Record, Paris, 1998
[2]Jacques Peyroles, mais conhecido como Gilles Perrault (Paris, 9 de março de 1931) é um advogado, escritor, jornalista e historiador francês que geralmente aborda temas políticos da relação do ocidente com outras regiões e culturas.

* Extraído do livro "Ao oriente do Éden" de Hermes C. Fernandes (à venda pelo blog).

Que tipo de revolucionário foi Jesus?

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Hermes C. Fernandes


Quando se fala de revolução, pensa-se em um levante popular, rebelando-se contra autoridades constituídas, depondo governos, provocando divisões, instigando o ódio e a revolta. E não é por menos. Basta uma rápida verificada na História para constatar isso. Toda revolução política teve seus mortos, desaparecidos, desapossados de suas terras ou posições, etc.

Porém, ao falarmos de revolução, não estamos endossando tais coisas. Na revolução proposta por Jesus, ninguém sai machucado, destruído. Aliás, a expectativa dos discípulos era de que Jesus promovesse um levante contra Roma e as autoridades judaicas que havia se promiscuído com o Império. Mas Jesus propunha um tipo de revolução totalmente inversa ao que eles esperavam. Não uma revolução armada, mas uma revolução de amor. Existiria algo mais forte que o amor?

O Evangelho é, por si só, a mais subversiva mensagem jamais pregada. Vejamos alguns exemplos de seu conteúdo subversivo e revolucionário.

Talvez o mais subversivo sermão pregado por Jesus tenha sido o que ficou conhecido como Sermão da Montanha. Enquanto o senso comum acreditava que felizes eram os ricos arrogantes, Jesus afirma que felizes são os pobres de espírito. Se para eles felizes eram os que gargalhavam nos banquetes dos palácios, para Jesus, felizes eram os que choravam.

Neste sermão, o Mestre Galileu propõe uma ética totalmente inversa àquela disseminada pelos mestres da época.

“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao homem mau. Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. E se alguém quiser demandar contigo e tirar-te a túnica deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas” (Mt.5:38-41). 

Ora, se isso não é subversivo, o que é, então?

Não se trata apenas de pacifismo, mas de amor.

“Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (vv.43-44).

Em momento algum, Jesus endossou o estilo de vida vigente à época. Seu compromisso não era com a manutenção do Status Quo, mas com a introdução de uma nova ordem de coisas, onde o ser humano teria mais importância do que as instituições e tradições. Onde o sábado fora feito para o bem-estar do homem, e não o homem para o sábado.

Ele denunciou através de Seus ensinamentos a inversão de valores predominante naquela sociedade. Desferiu um golpe fatal no espírito consumista, colocando a avareza como oponente de Deus.

“Ninguém pode servir a dois senhores. Ou há de odiar a um e amar o outro, ou se devotará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (v.24).

Em outras passagens, Ele demonstra que no Reino de Deus as coisas funcionam de maneira inversa ao mundo. No Reino quem quiser ser o maior, tem que ser o menor. Quem amar sua própria vida, acabará desperdiçando-a, mas quem se dispuser a gastá-la por amor de Cristo, a reencontrará.

Ora, não há nome mais próprio para isso que subversão.

Infelizmente, a igreja cristã tem se promiscuído com o mundo, trocando os valores eternos do reino pelas propostas indecorosas feitas por um sistema apodrecido. Pastores, em busca de fama e reconhecimento, vendem-se e negociam os votos de seu rebanho.

Cristãos ajustaram suas crenças às agendas políticas e ideológicas. A verdade foi trocada por um prato de lentilhas, e pior, lentilhas podres.

Se antes corríamos o risco de colocarmos vinho novo em odres velhos, hoje há muitos odres novos, estratégias, marketing, estruturas eclesiásticas para todo gosto. Porém, o vinho está em falta. Os odres estão vazios. As igrejas estão cheias de pessoas vazias.

Creio que assim como a Reforma só aconteceu porque a igreja redescobriu o conteúdo subversivo das epístolas paulinas, a Revolução acontecerá quando a igreja redescobrir o teor subversivo dos Evangelhos, principalmente do Sermão da Montanha.

Em vez de gastarmos nosso tempo pregando invencionices humanas, retornemos à mensagem do Reino e do Amor de Cristo. Em vez de uma nova Reforma Protestante, necessitamos sim é de uma Revolução Reinista, isto é, centrada no Reino, e não em estruturas denominacionais.

Idolatria de Estado ou de Capital?

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Por Hermes C. Fernandes

O Harging Bullé o maior símbolo de poder da bolsa de valores de Wall Street e é uma das atrações gratuitas mais visitadas pelo turistas em Nova York. A escultura de bronze idealizada por Arturo di Modica tem se tornado no símbolo do capitalismo americano. Muitos acreditam que esfregar a mão em seu chifre, focinho ou em seus testículos, atrai sorte, prosperidade e dinheiro. Turistas esperam horas em filhas gigantescas para tirar fotos agachados apalpando os testículos do touro. Crendices às parte, o fato é que, para quem conhece um pouco das Escrituras, é impossível não associar o símbolo do capitalismo com o bezerro de ouro confeccionado pelos hebreus enquanto esperavam por Moisés que se demorava no monte para receber das mãos de Deus as tábuas da Lei. Seria o capitalismo uma espécie de ídolo moderno?

O momento político em que estamos vivendo tem o mérito de trazer de volta questões ideológicas para o centro das atenções, fomentando discussões acaloradas em torno de quais seriam as atribuições do Estado e os limites de sua atuação. Distinções antes consideradas superadas voltaram à cena. Termos que já não inspiravam qualquer ameaça são agora considerados abomináveis por alguns setores mais reacionários da sociedade. "Esquerdopatas!", grita um tele-pastor conhecido por suas posições anacrônicas. "Petralhas!", "comunas!", brada o pastor blogueiro. Como se não bastasse o uso de expressões chulas, tentam espiritualizar o debate, tratando seus oponentes como verdadeiros hereges. 

De acordo com alguns cristãos conservadores identificados com a ala direita do espectro ideológico, os esquerdistas atribuiriam ao Estado papéis divinos. Em sua opinião, não competiria ao Estado prover educação, saúde, programas assistenciais, nem tampouco tentar regular a economia. Agindo assim, o Estado estaria usurpando o lugar de Deus. Todavia, por trás deste discurso aparentemente piedoso se esconde motivações nem sempre louváveis. Mesmo um conservador não cristão vai defender que não é justo usar seus impostos para socorrer os menos favorecidos. Já os do outro lado do espectro pensam de maneira inversa. Compete ao Estado diminuir a distância entre as classes, tirando das mais abastadas através de impostos, e provendo serviços que beneficiem a todos, sobretudo, aos mais necessitados.

Para o cristão de direita, o papel do Estado se limita ao que Paulo sucintamente apresenta em Romanos 13:

“Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal.” Romanos 13:3-4

Resumindo: Estabelecer a ordem, coibindo o avanço da maldade através do uso da lei e da força, julgando e punindo os criminosos. Isso justificaria forte investimento em segurança através do aparelhamento das forças armadas e das polícias. Um ambiente seguro garantiria um terreno fértil para o desenvolvimento de outras atividades e, consequentemente, a prosperidade da sociedade.

Se observarmos mais atentamente o texto, perceberemos que o papel do Estado vai além de garantir segurança aos seus cidadãos. Ele também deve ser ministro de Deus para a promoção do bem. Portanto, não basta coibir o mal, tem que promover o bem. E o que abrangeria este “bem”? Poderíamos incluir a saúde, a educação? E mais: o Estado deveria igualmente estimular a livre iniciativa que vise o bem comum? Creio que com base neste texto, a resposta é um sonoro sim. Receber louvor do Estado nada mais é do que receber estímulo, incentivo, inclusive de ordem econômica. Estimula-se o desenvolvimento de uma sociedade provendo-lhe educação, qualificando profissionalmente os seus cidadãos, investindo em pesquisas.  Estimula-se o progresso econômico através da desburocratização, e de incentivos fiscais, desonerando serviços essenciais à população, viabilizando o crédito, incentivando a produção.

Não se trata de atribuir ao Estado papéis divinos e sim de conferir-lhe o papel que as Escrituras lhe atribuem: ser ministro de Deus. 

Lutero costumava dizer que Deus age no mundo através de dois braços, o Estado e a Igreja, a Lei e a Graça. Como promotor do bem comum, compete ao Estado contribuir na distribuição de renda. Jamais foi plano de Deus que as riquezas deste mundo fossem concentradas em poucas mãos. A justiça do reino de Deus se caracteriza, sobretudo, pela distribuição equitativa dos recursos. Por isso, Paulo nos fala de um Deus que espalha, dá aos pobres, de modo que, "a sua justiça permanece para sempre” (2 Coríntios 9:9). Tanto a igreja, quanto o Estado têm a obrigação de ser agentes de Deus para espalhar, e não para concentrar. Não se trata de ser uma espécie de Robin Hood, que tira dos ricos para dar aos pobres. A propriedade privada deve ser garantida. O primeiro a comer do fruto do seu trabalho é aquele que o produziu (confira 2 Tim.2:6). Todavia, ser o primeiro não significa ser o único. Paulo nos adverte a trabalhar, “fazendo com as mãos o que é bom”, para que tenhamos “o que repartir com o que tiver necessidade” (Efésios 4:28).


A diferença entre o Estado e a igreja é que o primeiro age por força da lei, enquanto a igreja promove o bem através da conscientização. O Estado não pode me obrigar a partilhar os meus bens com quem quer que seja. O que ele pode e deve é usar os meus impostos para beneficiar a todos, sobretudo aos mais necessitados. Porém, cabe à igreja conscientizar-nos da importância da partilha. Não uma partilha imposta por lei, mas voluntária, motivada pelo amor. O Estado coage pela força. A igreja constrange pelo amor. O Estado impõe. A igreja propõe. O Estado busca prevalecer-se. A igreja, compadecer-se.

A igreja primitiva serve-nos de modelo de uma sociedade justa. Somos informados que “era um o coração e a alma da multidão dos que criam, e ninguém dizia que coisa alguma do que possuía era sua própria, mas todas as coisas lhes eram comuns” (Atos 4:32). Consequentemente, “não havia, pois, entre eles necessitado algum” (v.34). Tudo era repartido entre eles. Não de maneira compulsória, mas por amor.

O Estado incentiva, a igreja motiva. O Estado distribuiu através de serviços pagos pelos impostos dos seus cidadãos, a igreja distribuiu através da partilha voluntária. O bem promovido pela igreja não se limita aos seus membros, ainda que estes lhe sejam prioridade. Paulo orienta a que enquanto temos oportunidade, façamos bem a todos, mas principalmente aos domésticos da fé” (Gl 6:10). Porém, há aqueles que, motivados por amor, invertem esta prioridade. João dá testemunho disso ao afirmar acerca daquele a quem sua terceira epístola era endereçada: “Amado, procedes fielmente em tudo o que fazes para com os irmãos, especialmente para com os estranhos, os quais diante da igreja testificaram do teu amor” (3 Jo 1:5-6). Sem importar se priorizaremos uns ou outros, o importante é que façamos o bem a todos. E fazer o bem implica repartir.

Nosso maior problema não é o Estado. Se fosse, Paulo teria dito que o amor ao Estado é a raiz de todos os males. Em vez disso, ele diz que o amor ao dinheiro é que é a raiz de todos os males. É o capital, tão defendido por eles, que promiscui o Estado. 

Nem mesmo Jesus enxergava no Estado um rival a ser combatido. Pelo contrário, Ele diz que é possível ser fiel a Deus, e ainda assim, ser leal ao Estado. Basta dar a César o que é de César, porém, sem negar a Deus o que é de Deus. Não obstante, Jesus afirma que não se pode servir a Deus e ao dinheiro. Na verdade, tanto o Estado quanto o Capital têm potencial de se tornar num ídolo. Mas deles, nenhum é tão voraz quanto o dinheiro. O amor a ele é a raiz da corrupção. Quando o Estado se torna na grande prostituta, o Capital é o seu cafetão.

Alguns alegam que o Estado não possui competência para atuar em certas áreas e que a prova disso seria o caos encontrado na saúde, na educação e em tantas outras áreas que deixam a desejar. Para estes, só haveria uma maneira de resolver o problema: privatização. Defendem, inclusive, que uma eventual privatização da Petrobrás, por exemplo, reduziria o preço do combustível. Interessante o argumento. Parece até que faz sentido. Porém, a experiência diz outra coisa. A telefonia foi privatizada e hoje pagamos mais pelo uso do celular que qualquer outro país do mundo. 

O buraco é bem mais embaixo. 

Qual a real razão de nossos hospitais e universidades públicas estarem sucateados? O que estaria por trás da educação de má qualidade? 

Tomemos como exemplo o SUS (Sistema Único de Saúde), que poderia ser considerada uma das maiores conquistas da sociedade brasileira, que já rendeu elogios até de Barack Obama, presidente dos EUA. O SUS foi criado para prestar atendimento universal e gratuito, sem distinção de classe ou categoria profissional. Obviamente, não interessa aos gestores dos grandes planos de saúde que algo como o SUS garanta atendimento de qualidade a todos. Quem pagaria uma fortuna a Amil, podendo recorrer à saúde pública, caso esta oferecesse um serviço de qualidade? Nas últimas eleições, os planos de saúde distribuíram R$ 52 milhões em doações para 131 candidaturas de 23 partidos diferentes. Eduardo Cunha, principal representante deste segmento no congresso, recebeu um "incentivo" de R$ 250 mil, repassados à sua campanha pelo Saúde Bradesco. Na hora de votar o orçamento para a saúde pública, a bancada eleita pela máfia dos planos de saúde vai trabalhar arduamente para sabotar qualquer tentativa de melhorar os serviços. O mesmo Eduardo Cunha que presidirá vergonhosamente a sessão que pretende destituir Dilma, foi relator de uma emenda que anistiava os planos de saúde em R$ 2 bilhões em multas (anistia semelhante a dada a pastores como R.R. Soares e Silas Malafaia. Leia sobre isso aqui). O deputado cujo bordão de campanha é "O povo merece respeito", assim que assumiu a presidência da Câmara, engavetou o pedido de criação da CPI dos Planos de Saúde, de autoria do deputado Ivan Valente (PSOL-SP). A desastrosa atuação de Cunha em favor dos Planos de Saúde mostra o quanto o financiamento de campanha determina os rumos das discussões das políticas públicas no país. O mesmo se dá com a educação. Colégios e Universidades privadas investiram milhões na eleição de representantes para sabotar o ensino público e assim garantir seus lucros galopantes. 

Se alguém acalanta a fantasia de que depois do impeachment da presidente, o país vai tomar um novo rumo, sinto em informar que está redondamente enganado. Se quisermos, de fato, que o país mude de rumo, precisamos urgentemente de uma reforma política que inclui o financiamento público das campanhas políticas, acabando de vez com esta orgia que mistura interesses públicos e privados. Somente assim, voltaremos a ter esperança de que o Estado cumprirá cabalmente seu papel de promover o bem comum em vez de aprofundar o abismo entre classes.

Não há regimes ou ideologias perfeitas. Creio que todos estão preparando o caminho para a grande síntese, o reino de Deus. É por ele que a humanidade tanto anseia. Nele a justiça e a liberdade, tão caros à civilização, finalmente se entrelaçarão. E o cupido que promoverá este encontro épico será o amor.


Lamento sobre o Brasil

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Por Hermes C. Fernandes

Ai de ti, Brasília! Ai de ti, Brasil! Porque, se nos dias que precederam o golpe de 64 a população tivesse acesso a tantas informações quanto se tem atualmente, certamente teria se mobilizado e impedido que a democracia fosse ultrajada e o país mergulhasse em vinte e um anos de ditadura militar. Portanto, que sejamos menos rigorosos em julgar os brasileiros daquela época que saíram às ruas clamando por um golpe, do que em julgar os que hoje, mesmo alertados pela história, seguem coniventes com o que está sendo engendrado contra a jovem democracia brasileira. A primeira vez é tragédia. Mas a segunda, farsa.

E tu, República Federativa do Brasil, que te levantaste até o céu para desfrutares da liberdade de uma pungente democracia, tornando-se a quinta economia mundial, terás teu orgulho abatido até o inferno ao vires o retrocesso a que serás submetida por aqueles que se unem para devorá-la e negociar tuas riquezas.

Os brasileiros que enfrentaram a ditadura e que saíram às ruas nas “Diretas Já” se levantarão e condenarão tua letargia e cinismo. As grandes democracias do mundo olharão com desdém e te censurarão por haver permitido tal descalabro, deixando-se seduzir por teus próprios algozes. As gerações futuras se envergonharão ao descobrirem a maneira como esta geração se deixou manipular por aqueles que almejavam retomar o lugar que ocuparam por quinhentos anos.

Não há desculpas para esta geração. Não depois da internet. Não depois que o Brasil se tornou protagonista no tabuleiro político e econômico internacional. Não depois que 36 milhões de cidadãos brasileiros deixaram a miséria. Não depois que o analfabetismo foi quase inteiramente banido. Não depois que o fluxo migratório foi revertido. Em 64, o número de jovens que ingressavam na universidade era ínfimo, na casa dos milhares. Hoje são quase oito milhões, incluindo negros e outras minorias que antes eram excluídos.

Não se trata de ser a favor de um governo ou de um partido em particular, mas de ser a favor da democracia, contrariando interesses econômicos dos que se locupletam da opressão exercida sobre as camadas mais humildes.

Não chegamos ainda à terra prometida. Quando muito, encontramos um oásis ou outro no meio do caminho. Mas, ainda há meio deserto pela frente. Mas não se pode dar ouvidos aos que pretendem nos levar de volta para o Egito.

Você pode até torcer o nariz para a mulher negra que Moisés arrumou, ou pelo fato de ter língua presa, ou por ele se demorar tanto no alto do monte, a ponto de seu próprio irmão ceder à pressão popular e confeccionar um bezerro de ouro para ser cultuado pelos hebreus. Mas não pode se esquecer de que estar neste deserto a caminho de Canaã é melhor do que retroceder e viver como escravo a serviço de Faraó.

Você pode não gostar da presidente, de sua maneira de discursar, das alianças que fez em nome da governabilidade, e até da corrupção cometida por membros de seu governo, mas daí se prostrar diante de um enorme pato amarelo em frente à sede de uma instituição que pretende acabar com os direitos trabalhistas conquistados a duras penas pelas gerações que nos antecederam… isso é inadmissível.

As próximas gerações não nos perdoarão. Nossos filhos e netos colherão o que hoje está sendo plantado sob a justificativa de se combater o comunismo e a corrupção, a mesma usada para desmoralizar Getúlio, destituir Jango, exilar Juscelino e decretar o AI-5.


Que o Senhor da História tenha compaixão da nossa geração durante a travessia desta encruzilhada. Que Sua providência nos guie na direção da justiça, da liberdade e da esperança.

Seus pobrema acabaram! Vem aí o impeachment tabajara!

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Por Hermes C. Fernandes

"Seus pobrema acabaram!" Com este bordão, a turma do Casseta & Planeta fazia paródias muito bem humoradas de produtos que ofereciam verdadeiros milagres.  Seu Creysson, garoto propaganda das Organizações Tabajara, dava o arremate na peça publicitária dizendo: "Eçe eu agarantiu!!!" 

Tenho a impressão de que a vida resolveu imitar a arte mais uma vez. Cada vez que vejo manifestações favoráveis ao impeachment da presidente Dilma Rousseff, percebo um misto de esperança e ingenuidade. A maioria parece acreditar que tão logo a presidente seja deposta, a crise terá fim. Será? Ou estaríamos diante de um impeachment com o selo de qualidade "Seu Creysson"?

Sem querer cortar o barato de quem quer que seja, será que ninguém se deu conta do que está por vir? Todos estão tão distraídos com a possibilidade de impeachment, que nem notaram, ou ao menos, fingem não notar que quem vai sucedê-la é ninguém menos que Michel Temer. E pelo jeito, temos muito, mas muito mesmo a temer... Trocadilhos à parte, o atual vice-presidente já sinalizou para alguns dos setores mais reacionários do cenário político brasileiro para a composição de um eventual governo. Com uma postura bem diferente a de Itamar Franco que sucedeu Collor após seu impeachment, Temer é um falastrão. Sua fome pelo poder é incontestável. Covardemente ordenou que os membros de seu partido pulassem fora do governo, enquanto ele mesmo se manteve na esperança de ocupar a cadeira presidencial. Abaixo dele, deparamos com a controversa figura de Eduardo Cunha, o mais ilibado presidente da Câmara de Deputados de todos os tempos. SNQ. 

Brasil, onde você está se metendo? 

Não é preciso gostar de Dilma, nem defender seu governo para perceber o que está acontecendo, de fato. Estamos numa emboscada. Será que ninguém vê?

Dilma está servindo de boi-de-piranha para distrair nossas atenções para o que se passa bem debaixo de nosso nariz.

No pantanal mato-grossense, quando um boiadeiro tem que atravessar um rio enfestado de piranhas com sua boiada, ele escolhe um dos bois, faz um talho em uma de suas patas e o faz atravessar sozinho. Enquanto as piranhas se distraem com aquele boi, a boiada inteira passa incólume do outro lado.

Quem imagina que o problema do país é a presidente pode estar passando um atestado de ingenuidade (me recuso a usar palavras chulas, embora me sinta tentado a isso).

Ou alguém acredita que a Lava-jato vai prosseguir até derrubar o último dos corruptos? Ou que o pacote anticorrupção enviado pela presidente ao congresso vai finalmente ser votado? Ou que a tão sonhada reforma política vai sair?

O problema não é Dilma. O problema é a composição atual de nosso congresso. Homens desprovidos de honra e caráter. E que deram prova disso pulando fora do navio ao vê-lo afundar. Tal qual fazem os ratos...

Dos 38 que votaram a favor do processo de impeachment, 35 estão implicados na Lava-jato. 

Se a coisa fosse séria, Eduardo Cunha não presidiria o processo que visa derrubar uma mulher que, até se prove ao contrário, não teve seu nome envolvido em nenhum escândalo de corrupção. Enquanto ele responde por corrupção já devidamente comprovada. 

As famigeradas piranhas do congresso estão loucas para devorar a carne da primeira mulher eleita presidente deste país. Enquanto as bancadas do boi, da bíblia e da bala saem ilesas. 

Não preciso ser uma árvore para defender o meio-ambiente, nem homossexual para defender os direitos LGBT. Da mesma forma, não preciso ser petista, tampouco eleitor de Dilma ou Lula, para me sentir ultrajado com a injustiça que se comete em plena luz do dia em nosso país. 

Se é para derrubar o que está aí, a primeira peça do dominó a cair tinha quer Eduardo Cunha, seguido de Renan Calheiros, e boa parte dos deputados e senadores que etiquetaram suas almas. Os que trocam de lado, fazem-no como quem investe no mercado futuro. Não se enganem! Não há ali idealismo, altruísmo, mas tão-somente interesses, jogo de poder. As exceções são raríssimas. E posso garantir que não se encontram na cambada, ops, bancada evangélica. 

Minha oração é que a vontade soberana de Deus prevaleça. Se Ele quiser agir com juízo sobre nós, dele ninguém escapará. Se quiser agir com misericórdia, dela ninguém prescindirá. 

Não se afobe não, que nada é pra já... E só os idiotas herdarão o reino de Deus!

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Hermes C. Fernandes

Quem nunca foi passado para trás que atire a primeira pedra. Quem jamais se viu assinando um atestado de idiotice ao permitir que se obtivessem vantagens às suas custas? O mundo é dos espertalhões, dos que seguem à risca a cartilha da Lei Gérson, buscando levar vantagem em tudo. Mas o Reino de Deus é dos idiotas. Dos que oferecem a outra face. Dos que andam a segunda milha. Dos que sofrem o prejuízo calados. São justamente esses que Deus usa para expor os espertos ao ridículo. De repente, o que soava estupidez, demonstra ser a mais refinada sabedoria, o que parecia ingenuidade, revela-se prudência.

Há quase vinte e cinco anos tive a oportunidade de adquirir um terreno na região de Vargem Grande, Jacarepaguá, por algo em torno de 5 mil dólares (Se não me engano, à época havia paridade entre o dólar e o recém lançado real). Para adquiri-lo, teria de me desfazer do meu carro, meu velho chevette branco. Acabei desistindo. Hoje me arrependo de ter desperdiçado aquela oportunidade. Este mesmo terreno já deve valer mais de vinte vezes mais. A valorização da região começou quando a Xuxa resolveu mudar-se para lá. Depois vieram os parques aquáticos, o centro gastronômico, e finalmente, a duplicação da Estrada dos Bandeirantes.  Ah se eu pudesse retornar no tempo... 

Por ocasião de minha mudança para os EUA, vendi a casa que tinha numa vila em Jacarepaguá por um preço módico. Pouco depois, soube que bem próximo dela passaria a Transolímpica, nova via aberta pela prefeitura do Rio. Se houvesse esperado um pouco, poderia tê-la vendido por três vezes o valor que consegui. Dessa feita, precipitei-me. 

Quando o governo do Rio de Janeiro estava implantando uma Unidade de Política Pacificadora na maior favela da América Latina, a Rocinha, uma casa que antes custava 70 mil reais, passou a ser negociada por mais que o dobro deste valor. Quem comprou um imóvel antes da chegada da UPP deve ter celebrado. Fez um ótimo negócio. E se fosse o contrário? Quem compraria um imóvel sabendo que este se desvalorizaria de uma hora para outra por conta de uma prometida invasão do tráfico? Pois algo parecido ocorreu na Jerusalém dos tempos de Jeremias, o profeta.

Por ordem de Deus, Jeremias advertira os seus moradores de que o juízo divino era iminente. A cidade seria invadida pelo exército babilônio, que a reduziria a escombros e levaria seus filhos cativos. Zedequias, rei de Judá, tentou coagir o profeta a calar-se, pois suas profecias estavam provocando muita agitação entre os habitantes de Jerusalém. Como o profeta era incorruptível, não restou alternativa senão mantê-lo sob custódia, evitando-se assim que o caos se instalasse.

Preso, sabendo que a cidade já estava sitiada pelo exército de Nabucodonosor, Jeremias que recebe de Deus uma ordem inusitada: Adquirir uma propriedade nos subúrbios de Jerusalém (Jr. 32:6-7).

Definitivamente, aquela não era uma boa hora para comprar uma propriedade.

No outro dia, seu primo Hanameel veio visita-lo na prisão, oferecendo-lhe sua herdade em Anatote. Se Deus não lhe houvera avisado um dia antes, Jeremias certamente acharia que seu primo lhe queria passar pra trás. Talvez a intenção de Hanameel até fosse esta. Para ele, não haveria melhor momento de se livrar daquela propriedade do que naquela hora, antes que a cidade fosse invadida e destruída.  

Mesmo que as intenções de alguém sejam más, Deus pode usá-las para benefício daqueles que n’Ele esperam. Ou não cremos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus?

Interessante notar que o nome “Anatote” significa “resposta à oração”. Não sei se Jeremias já fazia planos de adquirir seu pedaço de chão. Mas se aquilo era a resposta de suas orações, não teria chegado em momento inoportuno?  Se às vezes temos a impressão de que Deus pareça se atrasar, outras vezes parece que Ele se adiantou.

Jeremias não era ingênuo, como talvez seu primo imaginasse. Ele era capaz de enxergar os propósitos divinos por trás das intenções inconfessáveis de Hanameel.

Em posse das escrituras do terreno, Jeremias estava impossibilitado de visitá-lo. E mesmo que pudesse, de que adiantaria, se a cidade estava prestes a ser conquistada? Para um esperto em mercado imobiliário, aquela era hora de vender, não de comprar. Hanameel receberia um atestado de esperteza, e Jeremias um atestado de idiotice.

Deus nos chama a tomar a contramão do mundo. Vendemos, quando todos estão a comprar. Compramos, quando todos estão a vender. Apostamos no cavalo no qual ninguém se atreve a apostar. Andamos por fé, não por vista. Não somos guiados pelas manchetes dos jornais. Vivemos por convicções, não por conveniências.

Que vantagem os espertalhões poderão tirar em cima de quem persegue os propósitos divinos, em vez de viver em função de propostas indecorosas?

Imagino que ninguém tenha entendido a razão de tal aquisição. Ele mesmo havia avisado ao povo levado cativo para a Babilônia que lá deveria estabelecer-se, sem pressa, comprando campos, construindo casas, casando seus filhos, e orando para que a cidade prosperasse, pois a sua própria prosperidade adviria de seu êxito. Sua estada em Babilônia duraria o equivalente a duas gerações (70 anos). Portanto, num futuro a curto e médio prazo, não haveria esperança de que retornassem a Jerusalém, contrariando assim o prognóstico de outros profetas, que no afã de agradarem a opinião pública e o rei, afirmavam que sua passagem por Babilônia seria relâmpago (Jr.29:4-11).

Sem saber ao certo o que fazer com documentos da propriedade que acaba de comprar, Jeremias ouve dos lábios do Senhor:  “Toma estas escrituras, este auto de compra, tanto a selada, como a aberta, e coloca-as num vaso de barro, para que se possam conservar muitos dias. Porque assim diz o SENHOR dos Exércitos, o Deus de Israel: Ainda se comprarão casas, e campos, e vinhas nesta terra” (Jr. 32:14-15). 

Aquela aquisição não era para ser desfrutada em seus dias, mas no futuro, quando Jerusalém fosse novamente habitada por seu povo. Para tanto, suas escrituras deveriam ser preservadas num recipiente que impedisse a sua deterioração.

Estamos acostumados a pensar no futuro apenas em termos de curto e médio prazo. Porém, Deus enxerga o futuro muito além de nosso próprio horizonte existencial. Há coisas que fazemos hoje que repercutirão para as gerações que vierem bem depois de nós. Por isso, não temos o direito de ser imediatistas. Mais importante do que aquilo que desfrutamos em vida é o que deixamos como legado para as próximas gerações.

De acordo com as instruções dadas por Deus, as escrituras daquele campo deveriam ser guardadas em um vaso forte, que as preservasse por muito tempo. Onde temos guardados aquilo que Deus nos tem confiado? Em quais estruturas temos preservado tão valioso tesouro? Em que estado estarão quando forem redescobertas no futuro? Como nossos descendentes avaliarão nosso legado? Que repercussão terá nosso trabalho num futuro distante? Ora, se as escrituras se perdessem, não comprovaria sua propriedade. Seus descendentes não poderiam reivindicá-la.

É lamentável perceber que a igreja hodierna demonstra preocupar-se exclusivamente com os resultados imediatos de suas estratégias mirabolantes. Por conta disso, sua relevância e credibilidade têm sido minadas. Guardamos nossas “escrituras” em vasos rachados, expondo-as à constante infiltração e deterioração.

Deus nos chama a comprar campos aparentemente sem qualquer valor. Ele nos comissiona a atuar em áreas tidas por irrelevantes aos olhos de muitos. Tudo indica que o mundo esteja a caminho de um trágico fim. Em vez de nos desesperarmos, somos convocados a anunciar que há esperança. Nem tudo está perdido. Temos as escrituras de propriedade do mundo. Abraão, do qual somos descendentes, foi constituído por Deus como herdeiro do mundo (Rm.4:13). Cristo recebeu as nações como herança (Sl.2). Portanto, o mundo não vai acabar, como advogam alguns, mas ser plenamente restaurado. 

Adquiramos o campo da cultura, das ciências, da educação, da política (por que não?), da tecnologia, da mídia. Invistamos no “mercado futuro”. Mas cuidemos para que as escrituras sejam bem armazenadas, a fim de que os valores inegociáveis do reino não sejam corrompidos.

Investir é correr riscos! E ninguém se atreveu a correr risco maior do que Deus ao investir em vasos de barros como nós, fazendo-nos depositários de seu maior tesouro (2 Co.4:7), os ideais do reino. Sabemos, porém, que todo vaso tem prazo de validade curto. Ainda que nosso homem interior se renove dia após dia, nosso homem exterior acaba por deteriorar-se com o tempo. Por isso, urge que constituamos novos depositários de tais riquezas. Atendamos à recomendação dada por Paulo a Timóteo, confiando o que temos recebido a “homens fiéis, que sejam idôneos para também ensinarem os outros” (2 Tm. 2:2). Ora, se não forem fiéis a nós, como serão fiéis àquilo que de nós receberam? Serão daqueles em que confiarmos que as gerações futuras receberão a mensagem que hoje tanto prezamos. Portanto, que sejam fiéis! Que não traiam sua consciência! Que mantenham-se comprometidos com os valores que lhes forem legados. 

Que ajamos agora, focando nos dias vindouros, a fim de que vejamos o cumprimento da promessa que diz: “E eles serão o meu povo, e eu lhes serei o seu Deus; e lhes darei um mesmo coração, e um só caminho, para que me temam todos os dias, para seu bem, e o bem de seus filhos, depois deles (Jer.32:39)

Abaixo, uma das mais lindas canções de Chico de Buarque, cuja letra vem a calhar com o objetivo desta reflexão.



Futuros Amantes

Não se afobe, não

Que nada é pra já 
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante 
Milênios, milênios
No ar 
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos 
Sábios em vão
Tentarão decifrar 
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização 
Não se afobe, não 
Que nada é pra já 
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá 
Se amarão sem saber 
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você




 * Acompanhe a continuação desta reflexão nos próximos dias.

Um cuspe na cara da hipocrisia

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Por Hermes C. Fernandes

“Por Deus e pela família!” Nunca o nome de Deus foi tão evocado no plenário da Câmara de Deputados Federais quanto na sessão de ontem. Pena que a maior parte dos que assistiram ao horrendo espetáculo não se deu conta do que estaria por trás de menção do nome sagrado. Talvez até haja dentre os nobres parlamentares alguns que se veem investidos de um propósito divino para defender a célula mater da sociedade. Mas, ouso afirmar que a maioria deles apenas feriu o terceiro mandamento sem o menor constrangimento. Porém, ambos, os sinceros e os picaretas, compõem o mesmo coro, regido pelos que camuflam suas verdadeiras intenções.

A bancada evangélica é o que há de mais retrógrado naquela casa. Seus componentes foram eleitos para defender exclusivamente os interesses de suas agremiações religiosas. São bravos em lutar por concessões de rádio e TV, por privilégios para seus líderes (como a anistia que Eduardo Cunha conseguiu para o Silas e o R.R. Soares), e isenções tributárias para as igrejas.  Entre eles, não há preocupação com os desassistidos, com as minorias, com a justiça social. Mas como poderiam ser eleitos sem oferecer ao povo alguma promessa concreta?  

Simples. Descobriram na moral cristã a melhor artimanha para se elegerem sem o menor esforço.  Inventaram que a família tradicional estava sob um ataque acirrado de quem pretende aniquilá-la. Quem seriam os inimigos? Aqueles gays pervertidos! A partir daí, começaram a criar factoides, mentiras deslavadas. Disseram que havia um projeto de lei que seria levado a plenário que obrigaria pastores a casarem homossexuais. Depois que derrubaram a PL 122, procuraram outra desculpa para continuar brigando e garantindo seu capital político. Inventaram a tal “ideologia de gênero”. Assustaram os pais afirmando que seus filhos seriam iniciados sexualmente nas escolas.  Que menino poderia usar banheiro feminino e vice-versa.  Mentirosos! Seguem a cartilha de Hitler que dizia que uma mentira contada muitas vezes é tida como verdade. 

Precisavam de um inimigo que encarnasse tudo isso. Elegeram Jean Wyllys. Transformaram-no num monstro, num ser asqueroso. Criaram memes onde palavras terríveis foram postas nos lábios do deputado que se assume homossexual.  E mesmo vindo à público para desmentir os boatos, eles continuaram a circular livremente pela internet.

Resultado: boa parte dos evangélicos têm ojeriza a Jean Wyllys. Comentários do tipo “ele vai destruir as famílias” são cada vez mais frequentes nas redes sociais. Xingamentos vindo de quem deveria destilar amor são comuns. Quem acompanha a sua legislatura dá testemunho de quão ética é sua postura. Até quando provocado com perguntas capciosas, Wyllys procura manter o tom respeitoso. Sou testemunha disso.

Um dos deputados que ontem gritavam “Tchau Querida”, disse na minha presença e de outros pastores, com todas as letras, que Jean Wyllys, seu desafeto, o havia cantado no dia anterior. Todos começaram a gargalhar. Eu abaixei a cabeça e me afastei. Que triste. A que ponto chegaram. Duvido muito que tal coisa tenha acontecido.  Não bastasse tentar desmoralizar o rapaz pelo simples fato de ser homossexual, ainda tentam achincalhá-lo em off. Ah, os bastidores... se todos os conhecessem... teriam ideias completamente diferentes das que defendem.

Depois de elegerem um vilão, precisavam encontrar um herói. Feliciano, na qualidade de profeta, tomou o vaso usado por Samuel para ungir a Davi, e declarou numa conversa vazada recentemente, que só conhece um Messias: Jair Bolsonaro. Numa tacada, negou a Cristo. Alguns dirão que a conversa foi editada. Sim, há retalhos de várias conversas ali. Mas isso não diminui o que ele disse em alto e bom som, dirigindo-se ao próprio Bolsonaro. Cabe lembrar que o mesmo vaso (que na verdade era um chifre) usado para ungir a Davi, foi antes usado para ungir a Saul. 

Já temos um vilão, um herói, faltava uma luta épica. E pelo jeito, esta ocorreu ontem durante a votação pelo impeachment da presidente Dilma. Após ter votado contrário ao embuste, Jean foi xingado por Bolsonaro de viado, queima-rosca, entre outras coisas. Bullyngem pleno congresso. Se isso não é quebra de decoro, o que é, então? Quem suportaria tanta afronta? E isso ao longo de toda a sua legislatura. Ontem foi só a gota d'água. Com o sangue quente, Jean se virou em sua direção e deu-lhe uma cuspida. Se ele fez certo? Não. Acho até que também quebrou o decoro parlamentar. Se eu o condeno por isso? Também não. Bolsonaro fez por merecer tal reação. Não duvido nada que isso tenha sido pensado. Conheço poucos tão calculistas quanto ele. 

Mas ele agora é o herói dos crentes. É o defensor da família tradicional. Tanto que já está no terceiro casamento e o último foi celebrado por ninguém menos que outro arauto da família tradicional, o sempre esbravejante Silas Malafaia. A crentaiada se sentiu aviltada pelo cuspe que Jean deu em seu herói.

Não se esqueçam de que quem é herói para uns, é vilão para tantos outros. E quem é vilão para uns, igualmente é heróis para outros. Davi era o herói dos hebreus, mas o vilão dos filisteus. Golias era o heróis dos filisteus, mas o vilão dos hebreus. 

Aquele cuspe foi  emblemático. Deveria ser registrado nos anais da história. Foi o cuspe das minorias massacradas pelo nosso maldito preconceito na cara de nossa hipocrisia religiosa. Bolsonaro não me representa. Wyllys também não. Porém, me alinho muito mais com aqueles a quem Wyllys representa do que com aqueles cujos interesses são representados por Bolsonaro. Mania que aprendi com um certo Galileu de me posicionar pelas vítimas e não por seus algozes...

Muito mais grave do que ser insultado por um cuspe é dedicar seu voto a um torturador que quebrou os dentes de uma jovem de 23 anos que em seu idealismo lutava contra o golpe militar de 64. Pois foi justamente isso que fez o novo herói dos crentes. Ele não apenas cuspiu, mas vomitou na cara da sociedade, principalmente, dos que tiveram familiares presos e torturados pelo regime militar.

O cuspe de Wyllys lambuzou a cara de pau do Bolsonaro, mas também lavou a alma de milhões de brasileiros, sobretudo das minorias, dos negros, dos gays, das mulheres, dos deficientes físicos.

Sei o quanto pode me custar um artigo como este. Vou perder seguidores. Alguns que nutriam admiração pelo meu trabalho, ficarão decepcionados. Sinto profundamente. Não gosto de perder amigos. Mas não poderia me calar, nem ser hipócrita. Escrevo o que penso. Escrevo com o coração.

Se prefere continuar acreditando nos políticos evangélicos e em suas mentiras deslavadas; se prefere dar crédito a líderes que negociam o voto de seu rebanho, e tocam terror anunciando uma guerra inexistente contra a família, sinta-se à vontade. Posicione-se. Não vejo como é possível beber do que jorra aqui e continuar bebendo de fontes turvas como Olavo de Carvalho, Nando Moura, Danilo Gentilli, e outros que engrossam o coro do ódio, do preconceito, dos factoides. Mas lembre-se: você estará em companhia de gente muito boa que se aglutina ao redor destes mestres. Só lamento profundamente por você. Falo de todo o meu coração. Falo porque me importo com você e sei o dano que tudo isso fará à sua alma.

Só tome cuidado porque certos posicionamentos equivalem a cuspir no rosto d’Aquele que preferia a companhia de prostitutas e pecadores.

__________________

P.S. Seu Messias é Bolsonaro, seu profeta é Malafaia, seu mestre é Olavo de Carvalho e ainda considera Cunha um gênio. O que mais esperar do mais proeminente representante da bancada evangélica? Refiro-me a Marco Feliciano. Deprimente. 

Um país carente de heróis, mas não postiços

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Por Hermes C. Fernandes


"Meus heróis morreram de overdose, meus inimigos estão no poder." Cazuza.


"Um Che Guevara você só para na bala. Um Martin Luther King Jr. 
você só para na bala. Um Gandhi você só para na bala. 
Para outros, um cargo no Planalto, uma garrafa de whisky, 
uma mulher, ou uma mala de dinheiro são suficientes." 
Ed René Kivitz, téologo brasileiro


Toda sociedade que se preze tem seus heróis. São eles que, além de reforçarem a identidade nacional, inspiram novas gerações a lutarem por seus ideais. Uma sociedade sem referências está fadada a experimentar uma sensação de orfandade, algo parecido com o que Israel sentiu ao reivindicar de Deus um rei, já que cada nação tinha o seu.

O Brasil é um país carente de heróis. E não é por não existirem ou não terem existido. Nossa história está repleta de personagens que lutaram bravamente por uma sociedade mais justa, livre e soberana. Então, por que não são celebrados? Em vez disso, muitos deles são propositadamente sabotados, pintados como vilões, monstros sanguinários, terroristas, bêbados, daqueles que merecem ser esquecidos tamanha a vergonha que nos causa.

É difícil entender a razão de não celebrarmos, por exemplo, a memória de Getúlio Vargas, conhecido como pai dos pobres, enquanto os EUA celebram com orgulho a memória de George Washington e Abraham Lincoln. O homem que garantiu os direitos trabalhistas, que industrializou o país, acabou relegado ao esquecimento. O mesmo se dá com Juscelino Kubitschek, construtor de Brasília. 

Os países que buscam exercer hegemonia sobre os demais sabem do perigo que é permitir que cada nação tenha seus próprios heróis, pois temem que estes possam inspirar eventuais insurreições do seu povo. Por isso, medidas preventivas são tomadas para coibir o surgimento destas figuras heroicas. Para preencher o vácuo, não raras vezes, heróis postiços são forjados sob medida, algo como “o caçador de marajás”, que de uma hora para outra, tornou-se quase numa unanimidade no país. Fernando Collor de Mello surge repentinamente no cenário político nacional, fisgando, com seu discurso ensandecido,  a confiança de um povo carente de esperança. Deu no que deu. Os mesmos que o forjaram, derrubaram-no quando este ousou contrariar seus interesses. 

No próximo dia 21, celebraremos a memória de Tiradentes, o herói da inconfidência mineira. Você já se perguntou a partir de quando Tiradentes passou a ser visto como um herói nacional? Para aqueles que o enforcaram, ele não passava de um vigarista, um trapaceiro, um infame traidor da coroa portuguesa. Por muitos anos, a imagem que prevaleceu foi esta.  Ainda hoje, há quem se dedique a macular sua imagem, alegando, entre outras coisas, que ele se opunha à abolição da escravidão, e que sua luta não era pela independência do Brasil, mas apenas de Minas Gerais. Sem contar, teorias aparentemente mirabolantes que afirmam que ele nem sequer chegou a ser enforcado. Enquanto outro tomava seu lugar no cadafalso, Tiradentes fugia para a França, onde teria vivido confortavelmente com uma identidade falsa.  Se esta teoria estiver correta, o Tiradentes ensinado nas escolas jamais existiu. Trata-se apenas de uma história inventada pelos republicanos do século XIX para tentar legitimar o golpe militar que engendraram, e que foi reforçada pelos ditadores militares entre as décadas de 1960 e 1980. Quem seria o verdadeiro Tiradentes, afinal, o que estampa nossos livros de história com uma fisionomia que lembra o Cristo, ou o revelado por seus detratores? Talvez nunca saberemos. Ainda que ele fosse um legítimo herói nacional, para aqueles que o enforcaram, ele não passava de um traidor obstinado.  Assim como Sansão e Davi, ambos heróis dos hebreus, mas vilões dos filisteus.  

Aprendi com o filme “Coração Valente” que a história é a versão dos vencedores.  William Wallace, celebrado no filme estrelado por Mel Gibson, foi considerado herói dos escoceses, mas ainda visto como um vilão traidor para a coroa inglesa.

Não há heróis que gozem de unanimidade em ambos as trincheiras. Alguns não são unanimidade nem mesmo entre seu próprio povo. Tomemos por exemplo Nelson Mandela. Se você imagina que o homem que derrotou o regime de segregação do Apartheid na África do Sul é celebrado por todos naquele país, você está redondamente enganado. Ainda hoje, Mandela é odiado, principalmente pela classe dominante. Chamam-no de comunista, terrorista, corrupto, e daí para baixo. O mundo inteiro o celebra, menos seu próprio povo, ou parte dele.  

E o que dizer de Martin Luther King? Enquanto morei nos EUA, pude presenciar o desconforto que era, principalmente para famílias brancas, terem que comemorar um feriado dedicado ao pastor responsável pela conquista dos direitos civis dos negros americanos. Entre eles, Luther King não passava de um embuste. Espalharam até que, além de comunista, ele também era promíscuo, e teria sido morto durante uma orgia com várias prostitutas. Porém, aqueles que se beneficiaram de sua luta consideram-no seu grande herói.  

De Mahatma Gandhi, o maior pacifista do século XX, dizem que mantinha um caso homossexual, mesmo estando casado.  De Madre Teresa de Calcutá, mulher que dedicou sua vida a cuidar de leprosos na Índia, dizem que era endemoninhada, temperamental e intratável.

Por isso, sempre olho com reservas qualquer tipo de tentativa de difamar alguém que tenha lutado por um mundo mais justo. Se foram vilões para os impérios que combateram, certamente foram heróis de povos que libertaram ou pelo qual lutaram.

Alguns foram guerrilheiros. Enfrentaram bravamente poderios bélicos para libertar seus respectivos povos. Odiados por seus inimigos, seguem amados por seu povo.

Infelizmente, não vemos muito disso no Brasil. A mídia conseguiu nos convencer de que alguns célebres expoentes de nossa brava gente brasileira não passaram de terroristas cruéis, que em nome de sua ideologia mataram, assaltaram bancos, sequestraram autoridades de outros países, etc.  Tentam nos convencer de que o objetivo deles era implantar aqui uma ditadura comunista bem ao estilo da que havia no Leste Europeu e em Cuba. Muitos deles foram assassinados, não em combate, mas friamente, depois de sessões de tortura. Quando se fará justiça à memória dessa gente, cuja maioria morreu ainda na flor da idade? Quando o país reconhecerá sua grandeza? Nem todos impuseram armas. Alguns lutaram em outras frentes contra um regime totalitário, responsável pela morte e desaparecimento de muitos. Entre eles, alguns religiosos como o Frei Betto e seu irmão, Frei Tito, que acabou se suicidando devido à profunda depressão sofrida após sessões de tortura (para entender melhor este triste episódio de nossa história, assista ao filme "Batismo de Sangue").

Recentemente, o Papa Francisco (que também já está sendo acusado de ser comunista!) anunciou a reabertura do processo de canonização de Dom Óscar Romero, arcebispo de San Salvador (1977-1980). Em uma de suas homilias, Dom Romero afirmou que a missão da igreja é identificar-se com os pobres.  Na véspera de seu assassinato, fez um contundente  pronunciamento contra a repressão em seu país: “Em nome de Deus e desse povo sofredor, cujos lamentos sobem ao céu todos os dias, peço-lhes, suplico-lhes, ordeno-lhes: cessem a repressão.” Aquilo foi a gota d’água. Óscar Romero foi assassinado enquanto celebrava a missa em 24 de março de 1980 por um atirador de elite do exército salvadorenho, treinado na Escola das Américas. Apesar de ser de tradição protestante, celebro a canonização do Romero por reconhecer seu árduo trabalho em defesa dos excluídos de sua nação.

No Brasil, tivemos Dom Hélder Câmara, que militou bravamente contra a opressão social no país. Certa vez, o arcebispo de Olinda disse: “Quando dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Quando pergunto por que são pobres, chamam-me de comunista.” O Vaticano já autorizou a abertura de processo de beatificação do Dom Hélder. Homens como Romero e Câmara me inspiram em minha luta contra a desigualdade social. Porém, eles não são os únicos. Na trincheira política, temos gente como Darcy Ribeiro, que dedicou sua vida à educação e à causa indígena. Poucos homens fizeram tanto pelas nossas crianças do que ele. Mas como não era um aliado da mídia, provavelmente ficará no ostracismo. Num momento de frustração, Darcy Ribeiro disse:

Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.

E o que dizer de Leonel Brizola, desafeto da família Marinho, donos da Rede Globo? O homem que revolucionou a educação no estado do Rio. Foram 500 escolas de tempo integral (CIEPS) construídas em todo o estado em tempo recorde. É dele a frase: "Devemos investir nas crianças, para que as novas gerações tenham, sobretudo, a coragem para fazer aquilo que não fizemos." Lembro-me de que à época, espalharam que as crianças eram ensinadas a rezar pela merenda agradecendo a Brizola no lugar de Deus. É assim que agem os detratores, os que preferem manter nosso povo órfão de heróis. Para ridicularizá-lo, seus oponentes adoravam contar do episódio em que teve que fugir do Brasil para o Paraguai vestido de mulher. 

A sessão plenária que votou o processo de impeachment da presidente Dilma, deixou o povo brasileiro horrorizado com o nível de seus deputados. A maioria ao se dirigir ao microfone, dedicava seu voto aos familiares ou ao seu estado de origem. Porém, dois parlamentares chamaram a atenção ao dedicarem seus votos. Um deles foi Jair Bolsonaro que dedicou seu voto a dois personagens controversos: Duque de Caxias e o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido torturador durante o regime militar. Duque de Caxias tem sido celebrado como herói nacional e patrono do exército brasileiro. Liderou a Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) na Guerra do Paraguai. Os três países mais ricos da América do Sul, insuflados pela Inglaterra, dizimaram, sob o comando de Caxias, 90% da população paraguaia, no maior genocídio da história da América Latina. E sabe por qual motivo? O Paraguai estava começando a incomodar a coroa inglesa por sua rápida industrialização. Obviamente, esse não foi o motivo oficial alegado. Mas o que causou verdadeira repulsa foi a homenagem que Bolsonaro prestou ao coronel Ustra, a quem chamou de "o terror da Dilma". Isso, porque foi ele o responsável por torturá-la quando ela tinha apenas 22 anos. De acordo com o depoimento de um companheiro do DOI-CODI, Ustra era conhecido como o "senhor da vida e da morte", que "escolhia quem ia viver e ia morrer." Suas sessões de tortura tinham requintes de crueldade, com choques nos órgãos genitais, e ratos vivos no ânus ou na vagina das mulheres. Nem crianças eram poupadas destas sessões de horrores.

O outro parlamentar que chamou a atenção foi o deputado Glauber Braga que além de insultar o presidente da Câmara Eduardo Cunha, chamando-o de gangster, dedicou seu voto à memória daqueles que nunca escolheram o lado fácil da história, dentre eles Marighela, Plínio de Arruda Sampaio, Evandro Lins e Silva, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Olga Benário, Brizola e Darcy Ribeiro, Zumbi dos Palmares. 

A partir daí, sempre que alguém criticava a menção feita por Bolsonaro, outro rebatia dizendo que piores foram as menções de Glauber Braga. Não foram poucos que nas redes sociais saírem em defesa do coronel Ustra, alegando que o mesmo combatia terroristas da pior espécie, gente perigosa como o assassino Marighela. Outros questionavam qual seria a diferença entre o que era feito pelos militares e por aqueles que eles se propunham combater. Os dois lados praticaram atrocidades. Verdade. Não há o que questionar. Porém, há uma enorme diferença. Ustra e seus asseclas praticavam torturas e assassinatos em nome do estado repressor. Homens como Carlos Marighela e Luís Carlos Prestes se engajaram na luta em resistência a este estado. O que os movia era um ideal. Se estes guerrilheiros eram bancados pelo império soviético, como geralmente se diz, por que precisariam assaltar bancos em busca de recursos para bancar sua luta? Temos que encarar os desatinos que eles cometeram como crimes políticos, não comuns. Não eram movidos por avareza, mas por um ideal. É óbvio que não apoio tal conduta. Eles erraram. Bastava que fossem presos, julgados e sentenciados. Mas em vez disso, foram torturados, assassinados, e muitos tiveram seus corpos lançados ao mar para jamais serem encontrados. Isso é desumano. Claro que a reação seria proporcional. Apesar de condenar suas atrocidades,não posso fazer vista grossa ao ideal pelo qual lutavam. Posso até não comungar de sua ideologia, nem de seus métodos desastrosos e criminosos, mas comungo da utopia que os movia, o sonho de um mundo mais justo e solidário. Eles lutaram pelo seu país. Não eram bandidos, terroristas, monstros desalmados, mas em sua maioria, jovens sonhadores e revolucionários.

Quando estava sendo perseguido pelo nazismo, Bonhoeffer, o célebre teólogo alemão, escreveu um tratado considerado uma das maiores obras primas do protestantismo, que recebeu o nome de "Ética". Nesta obra, ele justifica seu engajamento na resistência alemã anti-nazista e seu envolvimento na luta contra Adolf Hitler, dizendo que: "É melhor fazer um mal do que ser mau." Bonhoeffer, que também era pastor, foi considerado um terrorista pelos nazistas e acabou condenado à morte após participar de uma tentativa de assassinato de ninguém menos que Hitler. Devemos concordar com os nazistas e achar que Bonhoeffer não passava de um bandido? Então, por que fazemos isso com os que resistiram bravamente à ditadura militar no Brasil? 

E o que dizer de Zumbi dos Palmares, também citado pelo parlamentar? Já cansei de ouvir ou ler que Zumbi também tinha escravos, e que, portanto, não serve para ser herói da população negra do Brasil. Quem somos nós para eleger os heróis de uma etnia? No imaginário popular, Zumbi foi a resistência. Isso não significa que ele tenha sido perfeito. Cada um é filho de seu próprio tempo. 

Quem sabe o tempo se encarregue de reabilitar alguns que hoje sofrem a ojeriza do mesmo povo pelo qual lutou.  Se Tiradentes se tornou herói, por que não quem conseguiu tirar 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza? Como explicar que Lula goze de tanta credibilidade lá fora, e aqui, mesmo depois de terminar seu governo com o maior índice de popularidade da história (82% de aprovação), tem sido tão hostilizado? Como explicar que uma mulher que aos 22 anos foi torturada, levou choques elétricos em sua genitália, teve dentes quebrados a soco, tornou-se na primeira mulher a ocupar a presidência do país, hoje é xingada pela mesma gente pela qual lutou? Acho que Malcolm X, contemporâneo de Luther King, nos oferece uma resposta: "Se você não tomar cuidado, os jornais farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as que estão oprimindo." Portanto, antes de torcer o nariz cada vez que ouvir nomes como o de Che Guevara, Simón Bolívar, verifique se o que você sabe acerca deles não é uma vil tentativa de difamar os heróis de seus respectivos povos. Desconfie de tudo o que diz qualquer império midiático. 

O que me assusta é ver o povo elegendo heróis que poderão se tornar em breve seus algozes. Homens que desdenham das minorias, que não respeitam mulheres, nem negros, nem homossexuais. Deus que nos livre desta sina. 

Que tal lermos um pouco mais bons livros de história, e menos revistas tendenciosas à serviço de interesses nada altruístas?  #ficadica



Bela, decidida e livre! A face desconhecida de Maria, a Mãe Subversiva de Jesus

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Por Hermes C. Fernandes


Havia um ditado em sua época que dizia que não basta ser mulher de César, tem que parecer mulher de César. Dois mil anos se passaram, e ainda perpetuamos um modelo que impõe à mulher um padrão estético, comportamental e social. Este modelo pode ser claramente visto nos adjetivos apontados pela revista Veja na esposa do homem que almeja ocupar a cadeira mais importante do país. O problema não são as "virtudes" em si, mas a maneira sutil como se busca impor tal padrão, contrastando-o com o perfil da atual e quase deposta presidente da república.
Deixando de lado a "mulher de César", sugiro que busquemos noutra mulher, aquela que nos gerou o Filho de Deus. Quem a imagina como uma mulher bela, recatada e do lar prova não conhecê-la suficientemente.
Repare em sua inspirada oração, e tente imaginá-lo nos lábios de uma dondoca:
"A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador; porque atentou na condição humilde de sua serva; desde agora, pois, todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Poderoso me fez grandes coisas; e santo é o seu nome. E a sua misericórdia vai de geração em geração sobre os que o temem. Com o seu braço agiu valorosamente; dissipou os soberbos no pensamento de seus corações. Depôs dos tronos os poderosos, e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu vazios os ricos. Auxiliou a Israel seu servo, recordando-se da sua misericórdia; como falou a nossos pais, para com Abraão e a sua descendência, para sempre." Lucas 1:46-55
Embora tivesse "sangue azul" por pertencer à dinastia de Davi, Maria viveu na simplicidade e no anonimato, casada com um operário braçal. O trono antes ocupado por seus ancestrais, agora era ocupado por um rei fantoche, marionete do império romano, cujo nome era Herodes. Seu povo vivia sob a tirania imperial. Maria era virgem, mas não ingênua. Humilde, mas não idiota. Santa, não alienada. Discreta, mas nada recatada.
A imagem que construiu-se de Maria não faz jus à sua postura subversiva expressada neste cântico. A jovem desposada com José era uma adolescente questionadora, com um espírito rebelde e revolucionário. Sua alma anelava por mudanças. Ao receber o anúncio trazido por Gabriel, ela soube que o ente gerado em seu ventre era a resposta aos seus anelos, bem como aos anseios do seu povo.
Como que vislumbrando o futuro, Maria declarou profeticamente que Deus havia deposto os poderosos do trono, e elevado os humildes. Ela fala como alguém que vivia além do seu próprio tempo. Era como se fosse uma visitante proveniente do futuro. Para ela, tais fatos não aconteceriam um dia, mas já teriam acontecido. Deus já teria enchido de bens os famintos, e despedido vazios os ricos. Se isso não é uma revolução social, o que é, então? Os defensores do status quo preferem espiritualizar passagens como esta, para que se encaixem em sua agenda ideológica e política. Porém, a jovem Maria não está falando de coisas estritamente espirituais, mas concretas, abrangendo a realidade sócio-econômica, política e cultural.
O nascimento de Jesus anunciava que a linearidade do tempo havia sido subvertida, de modo que o futuro invadira o presente. Aquele que Se apresenta como o Princípio e o Fim, agora vive em nosso meio. A ordem predominante teria que ser colapsada para dar vazão ao Reino de Deus. A revolução há muito esperada fora deflagrada, e aquele seria, definitivamente, um caminho sem volta. Nunca mais o mundo seria como antes.
Como todo subversivo que ameaça o establishment, Maria amargou o exílio ao lado de seu filho e esposo no Egito, onde viveram na clandestinidade até o momento designado por Deus.
Pelo cântico que compôs, dá para inferir quê valores Maria teria transmitido ao seu Filho.
Com o tempo, o cristianismo deixou sua marginalidade essencial para tornar-se em religião oficial. Maria deixou de ser vista como subversiva, para tornar-se numa espécia de padroeira do status quo. Domesticaram a mãe do Salvador. Desproveram-na de sua rebeldia. Tornaram-na inofensiva. O mesmo fizeram com a igreja cristã, que deu as costas aos pobres, humildes e oprimidos, para aliar-se aos poderosos.
Se quisermos ver as profecias de Maria cumpridas, temos que dar meia-volta, trair nossos laços com os interesses econômicos e políticos, e abraçar nossa vocação subversiva. Se Maria estava certa, e de fato, anteviu o futuro, isso eventualmente acontecerá. E quando ocorrer, o Natal passará a ser celebrado como uma data revolucionária, como é a celebração da revolução francesa ou da inconfidência mineira.

Há bases bíblicas para o feminismo?

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"Que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância."
Simone De Beauvoir

Por Hermes C. Fernandes

Se dependesse de alguns, ainda estaríamos vivendo nos moldes da era vitoriana. É muito fácil pagar uma de defensor da família tradicional, paladino da moral e dos bons costumes, e com isso, detonar qualquer movimento social que não caiba nesta moldura. E é assim que se critica as feministas, como se estas fossem as principais responsáveis pela deterioração da família. Já li e ouvi de alguns líderes religiosos que o número crescente de homossexuais se deve ao fato das mulheres terem deixado seus afazeres domésticos e o seu papel de mãe para se dedicarem a uma carreira profissional. Não precisa ser nenhum sociólogo ou psicólogo para perceber a desfaçatez desta alegação. 

Creio, sem medo de errar, que as sementes que fizeram eclodir o movimento feminista estão todas espalhadas ao longo das páginas da Bíblia Sagrada. Nem a forte misoginia das culturas antigas conseguiu cimentar o solo onde estas “sementes de mostarda” foram deliberadamente depositadas. Daí encontrarmos figuras como Sara, a quem Deus ordenou que Abraão desse ouvidos. Rebeca que participou ativamente da conspiração para transferir a bênção de Esaú para Jacó. Raquel que era pastora de ovelhas, atividade então restrita aos homens. Débora, juíza em Israel, numa época em que os juízes governavam no lugar de monarcas. Poderíamos citar inúmeros exemplos (se veio atrás de versos bíblicos, perdeu sem tempo. Vou deixar para outra ocasião). Ademais, ninguém valorizou mais as mulheres do que Jesus, a ponto de aceitá-las como discípulas, o que nem os filósofos gregos com toda a sua genialidade aceitaram.

Mas gostaria de destacar uma mulher com a qual costumamos ser injustos: Vasti. Quando seu marido, rei Assuero, resolveu dar um banquete em seu palácio, Vasti, sua esposa, não deixou por menos, e promoveu também seu próprio banquete. Ao ser convocada para deixar tudo e atender a Assuero que pretendia ostentá-la diante dos convidados devido à sua exuberante beleza, Vasti simplesmente se negou a atender. Aquela era uma mulher à frente de seu tempo, que não queria ser vista como um objeto decorativo, mas um ser humano portador de dignidade intrínseca, que sabia pensar por si, que tinha sentimentos, vontade própria, e como qualquer outra mulher, não merecia ser subestimada. Sentindo-se constrangido diante dos convidados, Assuero, orientado por seus conselheiros, resolveu destituí-la, deixando vago o seu trono.

Foi Ester, uma linda jovem judia que venceu o concurso de beleza que visava substituir a rainha rebelde. Quero crer que todos conheçam esta história, e os que porventura não a conhecerem, sugiro que pesquisem. É uma das mais lindas histórias de empoderamento feminino registradas nas Escrituras Sagradas. Ester era bem mais do que um rostinho lindo, um corpo escultural. Graças a ela, seu povo não sofreu um verdadeiro genocídio. Foi sua atuação junto ao rei que impediu que um homem chamado Hamã lograsse êxito em seu intento de extinguir os judeus que viviam na Pérsia. Como o decreto já havia sido estabelecido, o rei não pôde revogá-lo. Mas deu aos judeus o direito de se defenderem do ataque opressor patrocinado pelo próprio estado. Até hoje os judeus celebram o Purim, festa alusiva àquele episódio de sua história. Naquele dia, eles puderam se defender de um estado opressor, fazendo uso de qualquer recurso que estivesse às mãos, inclusive lanças e espadas. Mas jamais foram chamados de terroristas por isso. 

Se pensarmos bem, a ousadia de Ester se deveu ao caminho deixado aberto por Vasti. Mesmo que discordemos de sua antecessora em sua petulância, que a enxerguemos como uma quase vilã (o que não é verdade!), sem ela, Ester não teria encontrado a mesma facilidade para fazer o que fez. Ester simplesmente rompeu com todos os protocolos, arriscou  a própria pele para salvar o seu povo.

Vejo hoje uma geração de mulheres desfrutando de direitos que foram conquistados lá trás graças ao atrevimento de muitas Vastis. É fácil criticar aquela geração de mulheres que saiu às ruas fazendo fogueira com seus sutiãs. Mas se não fosse por elas, talvez ainda hoje as mulheres não usufruíssem do direito ao voto. A maioria teria que se contentar com os adjetivos de bela, recatada e do lar. 

Em momento algum flagramos Ester desdenhando de Vasti. Deveríamos, portanto, seguir seu exemplo, e valorizar quem lutou em muitos movimentos sociais, não apenas as feministas, para que vivêssemos numa sociedade mais justa e igualitária. Não fossem por esses, quiçá ainda convivêssemos com a vergonha da escravidão. Talvez não tivéssemos o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, a Lei Maria da Penha, etc.

Eu, particularmente, acredito que ainda haja muita coisa para mudar até que tenhamos uma sociedade mais justa e equilibrada. Por isso, prefiro colocar-me ao lado dos que lutam por direitos, e não dos que preferem que tudo permaneça do jeito que sempre foi. A única coisa que pretendo conservar é meu idealismo, sem o qual, corro o risco de ser cortejado pelo cinismo e pela hipocrisia.

Se depender de mim, farei coro com quem peita o sistema, esperançoso de que minhas filhas viverão num mundo mais belo, bom e justo do que viveram suas avós. Se quiserem ser dondocas, que sejam. Pelos terão escolhido isso por conta própria e não por alguém lhes impor tal padrão. 

O Cristo Patrono de Torturadores e Espertalhões

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Por Hermes C. Fernandes

Nasceu no Palácio de Herodes em Jerusalém, centro do poder judaico. Veio para o que era seu, e os seus o receberam, e com muitas pompas! 

Aos doze anos já discutia novas rotas comerciais e estratégias de conquista com os conselheiros reais. Seu primeiro milagre aconteceu num pomposo casamento na realeza. Transformou a água em suco de caju, não por haver faltado bebida na festa, mas apenas para dar uma gorjeta do seu poder. Poderia tê-la transformada em vinho, vodca, ou até Whisky, se quisesse. Mas preferiu não escandalizar a ala mais conservadora e fundamentalista dos religiosos.

Aos 30 anos, foi batizado na piscina da cobertura do palácio, por um dos profetas-gurus badalados da época. Enquanto descia às águas, viu-se uma águia, símbolo de conquista, sobrevoar sua cabeça, e uma voz que bradou de algum lugar: Este é o cara! Vai e arrasa!

Saiu dali e foi para uma região praiana tirar quarenta dias de férias antecipadas. Não precisou ser tentado em nada, pois nunca se negou bem algum. Transformou pedras em pizza, só para se divertir. E ainda fez malabarismo no pináculo do templo, para tirar uma onda com os sacerdotes. No final das férias, subiu num monte bem alto, avistou os reinos deste mundo e disse para si mesmo: Tudo isso me darei!

Quando abordado por algum gentio, do tipo daquele centurião que tinha um servo enfermo, dizia-lhe: Dá um tempo! Não vim para vocês, seus impuros, idólatras e ignorantes. E mais: Nunca vi tanta petulância! Onde já se viu? Pedir por um serviçal! Além de gentio, é burro!

Ao deparar-se com um cobrador de impostos desonesto, que subira numa árvore só para lhe ver, disse-lhe: Como é que é, meu irmão, vamos ou não vamos dividir esta grana? Desce logo, que tô com pressa! E manda preparar a banheira com sais minerais do Mar Morto, porque hoje vou me hospedar na suíte de sua casa.

Ao ser tocado por uma mulher hemorrágica, esbravejou: Tira essa louca daqui! Não sabe que a Lei proíbe qualquer aproximação de uma pessoa em seu estado? Imunda!

Por onde passava, seus discípulos estendiam um cordão de isolamento, para que leprosos, morféticos, cegos, endemoninhados, e todo tipo de gente asquerosa não ousassem se aproximar do rei da cocada preta.

Diferente era o trato que dispensava aos fariseus e religiosos da época. 

Em sua versão da parábola do bom samaritano, quem socorria o moribundo era o sacerdote, que sem hesitar, tentava extorquir-lhe uma gratificação. O samaritano era o assaltante, que negou-se a dividir a grana com o levita. 

- Venham a mim, todos os que querem alguma vantagem da religião. Vocês serão cabeça e não cauda. Comerão o melhor da terra! Unam-se a mim, e lhes farei milionários. Aprendam comigo, que sou malandro e esperto de coração. Espertos são os que riem da desgraça alheia. Espertos são os que gostam de ver o circo pegar fogo. Espertos são os que têm fome e sede de sucesso. Eu saciarei seu ego!

Quando procurado por um jovem rico, disse-lhe, sem o menor pudor: Topa uma sociedade? Vai ter um lugar especial no meu reino, garoto...

E quando entrou em Jerusalém montado naquele exuberante corcel branco 0 km? Foi tremendo! Não teve pra ninguém!

No episódio em que queriam executar uma mulher flagrada em adultério, ele foi o que lançou a primeira pedra. Sua política com os pecadores era de tolerância zero. Chegou até a dizer: Tortura quero, não misericórdia! Pecador bom, é pecador morto! E se alguém quiser se compadecer, leva pra casa!

Ao visitar o templo, não disfarçou o orgulho com o que viu ali. Fez questão de sair de mesa em mesa recolhendo a décima parte do que fora obtido com o lucro das vendas dos animais para o sacrifício e o ágio cobrado no câmbio. Criticava duramente os publicanos, as prostitutas, os homossexuais, mas com os fariseus e religiosos sobravam elogios.  

Uma vez entrou num prostíbulo clandestino munido de chicote. Achavam até que ele curtia uma onda sadomasoquista. Mas ele saiu expulsando prostitutas e cafetões aos gritos: Seus porcos! Ousam transformar minha zona numa casa de mãe Joana!

Cruz? Que cruz? Tá doido? Cruz é pra gente como Jesus, aquele nazareno nascido numa manjedoura. Dizia frequentemente: Eu vim para ter vida, e vida com abundância. Quem quiser vir após mim, passa tudo o que tem pra minha conta, e me siga. Ou tudo ou nada! Ou dá ou desce!

Revolucionário? Que nada! Graças a um conchavo político feito às escuras com o Império Romano, garantiu para si a sucessão de Herodes.

Ao descobrir que um dos seus asseclas o estava traindo, sem dó nem piedade, mandou enforcá-lo. Quem ousou negá-lo teve sua língua decepada. 

Ao morrer, farto de dias, confiou seu legado a um grupo de discípulos seletos, que juraram que sua mensagem jamais seria esquecida, e que ao longo dos séculos, sempre haveria quem a promovesse em sua própria geração. Partiu ordenando que cada um dos seus discípulos lhe beijasse os pés, em sinal de submissão. E que aprendessem a se servir uns dos outros, e se aproveitarem dos poderes constituídos, sem jamais criticá-los ou censurá-los.

Promessa feita, promessa cumprida.

Basta ligar a TV, o rádio, ou mesmo acessar a internet, para se dar conta de quantos dos seus discípulos ainda dão eco à sua voz. Alguns deles se reuniram e formaram bancadas parlamentares com o único intuito de expandir a mensagem de desamor de seu mestre.

Entre beijos, torturas e cuspidas

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Por Hermes C. Fernandes

Imagine a cena: Jesus está sob tortura cruel do estado romano. Com as costas em carne viva, o pouco que restou de sua barba arrancada violentamente pela mão de algum soldado, está banhado com o sangue que jorra sem parar de sua fronte perfurada pela coroa de espinhos. A imagem é grotesca.

Enquanto, aos gritos, recebe os golpes do martelo que o prega numa rústica cruz de madeira, alguns de seus discípulos distraídos comentam a crueldade de Pedro ao desembainhar sua espada e decepar a orelha de um soldado enviado pelo sinédrio para prender seu mestre. Surreal, não? 

Como comparar a violência promovida por um estado repressor com a reação exacerbada de quem sai em defesa de quem ama ou mesmo de um ideal? Obviamente que Jesus não deixou passar em branco. Repreendeu severamente a seu fiel discípulo. "Guarda tua espada, Pedro. Quem com ferro fere, com ferro será ferido".  Tal admoestação ainda ecoa no imaginário popular vinte século depois. 

Todavia, o assunto morreu ali. Não foi alvo de comentários nem dos discípulos, nem dos demais judeus. Não há uma menção sequer nas epístolas. E não foi porque Jesus colocou de volta a orelha decepada, e sim porque o fato isolado foi ofuscado pelo suplício do Filho de Deus. 

Precisamos aprender a enxergar as coisas em perspectiva, para não sermos injustos e precipitados em emitir qualquer juízo.

O cuspe dado deputado Jean Wyllys foi uma reação extremada ao posicionamento injustificável de quem defende o que há de mais vil e desumano: a tortura. Ele não só cuspiu, mas também foi cuspido de volta pelo herdeiro de Bolsonaro, numa clara reação em defesa do pai. Já o caso envolvendo o ator global José de Abreu, até onde me consta, não passou de uma troca de insultos, porém dentro do mesmo contexto de nervos à flor da pele devido ao momento político vivido pelo país.

Nenhuma violência é justificada, nem por parte do estado (a menos que seja para evitar uma violência maior), nem por parte dos que são injustamente submetidos a ela. Apesar disso, podemos, ao menos, buscar compreender a razão. Ânimos acirrados. Egos insuflados. Injustiças perpetradas por quem deveria combatê-las. Insultos gratuitos. Tudo isso nos torna numa panela de pressão prestes a explodir. 

De nada adianta apelar à violência. Posso até compreender quem, por um momento, perdeu a estribeira, mas jamais poderia encorajá-lo a agir de maneira impensada. Somente a paz, sob o patrocínio do amor, interrompe o ciclo do ódio.

Antes de sair por aí cuspindo em quem te xinga, lembre-se de que Jesus também foi cuspido, antes de ser espancado até os limites de suas forças. Porém, não revidou. Pelo contrário, morreu suplicando ao Pai que perdoasse os que não tinham noção do que faziam. 

Apesar disso, devo asseverar que um cuspe sincero ainda é menos ultrajante que um beijo de falsidade. Jesus que o diga. O beijo de Judas certamente lhe doeu bem mais que os cuspes dos soldados romanos.

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P.S. Houve duas ocasiões em que Jesus usou Sua saliva para curar. Numa das vezes, Ele cuspiu no chão, misturou sua saliva ao barro, fez lodo e o aplicou aos olhos de um cego, restaurando-lhe a visão. Da outra vez, ele cuspiu diretamente na língua de um mudo e surdo, aplicou a saliva também em seus ouvidos e restaurou-lhe a habilidade de comunicar. Nos dois casos, o cuspe de Cristo teve o objetivo de resgatar indivíduos de sua alienação, fazendo-os enxergar a realidade, e interagir nela através de uma comunicação de mão-dupla. Não vale a pena gastar saliva para insultar ou revidar insultos. Se for para gastar nossa saliva, façamos para espalhar amor e justiça, para abrir os olhos dos que não percebem o que se está configurando no mundo, e desobstruir os canais de comunicação entre os homens, entupidos pela ganância, pelo ódio e pelo preconceito.

E quem merece ser estuprada?

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Por Hermes C. Fernandes

Em pleno século XXI, uma pesquisa divulgada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revela que a maioria da população brasileira atribui à maneira como as mulheres se vestem a culpa por serem estupradas.

Segundo dados colhidos na pesquisa, se as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros. O instituto entrevistou 3.810 pessoas, sendo 66,5% mulheres. Portanto, não se trata de uma opinião predominantemente masculina. Cerca de 65% dos entrevistados concordaram com a afirmação que dizia que a mulher que usa roupas que mostram o corpo merece ser atacada.

A divulgação da pesquisa teve repercussão imediata, principalmente nas redes sociais. À época, páginas foram criadas convocando as mulheres para protestarem. Muitas posaram nuas, cobrindo os seios com placas que diziam "Eu não mereço ser estuprada".

Apesar dos inúmeros protestos, o segmento evangélico se manteve indiferente ao clamor popular com raríssimas exceções. Seu silêncio parece indicar seu apoio à constatação da pesquisa. Alguns  chegam a declarar que se ao menos as mulheres se vestissem como as evangélicas, de maneira modesta e decente, o número de estupros seria drasticamente reduzido. Deparei-me até com a pregação de um pastor bem celebrado entre pentecostais e reformados questionando a salvação de moças que se vestem, em suas próprias palavras, "como prostitutas" (aqui).

Foram declarações como estas foram o estopim de deflagrou a onda de protestos no Canadá  em 2011 que tornou-se conhecida como Marcha das Vadias e se espalhou pelo mundo afora.

Será que as Escrituras têm algo a dizer sobre isso? A culpa do estupro deve recair sobre a mulher?

Há uma passagem que relata o encontro de Deus com o Seu povo através de uma interessante alegoria. Confira:
"E, passando eu junto de ti, vi-te, e eis que o teu tempo era tempo de amores; e estendi sobre ti a aba do meu manto, e cobri a tua nudez; e dei-te juramento, e entrei em aliança contigo, diz o Senhor DEUS, e tu ficaste sendo minha. Então te lavei com água, e te enxuguei do teu sangue, e te ungi com óleo. E te vesti com roupas bordadas, e te calcei com pele de texugo, e te cingi com linho fino, e te cobri de seda. E te enfeitei com adornos, e te pus braceletes nas mãos e um colar ao redor do teu pescoço. E te pus um pendente na testa, e brincos nas orelhas, e uma coroa de glória na cabeça. E assim foste ornada de ouro e prata, e o teu vestido foi de linho fino, e de seda e de bordados; nutriste-te de flor de farinha, e mel e azeite; e foste formosa em extremo, e foste próspera, até chegares a realeza." Ezequiel 16:8-13
O texto indica que além de estar completamente nua, ela parecia se insinuar, daí a expressão "tempo de amores".  Mas o que Deus faz? Como gentleman que é, Ele se aproxima, estende sobre ela o seu manto, cobre sua nudez, e pede-a em casamento. Deus a trata como uma dama. Restitui sua dignidade. Cobre-a de presentes caros. Para só então, conhecê-la como sua mulher.
Qualquer outro a encontrasse naquele estado se aproveitaria. E se ela demonstrasse estar a fim, não seria tecnicamente um estupro.

Creio ser este o padrão que deveria ser seguido pela sociedade em geral. A mulher deve ser valorizada. Tratada como alguém especial, e não como algo prestes a ser usado e depois descartado.

Não se pode exigir que as mulheres se vistam hoje como antigamente. Os tempos são outros. As mulheres conquistaram sua autonomia. Por isso, além de amadas, devem ser respeitadas. E o respeito que merecem nada tem a ver com o comprimento de suas saias, nem com a cavidade do decote, nem com a transparência de suas roupas, ou com a sua maquiagem.

Devemos ir além da literalidade do texto. "Cobrir a nudez" significa atribuir-lhe dignidade. A pior nudez não é a ausência de roupas ou mesmo o uso de roupas sumárias. A pior nudez é a privação da honra e o não reconhecimento de seu valor.

Portanto, quem deve ser culpado por um estupro, senão o próprio estuprador? Quando tomado por sua obsessão, o estuprador não respeita nem o hábito de uma freira. Aliás, quanto mais roupa cobrir o corpo da mulher, mais perversa será a imaginação do tarado.

Tratemos as mulheres como Cristo as trataria, independente da censura que sociedade lhes impõe. Mesmo beijado ostensivamente por uma mulher considera de vida fácil, Jesus não se aproveitou dela, antes, saiu em sua defesa, contrariando até alguns de seus discípulos.
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